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Com a vitória dos chavistas na eleição para a Assembléia Nacional da Venezuela, a da socialista Michelle Bachelet (ainda em primeiro turno), no Chile, e do cocalero Evo Morales, na Bolívia, além das recentes mudanças na Argentina, a esquerda sul-americana parece obter mais um pouco de poder na região.

Cumprido o calendário eleitoral de 2006, de disputas presidenciais também na Colômbia, México, Brasil, Equador e outras repúblicas ("republiquetas") –, o que os povos da América Latina poderão esperar também de seus governantes num futuro próximo? Melhor distribuição de renda, com mais justiça social, mais investimentos em educação e saúde, combate mais efetivo à pobreza e à fome, ou menos estabilidade econômica, mais intervencionismo estatal e um tipo suspeito de neodesenvolvimentismo, sob arremedos de democracias representativas?

Essas são algumas das perguntas da comunidade internacional, ao questionar os processos que culminaram, por exemplo, com a atípica "democracia popular" imposta por Hugo Chávez aos venezuelanos, sob pretexto de tentativa de golpe da oposição, incentivada pelo que ele chama de "louco, genocida e assassino" George Bush.

Há claras razões para inquietação: se é verdade que recém-eleitos candidatos de esquerda já fizeram autocríticas e recuaram, sobretudo em assuntos econômicos, não é menos verdade que muitos deles abraçaram ainda mais o radicalismo. Governantes da esquerda democrática latino-americana, que já se declararam até da esquerda radical, tiveram origem democrática, perderam e ganharam no voto, mas acabaram tomando caminhos que desmentiram suas origens.

Sobre a Venezuela, pode-se dizer que houve um pleito sem resultado: pela primeira vez na história do país, marcada por brutais ditaduras, não haverá qualquer oposição no Congresso. Na prática, Chávez poderá reemendar a Constituição e ficar no poder até 2017 ou mais 18 anos! Com um discurso amparado no pensamento de Fidel Castro, o coronel não esconde a tentativa de influir na política de seus vizinhos – sobretudo a de Lula –, menos por interesse econômico e mais por vontade de se eternizar no governo.

Basta ver que, em velada ameaça de censura, antes das eleições, advertiu as emissoras de rádio e tevê sobre as conseqüências que sofreriam se apoiassem o boicote às eleições e acusou adversários e empresários dos meios de comunicação de tentarem deflagrar um golpe.

No Cone Sul, a vizinha Argentina, onde o partido peronista ganha mais força com as mudanças ministeriais do presidente Néstor Kirchner, e os novos ministros acreditam que intervenções do Estado na economia conduzem mais depressa à justiça social, os desafios surgem tanto na área política como na econômica.

Como o governo fará da Argentina (com um dirigismo econômico já anunciado por Felisa Miceli, nova ministra da Economia, que sucedeu Roberto Lavagna, responsável pela estabilidade) um país de indústrias competitivas no Mercosul e fora dele? Será desengavetando, em pleno século 21, um justicialismo que, sob os nomes mais diversos, frustrou as aspirações populares por mais empregos, educação e saúde, quando o ditador Juan Perón ainda vivia e não havia o risco da perda da estabilidade?

Mas, exatamente agora, quando a economia argentina inicia sua recuperação, ajudada por conjuntura internacional satisfatória, pela cooperação do governo brasileiro – criticado pela mídia – e pela tolerância dos mercados financeiros, Kirchner parece dar um passo atrás. Pretende inverter seu rumo e transformar o Estado em empresário, deixando de lado as chances concretas da Argentina de atrair novos investimentos para suas indústrias, sobretudo as que perdem mercados?

É pouco provável, tanto que não vacilou em formalizar o chamado "eixo Buenos Aires–Caracas", para formar um pacto comercial e político com a Venezuela, com a qual analisou a construção de um megaoleoduto interligando seu país ao Brasil, Argentina e Uruguai.

Mas nada é impossível nos devaneios dos governantes da região. Até mesmo que seus planos, mesmo quando traçados com extremo cuidado, e dentro da lei, como observa o enviado de O Estado de S. Paulo a Caracas, Lourival Sant’Anna, acabem errado – tiros saindo pela culatra.

E o que ocorrerá proximamente no Chile com a vitória da médica, ex-ministra da Defesa e candidata socialista Michelle Bachelet – que quer governar "para as donas de casa" – e na Bolívia, cuja estabilidade é de particular interesse do governo brasileiro, onde o cocalero e favorito Evo Morales anuncia que aplicará "o peso da lei" às petrolíferas estrangeiras?

É importante que a diplomacia do governo "de esquerda" do presidente e ex-metalúrgico Luiz Inácio Lula da Silva esteja atenta aos disfarces dessas democracias que, ao impulso carismático de líderes populistas, deverão conviver com o Brasil.

Aliás, essa é uma regra que já deveria ser seguida desde o início do governo Lula, para que os brasileiros não comam gato por lebre, cortejando países que não mostram nenhum apreço por suas instituições e seu povo.

Miguel Jorge, jornalista, é vice-presidente de Recursos Humanos e Assuntos Corporativos e Jurídicos do Santander Banespa.

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