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Incerteza é uma palavra dolorosa para pesquisadores, mas não há como desviar dela quando o tema é nossa perspectiva sobre o clima global. Os alertas anteriores sobre mudanças climáticas catastróficas, situação que parecia exagerada, têm sido confirmados.

Hoje, é impensável deixar esse tema de lado, mas o debate científico resolveu subir no pedestal do interesse mercadológico e da banalização, construído por certa arrogância intelectual do embate entre defensores e críticos da mudança climática. Os primeiros acusam as atividades humanas como responsáveis principais pelo inexorável colapso da sociedade humana; os outros refutam tal tese alegando que os ciclos naturais do clima são propositalmente ignorados pelos primeiros. É a gangorra que oscila tanto pela força da pressão da mídia quanto de grandes corporações.

Há, de fato, evidências da mudança do clima estável, não se sabendo se trata-se do espasmo inicial de um resfriamento planetário que, pelo relógio geológico, já estaria em curso; ou, de forma antagônica, se a escalada do aquecimento gradual é crescente. Não há evidência clara de que o ser humano é o responsável direto pela mudança do clima, apesar de alterar condições físico-químicas essenciais à vida nos oceanos, drenar água doce dos continentes para o mar em velocidade assustadora, suprimir importantes reservas florestais e impermeabilizar solos urbanos, entre outras ações nada elogiáveis.

Se há incertezas sobre a responsabilidade humana na mudança climática do planeta, não existe dúvida em relação ao microclima. Não vem de hoje o uso predatório dos territórios ocupados e a consequente deterioração dos microclimas. Nos séculos 16 e 17 os rapanui, aborígenes da Ilha da Páscoa, experimentaram o colapso de sua sociedade pela irracionalidade com que conduziram sua relação com os recursos naturais. Nos séculos 19 e 20, a ilha Hispaniola teve sua metade ocidental, de exuberante natureza, devastada pelos haitianos para produzir carvão.

Uma comerciante de Ushuaia, a cidade argentina mais próxima do Círculo Polar Antártico, relata que as médias no verão têm chegado a "insuportáveis" 10ºC, obrigando moradores a permanecer em casa em dias mais quentes. No outro lado, em Iqaluit, cidade canadense no Círculo Polar Ártico, já começam a surgir aparelhos de ar condicionado! Aqui, há até satisfação pelo aumento da temperatura média – 2ºC nos últimos 100 anos –, esquecendo-se dos recorrentes verões pouco suportáveis.

É fundamental que entendamos as variações climáticas globais, mas isso pouco adiantará se não tivermos a compreensão de que necessitamos de um "escudo" protetor para tal situação. Como um oásis, que torna uma fração do deserto habitável e até produtiva, esse fundamental componente ambiental que é o microclima é o contraponto para enfrentarmos com mais segurança as mudanças climáticas extremas.

O microclima permanecerá estável com a mudança de nossa rotina individual. Como isso é difícil no curto prazo, um outro bom caminho está no estímulo à recomposição de pelo menos parte da cobertura vegetal. Essa ação, que mudaria a rotina nas cidades e no campo, ao menos manterá o equilíbrio do ciclo hidrológico que, enfim, sustenta a vida no planeta. Sem árvores, a água míngua e, sem água suficiente, a terra se torna impraticável para os diversos fins socioeconômicos. Por isso, mutilar códigos de proteção ambiental, como a proposta indecorosa da supressão de vegetação em áreas de APP, é um bom atalho para o colapso.

Eduardo Salamuni é professor de Geologia da UFPR.

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