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O curto-circuito entre os ministros do primeiro escalão, Antônio Palocci, da Fazenda, e Dilma Rousseff, da Casa Civil, com faíscas saltando para todos os lados, pode reservar surpresas no seu desfecho previsto para as próximas horas, mas já rendeu a lição decisiva para os felizes ocupantes do mastodôntico Ministério sobre a fórmula para a permanência ate o fim do primeiro mandato, com esperança remota de mais quatro anos no berço da reeleição. Grosso modo, a obesa equipe ministerial, avaliada pela importância e o peso político, distribui-se em três níveis: os com vaga cativa, como os dois que se engalfinham na luta pela definição dos rumos do governo na reta final do mandato; o escalão intermediário que consegue espaço na mídia mais pela via pouco movimentada das atividades administrativas, e o porão, onde repousa sem ser incomodado, o bloco dos que não aparecem e é como se não existissem. A especulação que sobreviveu à pausa do feriado – e deve explodir, como bolha de sabão nas próximas horas, antes que o governo acabe – é tão séria e preocupante como o escândalo da corrupção, em que cada vez mais se enrola o indeciso e frouxo presidente Lula, desatento à regra básica que impõe a afirmação da autoridade com a rapidez do raio, sem hesitar um minuto.

Mais do que uma incontornável desavença entre ministros, o que está em jogo de vida ou morte é a respeitabilidade do chefe do governo e os rumos da política econômica nos próximos 13 meses e meio decisivos do mandato pendurado no fio fino e de resistência pouco confiável da reeleição ou da queda, aos trambolhões, no buraco da série de conflitos. Os sobressaltados ministros e secretários com status de ministro que se espremem nos cortiços da Esplanada dos Ministérios, assistem à aula prática sobre a mais segura maneira de furar a onda até a arrebentação ou de surfar para chegar à praia, com direito à nova tentativa.

Não é preciso esquentar os miolos e perder noites na angustiosa procura da fórmula da poção mágica: o governo não consegue guardar segredo, é indiscreto e viciado nas contradições. No caso, mira-se no chefe que não diz coisa com coisa, como ainda agora na categórica e reiterada afirmação de que ele e o governo não se envolviam com as CPIs dos Correios, dos Bingos e do Mensalão, que estrebucha nos arrancos de moribunda – para, em seguida, com a maior cara-de-pau, comandar a operação que mobilizou a máquina e apelou para todos os recursos sabidos para impedir a prorrogação das investigações exatamente da comissão parlamentar de inquérito que começa a morder o seu calcanhar. Vamos em frente: os ministros do núcleo duro ou pastoso do Palácio do Planalto não têm como se esconder nem evitar o envolvimento na crise: estão no caldeirão fervente.

Mas, a partir do escalão intermediário, a cada avaliação de perigos e manhas para escapar da fritura, salta a evidência: quem se finge de morto, some, desaparece, não se expõe, não faz nada, pode roer em sossego as deliciosas vantagens, as doces mordomias, o afago da importância social, as cócegas na auto-estima com a sensação de estar no poder, na sua intimidade, ser parte do bolo de chocolate dos privilegiados para a inveja da parentela, da vizinhança, dos amigos e conhecidos. Sair de casa com o carro oficial à espera na porta, comparecer às festas oficiais, ser visto ou fotografado ao lado do Presidente e da primeira-dama paga com juros o aborrecimento das horas ociosas do expediente de agenda modesta.

O perigo ronda e abate os salientes que se metem a apresentar propostas, planos de obras ou os que caíram em ministérios com rotina impositiva, nas áreas de exposição inevitável. Para ficar em exemplos sabidos, o Ministério da Educação, que derrubou dois ministros: Cristovam Buarque e Tarso Genro; o da Previdência, calvário do ex-ministro Ricardo Berzoini, consolado com a presidência do PT; o dos Transportes, em que o então ministro Anderson Adauto, ora enrascado nas trampas do caixa 2, passou em branco, sem tapar um buraco das estradas em pandarecos. E por aí vai. Na berlinda desde o início do governo, a ministra do Meio Ambiente, Marina Silva, é um caso à parte. Recepcionada como uma escolha perfeita, com a biografia de histórica combatente contra a devastação da Amazônia, submeteu-se, em chocante passividade, à desmoralização do mito e à crescente condenação dos militantes da causa que, em suas mãos, só conheceu derrotas e humilhações. A denúncia do relatório da Organização das Nações Unidas (ONU) para a Agricultura e Alimentação é a pá de cal: o Brasil é o recordista mundial em perda de áreas florestais, com o desmatamento de 3,1 milhões de hectares por ano, quase metade do total do mundo de 7,3 milhões de hectares. A ministra Marina Silva quis seguir o presidente na ginga de contar vantagem mesmo ao arrepio da verdade e deu no que está à vista. Ministro esperto, secretário ladino que quer continuar no bem-bom do acolchoado do governo deve seguir o conselho da experiência e, como uma sombra, passar ao largo das crises. E não fazer nada além da rotina. O que não é difícil porque não tem nada mesmo o que fazer. Quando mais sumido, ausente e oculto melhor. Ministro bom, secretário perfeito é o que não faz marola.

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