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Daqui a um ano, um mês e 19 dias termina o mandato do presidente Luiz Inácio Lula da Silva. Bem entendido, se das CPIs que infernizam a sua vida ou da explosão de nova denúncia mortal, não acontecer o pior para a azarada redemocratização depois dos quase 21 anos da ditadura militar.

Vamos descartar o azar e apostar nas saídas constitucionais da reeleição ou da derrota nas urnas para encaixar a proposta da isenta e piedosa avaliação do estilo presidencial, com os toques de ineditismo de inegável criatividade. Lula nem se ajusta ao clássico modelo do tocador de obras, como o JK, e muito menos ao do burocrata, trancado no gabinete, despachando papéis, lendo processos, despachando com ministros, assessores, dirigentes de autarquia, na rígida obediência à agenda, com dia e hora marcadas.

Antes de ir adiante, como intróito, reconheça-se nas culpas presidenciais a atenuante do equívoco que alimenta cobranças a cada dia mais irritadas, com o adubo dos escândalos que esguicham das fontes de corrupção. Durante as três campanhas das derrotas de aprendizagem e com ênfase na quarta da vitória com mais de 53 milhões de votos, o obstinado candidato retocou o auto-retrato de um administrador como o país jamais conhecera: não o teórico dos livros e relatórios, mas o gerente forjado na dura vida da sua biografia e com o conhecimento direto das mazelas nacionais e do drama da pobreza nos muitos milhares de quilômetros percorridos nos mais diversos meios de transporte. Mal comparando, parecia papo de bar de motorista de caminhão. Com a mais pura sinceridade, acho que Lula não enganou ninguém: se enganou como quem admira a própria beleza no espelho da ilusão. Na montagem do monstrengo ministerial, afogou-se ao nadar contra a corrente do bom senso, da experiência sedimentada pela prática: escancarou as portas ao acolhimento dos petistas derrotados e aos aderentes dos acordos costurados para compor a base parlamentar de apoio. O Ministério transformado em albergue, com 36 ministros e secretários, nunca funcionou. Não apenas pela obesidade doentia. Aqui entra a segunda fase da degringolada do governo, pendurada no prego torto de uma restrição mental: o presidente que prometia cobrar, todo mês, de cada ministro e secretário, o cumprimento das tarefas de cada um, detesta a rotina obrigatória da chefia. Repassou a chateação para o chefe da Casa Civil, inicialmente o todo poderoso, ora caído em desgraça deputado José Dirceu, e nos últimos meses para a enérgica ministra Dilma Roussef. É injusto acusar o presidente de preguiçoso. Ao contrário, irrequieto por temperamento e pelos anos de atividade como líder sindical, dirigente do PT e eterno candidato, não pára um segundo nem cultiva o saudável costume de reservar horas para a meditação solitária e o estudo das questões de governo. Mexe-se, discursa, viaja sempre acompanhado pela corriola. O que não funciona em regime nenhum, menos ainda no presidencialismo. Eminência parda de calça ou de saia não substitui presidente: quebra-galho e cria caso. Como não gosta e não sabe administrar, o governo sem maquinista saltou dos trilhos e rola de morro abaixo. Projeto nunca vai além do lançamento pelo presidente em campanha, que viaja, adora reuniões a qualquer pretexto, com microfone para o solo dos elogios em boca própria, que antigamente se dizia, com exagero, que era vitupério. Feitos os descontos, é um sucesso doméstico e internacional com a sua simpatia e até na ranzinzice das queixas contra a mídia e a oposição. Agora, o governo é a colcha de remendos de fracassos com raros retalhos de sucesso, como das mais de oito milhões de cestas-básicas. Da maioria dos ministros nunca se ouve falar, é como se não existissem. Os projetos que não sucumbiram com a dieta do esquecimento, balançam na corda-bamba, como a transposição das águas do Rio São Francisco para irrigar áreas do Nordeste, o qual, pela complexidade e o custo estimado em mais R$ 4 bilhões, é obra para começo de governo, nunca no lusco-fusco das suspeições de fim de mandato de candidato à reeleição. No mais é o descalabro. Da destruição recordista da Amazônia e o desinteresse pela defesa do meio ambiente (que é que faz neste governo a ministra Marina Silva?) ao abandono da rede rodoviária esburacada, à saúde e educação em deplorável decadência; à falência das promessas de construção de moradias populares, à vergonha do sistema penitenciário e da segurança. Se fez pouco ou nada, estufa o peito para contar vantagem com os recordes de arrecadação de tributos e dos superávits primários, que superou, em setembro, a meta de 4,25% do PIB, acumulando R$ 86,503 bilhões. Um sucesso da teimosia do ministro Antônio Palocci, da Fazenda, na berlinda da denúncia do dia. Mas, se o superávit primário será gasto na redução dos juros da dívida externa, à custa da paralisia da administração é caso de se perguntar quando chegará a nossa vez na festa dos êxitos estatísticos.

Povo não come superávit primário.

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