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Apesar da resistência de algumas bancadas partidárias no Congresso e do ceticismo de certos observadores, o Senado já deu o primeiro passo para a reforma política, com as alterações aprovadas em instância inicial para a campanha eleitoral. Essa primeira mudança deverá ser seguida por outras, mais abrangentes, de modo a aperfeiçoar os mecanismos através dos quais a sociedade escolhe seus governantes – do presidente da República ao vereador no município.

Essa é a questão mais relevante dos dias atuais no país, porque boas instituições, além de reforçarem a legitimidade democrática, são fundamentais para a realização dos fins da sociedade, notadamente a busca do desenvolvimento com bem-estar. A propósito, carecem de razão os que resistem a ajustes mais densos: as grandes reformas ocorrem em momentos de crise dos povos, como registra a crônica histórica. De certa forma a resistência às mudanças é compreensível, dado que pessoas e grupos humanos tendem a rejeitar quaisquer inovações que modifiquem seus hábitos, afetem sua zona de conforto ou ameacem seu "status".

Na conjuntura presente, a reforma é necessária para destravar a crise política que, "ao se afastar de padrões éticos mínimos, resultou numa cartelização da atividade de representação", levando ao "descrédito dos políticos e do Estado como agente regulador dos conflitos e das contradições sociais" – segundo o filósofo Denis Rosenfield. A solução desse bloqueio estaria, para o professor da Universidade Federal do Rio Grande do Sul, no "reencontro da dignidade da política como fator de edificação da ‘polis’, da cidade humana onde todos encontram oportunidade de realização pessoal e de comunicação solidária".

As propostas de reforma transitam por toda a gama do espectro político, caminhando desde uma disciplina mínima da campanha eleitoral até a convocação de uma assembléia constituinte com poderes para alterar os fundamentos do regime, do regime partidário e da formação do voto; ademais de refundar a Federação, distribuir os papéis institucionais entre seus diversos entes, recriar a carta de tributos e assim por diante. Devemos aperfeiçoar sim a legislação eleitoral, porém de modo aceitável para a sociedade, cuidando para que tais modificações – ao se espalharem pelas áreas civil e criminal visando permitir maior efetividade de atuação da Justiça em matéria eleitoral – não resultem em "camisas-de-força" a cercearem a criatividade na comunicação entre o candidato e o eleitor, ou se tornem impossíveis de aplicar.

A propósito, vale lembrar que a recente lei de iniciativa popular destinada a coibir abusos na captação do voto já derrubou 18 prefeitos e 48 estão denunciados, apenas no Paraná. É que, explicava o desembargador Moacir Guimarães, presidente do Tribunal Regional Eleitoral nas eleições de 2004, os congressistas aprovam leis que não examinaram a fundo. Contra nossa tradição romano-visigótica, ancorada no dogmatismo jurídico que só se satisfaz com normas copiosas e detalhistas, vale contrapor o pragmatismo anglo-saxônico. A Magna Carta, estatuto pioneiro de liberdades para a Inglaterra, não criava institutos legais, apenas declarava direitos consagrados para o povo daquele país.

Na Atenas clássica, quando o grande legislador Sólon se retirava, foi indagado se havia dado aos atenienses as melhores leis possíveis, ao que o sábio respondeu: "Não, as leis que eles estão habilitados a observar". Entre nós, a esta altura, portanto, em vez de buscarmos a norma perfeita, vale trabalharmos por reformas parciais mas possíveis, completando o conjunto com a promoção da cultura democrática – de tolerância com os demais, respeito aos contrários e aceitação do pluralismo na sociedade.

Ao ganhar valorização como um fim em si mesma, a democracia pode contribuir para a melhoria do sistema político-partidário brasileiro, numa orientação para a estabilidade institucional – base para a construção do desenvolvimento conjugado com a promoção de oportunidades para todos os membros da sociedade.

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