| Foto: Marcos Oliveira/Agência Senado

Os ministros Gilmar Mendes e Luís Roberto Barroso têm protagonizado diversas trocas de farpas em sessões do Supremo Tribunal Federal. Ainda que as diferenças entre ambos falem mais alto quando o assunto é o combate à corrupção, especialmente diante das diversas decisões em que Mendes tem mandado soltar investigados presos, não há tema que não provoque uma troca de farpas. E, na “terça-feira maluca” do STF, os nomes de ambos os ministros estiveram envolvidos em episódios que, na melhor das hipóteses, são trapalhadas lamentáveis e, na pior, dão razão a quem costuma acusar os membros do Supremo de, na prática, fazerem o que bem entendem, já que não precisam prestar contas a ninguém.

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O artigo 60 da Constituição determina quem pode propor emendas à Carta Magna: elas podem ser assinadas pelo presidente da República: por um terço dos deputados federais ou um terço dos senadores; ou por metade das assembleias legislativas das unidades da Federação. Nem ministros do Supremo, nem cidadãos comuns podem fazê-lo. Isso não impediu que começasse a tramitar no Senado uma PEC “enviada pelo ministro Gilmar Mendes” (mais abaixo no documento, no campo “autoria”, constava o “cidadão Gilmar Mendes”) propondo nada menos que uma mudança no sistema de governo do país, com a adoção, já em 2019, de um semipresidencialismo com primeiro-ministro apontado pelo presidente da República, e cujo plano de governo precisaria de aprovação da Câmara.

Suprema é a corte, não os seus membros

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A PEC data de novembro – é do dia 9 daquele mês um ofício enviado pelo presidente do Senado, Eunício Oliveira, ao secretário-geral da Mesa da casa legislativa, Luiz Fernando Bandeira de Mello, com a íntegra da PEC e um enorme “urgente”, em letras brancas sob uma tarja vermelha impossível de ignorar. O sistema eletrônico do Senado registrou que, em 18 de dezembro, o texto estava “aguardando leitura”, ou seja, tinha tudo para tramitar normalmente, apesar da irregularidade flagrante que consiste no fato de ela ter sido proposta por quem não tinha competência para tal.

Mas, quando a Gazeta do Povo revelou a existência da PEC no dia 19, a assessoria de Gilmar Mendes disse que ele não havia enviado nenhum projeto de emenda constitucional ao Senado, mas apenas uma “minuta”. De fato, o erro de mandar uma PEC ao Congresso sem essa competência seria tão escandaloso que é bem plausível imaginar que houve um engano – faltaria saber de quem. O Senado, efetivamente, disse que tinha havido um “erro” (anônimo, até onde se sabe – “filho feio não tem pai”, diz o provérbio) ao se tratar como PEC algo que era apenas um “estudo preliminar” de autoria de Mendes. O próprio Eunício Oliveira, em entrevista, tratou o documento como “sugestão” do ministro, apesar de o ofício enviado pelo gabinete da presidência do Senado ao secretário-geral da Mesa não deixar dúvidas de que se trataria de uma PEC. E o texto propriamente dito da proposta simplesmente sumiu do sistema eletrônico do Senado.

Já Barroso demonstrou mais uma vez sua vocação de atropelador das leis. Em 23 de novembro, a maioria dos ministros do STF votou a favor de restrições ao foro privilegiado para deputados federais e senadores, ainda que houvesse divergências específicas sobre as circunstâncias exatas em que um crime seria julgado pelo Supremo ou por outras instâncias da Justiça. Mas, como Dias Toffoli pediu vista do processo, o julgamento não está terminado – e há até mesmo a possibilidade de algum ministro rever sua posição, alterando o resultado. Isso não incomodou Barroso, que mandou para a Justiça Federal em Natal (RN) uma investigação sobre o deputado Rogério Marinho (PSDB-RN) por uma acusação de pagamento ilegítimo a servidores da Câmara Municipal de Natal, em 2005 e 2006, antes de ele ter sido eleito deputado federal.

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Ou seja: Barroso aplicou o próprio entendimento a respeito do foro privilegiado antes mesmo de o julgamento ter sido encerrado. Algo bastante condizente com o comportamento militante que o ministro adota em outras questões e que ele nunca fez questão de esconder, nem antes, nem depois de assumir a cadeira no Supremo. Foi Barroso quem, no fim de 2016, sequestrou o julgamento de um habeas corpus para decidir que a legislação brasileira que proíbe o aborto é inconstitucional e que a prática deveria ser permitida sem restrições nos três primeiros meses da gestação.

O adjetivo “supremo”, aplicado ao tribunal, refere-se ao fato de ele ser a instância final, decisiva, acima de qualquer outra no Judiciário nacional. Suprema é a corte, não os seus membros; mas alguns deles às vezes se portam como se não houvesse limites à sua atuação e eles pudessem fazer o que bem entendessem, sem se ater a formalidades como o rito dos julgamentos realizados na própria corte.