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Pessoas fracas não gostam da sinceridade como virtude política. Preferem cultuar o que têm de melhor: sua fraqueza. Os fracos não são os famintos, os marginalizados, os economicamente miseráveis, os que a roda da fortuna faz questão de castigar. Os fracos são exclusivamente aqueles cuja condição de vítima é adotada como procedimento normativo, como a única posição política aceitável e necessária – ou mesmo desejável – na construção de um igualitário mundo melhor.

Ninguém gosta de conflitos. Não há uma única alma que não almeje, em última instância, a felicidade. Realizar plenamente aquilo que se é: eis uma constante da nossa condição no mundo. O problema consiste, justamente, no fato de que nós coexistimos e nossos interesses não são os mesmos; na maioria das vezes, são contraditórios. As reflexões políticas são tentativas falíveis de mediar essa realidade.

"Alguém tem o que eu não tenho!", "Como o outro é realizado e eu não?", "A felicidade do meu vizinho me incomoda". "Ele é melhor que eu". O que sustenta essas proposições é uma estrutura lógica muito simples: "sou infeliz porque fulano é feliz". "Sou pobre porque fulano é rico", "sou fracassado porque o outro é realizado". E o problema surge quando todo conflito político é reduzido a esse teorema com regras bastante simples. Perdem-se as idiossincrasias das relações entre os homens e se paga o alto preço do ressentimento se impondo como consequên­­cia inevitável da resolução dos nossos problemas.

Eis o perigo: a virtude da fraqueza ganha dimensões ideológicas; sua expressão categórica é o ressentimento. E, como o ressentido não é capaz de suportar as sinceras verdades do seu adversário público, apela exaustivamente para o derrotismo, para o sentimentalismo caduco e nocivo: "Seja sincero, mas não seja tão duro comigo". "Ele até falou a verdade, mas não precisava ser tão violento com as palavras". A estratégia dos fracos é justamente dar um jeito de se valer da sua condição de fraco. O objetivo ideológico principal é mostrar que os fracos são os únicos efetivamente capazes de um mundo melhor. À luz desse critério, são essencialmente totalitários. O sentimentalismo é tão somente um instrumento de propaganda dessa ideologia.

O método político do ressentido pode ser explicado a partir de quatro pontos: primeiro, mostrar que a sua fraqueza é determinada diretamente pela condição dos outros. As pessoas fracas jamais são responsáveis por sua própria condição. "Minha fraqueza só existe porque o mundo é violento, e o mundo é violento porque o outro é violento". Depois, dissimular a sinceridade, desviar-se da verdade. Como o ressentido não é capaz de enfrentar a dureza da realidade, nega a sua possibilidade. "A verdade não existe, é uma invenção". Quem ousar tentar falar a respeito da verdade é tachado imediatamente como autoritário. É necessário calar a ousada pergunta pela verdade, pois esta exige coragem.

Em terceiro lugar, vender a todo custo o sentimento de que o mundo só não é melhor porque o outro, que se diz detentor da verdade, não o permite, não tolera gente fraca. Esse tipo de sentimentalismo precisa ser espalhado como norma fundamental da moralidade. Só é válido o que não ofende, o que não causará mal-estar. E, por fim, criar um vocabulário e uma gramática facilmente assimiláveis e que transitem sem qualquer esforço: "eu sou tolerante" e "ele é preconceituoso". É assim que se mata um debate ainda no nascedouro.

Francisco Razzo é mestrando em Filosofia pela PUC-SP.

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