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O viaduto passa sobre trilhos enferrujados, dormentes podres, quiçaça alta. Antigamente o trem de passageiros apitava ao passar por ali. Depois, o de carga seguia vagaroso, pesado, sem troar a buzina. Hoje, nem um, nem outro. Paro o carro; absorvo, inalo, o silêncio da ferrovia por alguns segundos até que caminhões, muitos, façam barulho infernal. Retomo a viagem na estrada de pista simples que conheci em 1968 ao passar pelo "sonrisal" do governador Paulo Pimentel. A Rodovia do Café ainda é a mesma. Serpenteando em direção noroeste, foi a via moderna que relegou a Estrada do Cerne ao esquecimento. No ponto onde arroio tributário do Tibagi havia transbordado, obstruindo a pista, o Fusca foi transportado na carroceria de um Mercedes cara chata para atravessar a ponte que estava debaixo d’água. Vejo a ponte nova, mais alta, e as águas caudalosas da chuva passando apressadas. O passado e o presente se confundem nas emoções e a realidade se impõe logo adiante, na hora de pagar pedágio.

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Não há delírios estradeiros, planos "desplanejados" que resistam à realidade que insiste em queimar a expectativa de que em algum lugar da estrada alguém oferte uma pérola na Rota 66 à Kerouac. As rodovias do Paraná são as mesmas desde os anos 70: estreitas, sinuosas, escassamente duplicadas, pontes rudimentares, sem obras de arte que encurtem trajetos. Caminhos da roça que receberam asfalto. Estou entalado numa fila de ônibus e caminhões; há uns dez na minha frente e outro tanto atrás, a sessenta por hora. Faço as contas e vejo que a velocidade média da viagem está em cinquenta quilômetros por hora. Se fosse a cavalo, faria uns vinte e cinco; cortando caminhos, talvez chegasse antes. Exagero? Nem tanto!

Duzentos mil caminhões novos no Brasil em 2011. Velharias continuam rodando. A frota deve ser de milhões. Cabem todos nas estradas antiquadas? A lentidão no trajeto faz voar o pensamento enquanto o corpo está amarrado ao assento do carro e as discussões sobre a precariedade da infraestrutura brasileira se materializam no cansaço, fumaça de diesel, medo. Repentinamente o trânsito para. Acidente, obra? Queira Deus, não haja pessoas machucadas. Mais um pouco a fila começa a andar e depois da curva está o operador de siga e pare controlando o fluxo para permitir que trabalhadores façam remendos em pontos deteriorados da pista. Tapando buracos vai-se levando o atraso para frente.

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As pessoas recebem incentivos para comprar automóveis, mas não há ruas e estradas suficientes. O consumo gera desenvolvimento ou o desenvolvimento gera consumo? Rodovias, ferrovias, portos, aeroportos, usinas de energia, infovias, parecem ser pressupostos para a geração da riqueza que propicia consumo. Nessa seara, a galinha vem antes do ovo, decididamente.

A sinuosa linha férrea torna a passar sob o asfalto; me lembro que o trem ultrarrápido entre o Rio de Janeiro e São Paulo ficou só nos anúncios e vem à mente uma mineirice: precisa trem-bala não, basta trem bão. O itinerário termina sem o élan selvagem de Easy Rider. Viagens pelas estradas do Brasil dão filme de terror, não de aventura sensual!

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