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Com a ingenuidade desculpável de meus 12 aninhos – porque sim, paciente leitor, no tempo em que os bichos falavam, adolescentes de 12 anos eram ingênuos – assisti animadas discussões na minha casa a respeito das notícias da viagem do então presidente eleito Juscelino Kubitschek havia feito à Europa, na qual passeou em um jipe alemão e declarou que, antes de que seu mandato acabasse, o Brasil estaria produzindo automóveis. Vários deputados haviam desancado o sonho juscelinista, "provando" por a mais bê que o Brasil não podia ter uma indústria automobilística porque "não tinha mão-de-obra qualificada". Aviões, nem pensar! Hoje, o Brasil é o sexto maior produtor de veículos do mundo e o segundo maior produtor de aeronaves leves.

Cresci lendo que os pecuaristas brasileiros eram gigolôs de vacas soltas no pasto que Deus e as chuvas propiciavam onde, vez por outra, o fazendeiro apartava alguns animais velhos e infestados de carrapatos e vermes para vender. A crise anual da carne era recorrente como as chuvas de verão e até o desafortunado delegado Tuma andou de helicóptero país afora, caçando o boi gordo. Hoje, apesar das lambanças do governo federal, do governo estadual e de produtores irresponsáveis no controle da aftosa, somos o maior exportador de carne do mundo. E os frangos, que serviam de mote para uma anedota bem carioca, a de que quando pobre comia frango um dos dois estava doente? Se já não somos o primeiro exportador mundial, somos o segundo e a produção de aves brasileiras experimentou incrível modernização. Lembra-se o paciente leitor de onde veio a expressão "mamão com açúcar"? Veio do fato de que o mamão no Brasil era uma fruta tão insossa, mas tão insossa, que tinha de ser adoçada para ser comida. Isso até que os imigrantes orientais começassem a revolucionar os fruti e hortigranjeiros com tecnologia, paciência e profissionalismo.

Para quem gosta de esporte, algumas lembranças úteis: em 1950, o Brasil perdeu a Copa do Mundo em pleno Maracanã para o bisonho Uruguai porque o time havia passado a semana banqueteando e recebendo homenagens de vereadores, comerciantes e fãs embevecidas, que – previsivelmente – haviam drenado todas as energias físicas e psicológicas dos jogadores. Quanto se vilipendiou o caráter dos brasileiros argumentando que a Copa havia sido ganha "no grito" por Obdulio Varela, o perna de pau que era capitão da Celeste, que teria intimidado acovardados jogadores brasileiros com seus berros. Quanta tolice disseram os sábios do futebol durante anos a respeito da superioridade técnica do futebol europeu (e até do russo, humilhado pela dupla Garrincha–Vavá em 1958). Agora, duas gerações depois, o Brasil é pentacampeão mundial, seis brasileiros já receberam o prêmio de melhor jogador do mundo dado por seus colegas e treinadores do mundo todo, três mil brasileiros jogam mundo afora e formam a base dos grandes times do planeta e o Brasil é o primeiro do ranking em praticamente todas as modalidades. Ginástica era monopólio dos países do Leste Europeu, onde lourinhas dolicocéfalas de cinco anos eram selecionadas cientificamente e entregues ao Estado para serem preparadas por métodos altamente sofisticados. Isso até que um dia, uma professora de Porto Alegre passou em uma praça pública e viu uma adolescente baixinha, negra e pobre fazendo ginástica e nasceu a fabulosa Diane dos Santos. Que já não é a única, é apenas a primeira de uma série de campeões numa modalidade em que nunca tivemos qualquer tradição. E no vôlei não irei falar porque surrar a Itália, Cuba, Japão, China já ficou monótono. Se inventarmos de jogar o chatíssimo beisebol, em dez anos destronaremos americanos, venezuelanos e japoneses.

Que lições tirar de tudo isso? Primeiro, que o Brasil é um repositório de talentos que, quando descobertos e minimamente estimulados, produzem grandes coisas em todas as áreas. A segunda é que em cada sucesso, você encontrará uma associação entre talento, capacidade de aprender com os outros e organização. Foi necessário um almirante Lucio Meira para organizar o talento na indústria automotiva, um brigadeiro Casemiro Montenegro para fazer nascer a indústria aeronáutica, um Celso Garcia Cid para revolucionar a pecuária brasileira, a mistura de tecnologia de primeiro mundo com a capacidade de aprendizado e o trabalho do agricultor brasileiro para transformar o país em potência agroindustrial; a experiência no estrangeiro de dezenas de jogadores e técnicos para construir a potência futebolística que somos e a vinda de técnicos estrangeiros para forjar a potência multiesportiva que começamos a ser. A lição que devemos tirar é que todas as vezes que nos rebelamos contra os mitos, as "verdades" dogmáticas dos ideólogos, a xenofobia dos tolos e o messianismo dos espertos, sepultamos as dificuldades e ultrapassamos os obstáculos por mais intransponíveis que pareçam.

Esta crônica é um presente de Natal singelo para o leitor, humilhado pela corrupção de suas lideranças políticas, impotente ao ver as riquezas de seu país jogadas aos cães. E meus votos de 2006 são de que tenhamos memória suficiente para sepultar, nas urnas, a corja dos que não se mostraram à altura do país e de seu povo.

Belmiro Valverde Jobim Castor é um brasileiro que ama com fé e orgulho a terra em que nasceu.

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