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A filosofia está na moda. Depois do esoterismo, da auto-ajuda, das iogas, da idolatria e das seitas, o novo produto nas gôndolas são as idéias, o pensamento. A perturbação diante de tantas mazelas, a velocidade das mudanças, o ruído das coisas ou o mix de tudo isso está levando as pessoas a trocar o personal-trainer pelos tutores intelectuais privados.

A sociedade pós-industrial aposentou os economistas, o fim das ideologias está dispensando os cientistas políticos, mas as perplexidades produzidas pelo progresso sem bem-estar aumentaram a demanda pelos filósofos. De preferência, portáteis, agradáveis, recarregáveis e sintéticos. Robôs capazes de recitar meia dúzia de sonoras epígrafes e verbetes quando se aciona certa tecla ou se menciona determinada palavra.

O que diria Sócrates diante do roubo de 2 milhões de reais dentro das dependências da Polícia Federal no Rio? Tomaria outra dose de cicuta ou tentaria avaliar aquele agrupamento humano incapaz de produzir diferenças entre benfeitores e malfeitores?

O caso andou pelas manchetes, agora está nas páginas dos crimes quotidianos, deixou o ranking do impensável e encaixou-se no das banalidades. Mas é um dos acontecimentos mais surpreendentes desta temporada de surpresas. Seu ineditismo e sua dimensão o colocam no âmbito dos paradigmas, caso de estudo, transcendental.

O policial-ladrão não é apenas uma excentricidade como o homem que morde o cão. É uma subversão de todos os valores, ruptura elementar da ordem, sinal de um caos conceitual que anula os códigos e torna impossível qualquer tipo de consenso. O agente da lei que pisoteia a lei representa a impossibilidade da convivência.

De repente, descobre-se como são enganosas e desviantes certas palavras de ordem marteladas há algumas décadas tanto por governantes como pelos governados. "Tudo pelo social" foi uma perigosa simplificação que retirou das nossas preocupações o sentido moral da política.

Moralismo virou pejorativo, moralidade converteu-se em ofensa, moral deixou de ser um atributo nobre e neste implacável processo de reduções semânticas degradou-se a nossa humanidade. Ficamos sem referências entre o bem e o mal, o certo e o errado, o ideal e o abominável.

O "rouba, mas faz" ganhou status de revolucionário ao confundir-se com o postulado de que os fins justificam os meios e nesta dasapropriação do ethos criamos uma absurda sociedade incapaz de socializar-se. Estamos a caminho de consagrar o incivil e converter o cidadão num lobo solitário, feroz, incapaz de solidariedade.

O artificial antagonismo entre o moral e o social levou-nos a esquecer que o núcleo do socialismo é essencialmente moral, a exploração do homem pelo homem é antes de tudo imoral. Imoral é a desigualdade, imoral é a exclusão, a acumulação incontrolável de riquezas. Tiranos são imorais, também os demagogos.

O debate eleitoral logo após a democratização de 1945 deixou seqüelas desastrosas em nossa escala de valores e em nossa concepção de vida ao secundarizar as questões morais como ideais burgueses, da elite. É por essa razão que em seu discurso de renúncia ao mandato Severino Cavalcanti menosprezou as "elitezinhas". Para ele, o povão não precisa conhecer a diferença entre o público e o privado, entre probidade e improbidade, entre decência e indecência.

Estas insignificâncias também não interessam aos federais-bandidos, aos deputados-mensalistas, aos corruptores de políticos, aos nepotistas, aos juízes-ladrões, aos usuários do caixa 2, aos que não enxergam conflitos de interesses, a todos os que usam a bandeira dita social para espezinhar a honradez. A melhoria do ser humano compreende um combate em duas frentes – contra a fome e contra a roubalheira. Se não forem simultâneos, serão ineficazes. Isto está na Utopia de Tomás More.

Enganados pelas vassouras de Jânio Quadros e Collor de Melo, agora temos vergonha de pregar uma revolução moral. Por isso, apenas por isso, estamos cada vez mais distantes da revolução social.

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