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Na expressão mais simples, o decoro é "a postura que se exige do parlamentar para o exercício de suas funções", como diz o imortal De Plácido e Silva (Vocabulário Jurídico). Outra definição, da ciência política, vem da professora Maria Helena Diniz e acentua que se trata da "decência que devem ter os deputados e senadores, conduzindo-se de modo não abusivo com relação às prerrogativas que lhes foram outorgadas e sem obter quaisquer vantagens indevidas, sob pena de perderem o mandato parlamentar" (Dicionário Jurídico).

E qual é a significação comum do vocábulo que ingressa nos últimos meses na linguagem dos meios de comunicação, na família, na escola, nas discussões sobre a Ética na Política, nas audiências e debates das Comissões Parlamentares de Inquérito e nos grupos sociais formadores da opinião pública? O Aurélio nos ensina que há várias acepções. O decoro é: "correção moral; compostura, decência, dignidade, nobreza, honradez, brio, pundonor".

O cidadão brasileiro, tendo a obrigação ou a faculdade de votar, deve exercer o direito de punir o mandatário ou o governante que, no desempenho público ou privado, compromete a fidelidade e as virtudes da representação popular. E a sanção é, justamente, a perda do mandato.

A reprovação pública para o político infiel poderia ocorrer na forma direta pelo recall, ou seja, a cassação por um determinado número de eleitores. Assim dispunham algumas Constituições estaduais do final do século 19. Rio Grande do Sul, Santa Catarina e São Paulo, por exemplo. Esta última estabelecia que o mandato legislativo poderia ser cassado mediante consulta feita ao eleitorado por proposta de um terço dos votantes e na qual o representante não obtivesse, em seu favor, metade mais um, pelo menos, dos sufrágios que o elegeram. Mas as Cartas Políticas atuais não admitem esse procedimento. Resta, então, a forma indireta de sanção. Ela é aplicada, em nome do eleitor, pelo membro da Casa Legislativa a qual pertence o parlamentar indecoroso. Em caso de improbidade cometida pelo chefe do Poder Executivo (presidente da República, governador de estado ou prefeito municipal), a perda do mandato é imposta pelo Congresso Nacional, Assembléia Legislativa ou Câmara Municipal, em processo por crime de responsabilidade. E entre as hipóteses legais da improbidade na administração consta o "proceder de modo incompatível com a dignidade, a honra e o decoro do cargo" (Lei n.º 1.079/50, art. 9.º, inciso 7).

Nos episódios revelados pelas CPIs, especialmente em função do trabalho beneditino de investigadores como o senador Alvaro Dias e os deputados Osmar Serraglio e Gustavo Fruet, ficou exuberantemente provado que vários deputados receberam o mensalão oriundo de doações de partido político beneficiado com "empréstimos" concedidos generosamente pelo operador Marcos Valério que, por sua vez, teria obtido os recursos (supostamente) junto a instituições financeiras. Mesmo sem garantias de mercado e avaliação de risco. Um negócio que não se conseguiria ...nem na China!

Para refutar a acusação óbvia de que o dinheiro era o combustível para aliciar votos em favor de projetos do governo os mensalinos afirmaram – todos eles e candidamente – que se tratava de recursos não contabilizados para campanhas eleitorais.

O eufemismo aportou nas defesas escritas dos processos éticos e nas respostas às perguntas feitas nas CPIs, na imprensa e em setores sociais que acompanham os lamentáveis episódios de corrupção.

Os recursos não contabilizados e não declarados às autoridades fazendárias foram admitidos como rotina da cultura política pelo presidente da República em famosa entrevista parisiense.

Ao ver e ouvir isso o cidadão comum, que não tem caixa 2 e paga seus impostos e taxas exigidos com furor fiscal, tem todo o direito de perguntar: onde fica a correção moral, compostura, decência, dignidade, nobreza, honradez, brio, pundonor?

Ou numa palavra: o decoro?

René Ariel Dotti é advogado, professor universitário e membro da academia paranaense de letras jurídicas.

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