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Que não basta apurar crimes e punir culpados; que, além disso, é preciso submeter o sistema político brasileiro a uma profunda reforma, na qual se enfrentem matérias tais como fidelidade partidária, financiamento de campanhas, multiplicação de partidos de "aluguel", enfim, tudo aquilo que propiciou o atual estado das coisas, quanto a isso vai se formando uma significativa corrente de opinião. Mas a grande questão é como fazê-lo.

Supor que a grande maioria dos que aí estão fará por conta própria o que precisa ser feito, que eliminará tudo que a vem beneficiando desde sempre, tomada de um repentino desprendimento em relação aos interesses que sempre permearam suas ações, é simplesmente fantasiar. A história está aí para mostrar que o legislador em causa própria, que legisla sobre matérias de seu próprio interesse, sempre é um péssimo legislador. Não devemos, pois, apostar que o próprio Congresso Nacional – desta legislatura ou de outra qualquer – seja capaz de, por Emenda Constitucional, atacar de frente e resolutamente as mazelas de nosso sistema político. Prova disso é a minirreforma recém-aprovada pelo Senado – e que ora se encontra em apreciação na Câmara – a qual, a despeito de trazer algumas boas novidades (especialmente a limitação dos gastos de campanha), não avança um milímetro, por exemplo, na questão da fidelidade partidária.

Por isso mesmo vem ganhando corpo a idéia de convocação, por Emenda Constitucional, de uma assembléia revisora, à qual caberia levar adiante esses propósitos, e que não se confundiria com o Congresso, funcionando de forma autônoma e exclusiva. Porém, pouca serventia teria essa assembléia, se viesse a ser formada pelos mesmos quadros que já compõem o Legislativo ou seus apadrinhados ou ainda por interessados em simplesmente substituí-los, ocupando-lhes as mesmas posições e vantagens. Não se trata, bem entendido, de supor ingenuamente que basta uma substituição de pessoas, que há os do "bem" e os do "mal", como sempre propagou o PT da oposição (autoqualificando-se, é claro, no primeiro grupo). Não é nada disso: o importante é apenas eliminar ou, pelo menos, reduzir os conflitos de interesses decorrentes da legislação em causa própria. Para tanto, o ideal seria dispor, no ato convocatório, que os futuros integrantes da assembléia estariam impedidos de ocupar cargos eletivos e também cargos em comissão e de confiança por um determinado número de anos (pelo menos cinco anos), após o encerramento dos trabalhos. Seria uma espécie de "quarentena" política, similar à que foi recentemente implantada no âmbito do Judiciário.

Uma objeção deve ser enfrentada. Há quem tema que a eleição de uma assembléia revisora específica pudesse pôr em risco o cerne da Constituição de 1988 e desestabilizar as instituições existentes. Para afastar esse perigo, bastaria estabelecer, na própria Constituição, um mandato específico para tal assembléia, uma data improrrogável para a conclusão dos seus trabalhos (sem qualquer possibilidade de perpetuação) e uma expressa garantia de normal funcionamento dos poderes durante seu curto período de existência. Deveria ficar claro, por exemplo, que dita assembléia não teria qualquer competência para dispor sobre os Direitos Individuais e Sociais dos Cidadãos brasileiros, sobre a República, o sistema federativo e a repartição dos poderes, entre outros temas, que formam o núcleo duro da Constituição. Dessa forma, seus trabalhos seriam absolutamente limitados à refundação do sistema partidário-eleitoral. Assim, qualquer abuso poderia ser facilmente atalhado pelo Supremo Tribunal Federal. Ou seja, dar-se-ia um instrumento cirúrgico à assembléia revisora, cuja adequada utilização se sujeitaria ao sistema tradicional de controle da constitucionalidade. Enfim, uma assembléia revisora, nos termos propostos, seria um mero instrumento de exercício do Poder Constituinte Derivado, que não poderia sair dos trilhos estabelecidos na própria Constituição. E não se trata de mera questão de palavras: as instituições existentes – especialmente o Judiciário — são sólidas o suficiente para garantir que assim seja. Deixemos, pois, de lado certas neuroses que vêm nessa proposta o perigo de retrocesso institucional ou de redução de direitos dos cidadãos.

Mas no fundo a maior dificuldade, talvez intransponível, esteja em obter justamente a outorga desse mandato para uma assembléia revisora. Se, como vimos, os atuais legisladores, em sua grande maioria, não estariam dispostos a mudar as instituições que os favoreceram, por que permitiriam que outros o fizessem em seu prejuízo? Forçá-los, democraticamente, seria uma tarefa para a maior de todas as instituições republicanas: o cidadão. Não custa sonhar.

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