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Atacante holandês Van Persie marcou na vitória do Manchester | Phil Noble/Reuters
Atacante holandês Van Persie marcou na vitória do Manchester| Foto: Phil Noble/Reuters

Dois anos para falar e 60 para aprender a calar. A máxima atribuída a Hemingway está na linha das muitas afirmações de que as palavras, uma vez pronunciadas, saem do controle de quem as emitiu. Falar é prata, calar é ouro. Um boca e duas orelhas indicam que se deve falar a metade do que se ouve. Claramente o sentido dessas admoestações é de que as pessoas devem pensar antes de falar para evitar que os ouvintes conheçam os verdadeiros pensamentos do falante ou percebam a incapacidade de expressão. A sequência "pense e fale" é lógica. A realidade: falar sem pensar.

Até porque falamos sem pensar, os receptores da fala – que também falam despreocupadamente – devem ser piedosos com os deslizes. Porém, essa postura é exceção. A regra é a presunção de má fé na interpretação do que foi dito. Raramente o ouvinte de alguma coisa dita de modo meio torto dá por irrelevante a inadequação da forma e foca a atenção no conteúdo. Exigimos perfeição dos outros sem pensar que, na posição de emissores de palavras, cometemos os mesmos equívocos e imperfeições. Humanos pra chuchu.

Individualmente é melhor falar pouco, mas se todos adotassem essa conduta chegar-se-ia ao silêncio. Se meu interlocutor falar a metade do que ouve de mim e o interlocutor dele falar a metade do que ouviu, haverá 1/4 de palavras em apenas três locuções. Típica falácia da composição: o somatório do ótimo individual não resulta em ótimo coletivo. Então, se alguns calam, outros têm o dever de falar muito para que a algaravia das palavras encha o ar de humanidade, com acertos e erros.

Contam os historiadores que o espartanos falavam pouco. Militares, recebiam ordens em poucas palavras e, silenciosamente, as cumpriam. Todos os aspectos da vida tinham rotina castrense e, assim, pouco falavam, nada discutiam; nada de crítica e filosofia desenvolveram. Lacônico é o adjetivo legado à posteridade. Foi ao casamento? Sim. Como estava? Noiva de branco, noivo de preto. Ah! Pronto, eis uma longa prosa entre lacônicos.

Os vizinhos atenienses eram do barulho. Batiam boca de manhã até a noite em grandes assembleias nas praças. Construíram a democracia, a filosofia, o ocidente com o seu jeito de falar livremente, tendo por premissa a liberdade de expressão do pensamento. Polemizar decorre de falar. Retórica, oratória, tribuna, debates, votações, oposições, dissenso. Atenas era viva. Esparta, jazigo da alegria.

Alguma contenção dos falantes é necessária, mas a sabedoria empírica poderia orientar melhor os ouvintes, insistindo na boa fé como substrato da interpretação do que se ouve. É verdade que formalmente o emissor da comunicação é responsável pela inteligibilidade da ideia transmitida. Todavia, o prazer das palavras ao vento, das conversas soltas e até mesmo dos palavrões nos momentos de raiva é sentido por todos. Exigir disciplina espartana para que o falante só diga o politicamente correto entristece a convivência e vai tangendo as pessoas ao silêncio dos campos santos, onde ninguém fala.

A perfeição é desumana.

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