Das mudanças propostas pelo governo federal como parte do ajuste fiscal, uma delas vem causando um pequeno terremoto na vida de estudantes e instituições particulares de ensino superior: as restrições para a concessão do Financiamento Estudantil (Fies). Até então, o governo vinha agindo para estimular as adesões ao programa: as exigências eram poucas e os benefícios, muitos.

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Bastava ao universitário ter feito o Exame Nacional do Ensino Médio (Enem) e que sua família tivesse renda mensal de até R$ 15,7 mil para contratar um financiamento de 50% ou 100% do valor da mensalidade. Em 2010, para atrair mais estudantes, o governo federal baixou os juros, de 6,5% para 3,4% ao ano – bem abaixo das opções de financiamento estudantil na rede privada, e também muito abaixo do que o governo paga para tomar dinheiro emprestado (a Selic está hoje em 12,75% ao ano). Como consequência, segundo dados de consultorias ouvidas pelo jornal O Estado de S.Paulo, ainda que a inadimplência seja zero e todos paguem integralmente os empréstimos, o governo federal terá bancado um terço da dívida daqueles que têm contratos do Fies atualmente.

Para os que já são financiados pelo Fies, nada muda – as alterações valem para quem pedir o financiamento a partir deste ano. O governo federal não aumentou nem a taxa de juros, nem mudou a renda máxima exigida para se contratar o financiamento, e também não tocou nos prazos de pagamento. Mas, para os futuros calouros que tenham concluído o ensino médio após 2010, o governo passou a exigir um desempenho mínimo no Enem: só poderá contratar o Fies quem tirou pelo menos 450 pontos na prova e não zerou na redação. Para se ter uma ideia do impacto, 8,5% dos candidatos do Enem 2014 zeraram a redação. Acrescentando-se a exigência dos 450 pontos, o próprio Ministério da Educação estima que 30% dos estudantes que fizeram a prova do ano passado estão inelegíveis para o Fies.

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Um programa estudantil sem nenhuma exigência meritocrática corre o risco de desembocar no mero paternalismo

Essa diminuição súbita no número de possíveis financiados afeta as instituições de ensino superior, para as quais o Fies também se tornou um ótimo negócio, pois é mais “seguro” ser credor do governo que dos próprios estudantes. Algumas pequenas faculdades paulistas chegam a ter 90% de seu corpo discente formado por beneficiários do Fies. Mesmo gigantes do setor têm visto crescer a parcela de estudantes que pagam suas mensalidades por meio do financiamento do governo – no grupo Kroton, 62% dos matriculados estão no programa. Por isso, algumas faculdades, segundo o jornal Folha de S.Paulo, começaram a adotar medidas como a oferta de cursinhos pré-vestibulares a alunos de ensino médio que morem nas regiões de atuação dessas faculdades, para que eles tenham sucesso no Enem e não percam a chance de contratar o Fies.

O papel do ensino superior como ferramenta de ascensão social já foi comprovado por inúmeros estudos. Segundo dados de instituições como FGV e IBGE, detentores de diploma universitário ganham de 2,5 vezes a 3 vezes mais, na média, que trabalhadores que tenham apenas o ensino médio. Dada a impossibilidade de as universidades públicas absorverem toda a demanda, deixando de fora aqueles que têm menos condições financeiras de se preparar e disputar exigentes vestibulares (apesar das recentes ações afirmativas), medidas como o Fies e o ProUni são importantes para ampliar o acesso dos mais pobres ao ensino superior. Mas um programa estudantil sem nenhuma exigência meritocrática corre o risco de desembocar no mero paternalismo. Se o governo vai conceder a um estudante empréstimos em condições que não seriam encontradas em nenhum outro agente financeiro privado, ele tem toda a razão em exigir uma contrapartida na forma de desempenho no Enem.

Por mais acertadas que sejam as medidas, é preciso dizer que todo o processo de alteração nas exigências do Fies foi conduzido de uma forma bastante atabalhoada. A divulgação no apagar das luzes de 2014, já durante as festas de fim de ano, deixou a entender que as mudanças não foram discutidas com os principais interessados, e uma medida que estimula a meritocracia acabou vista como um apertar os cintos à custa dos estudantes universitários. Também tem faltado transparência no diálogo com as instituições, com reclamações de que a concessão de empréstimos ficou mais difícil para cursos e faculdades que não têm tido bom desempenho nos sistemas de avaliação acadêmica do MEC – outra decisão que favorece a meritocracia, mas que não foi oficializada, o que acaba dando razão aos que se queixam das restrições.

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