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Reconheçamos: são melhores, inclusive no cinema, literatura, jornalismo, religião estatal, violações dos direitos humanos – e futebol. Nas esferas da corrupção e descalabros, os escândalos da Petrobras nos garantiam um confortável primeiro lugar quando, de virada, los hermanos exibiram indiscutível superioridade. Lá como cá, a roubalheira tem altas doses de audácia e despudor, porém fomos miseravelmente batidos quando começou a correr sangue.

Na Argentina, malfeitores roubam e matam. Sem eufemismos. Na lata. O assassinato do promotor do Ministério Público Alberto Nisman, no último fim de semana, é prova de um estágio de expertise que estamos longe de alcançar. Também nos níveis da hipocrisia e descaramento das mais altas autoridades do país. As absurdas e contraditórias versões para o crime oferecidas pela própria presidente Cristina Kirchner no seu blog mostram que na chefia do Estado argentino está uma mulher desesperada não apenas com o aumento avassalador das rugas no rostinho bonito, mas principalmente com a sua inexorável e patética obsolescência política.

A manobra para atribuir o assassinato a uma suposta desestabilização do regime orquestrada pelos grandes grupos de mídia, além de estúpida, escancara a sórdida estratégia para desqualificar técnica e moralmente as acusações do experiente promotor argentino de 51 anos. Ao considerar precárias as provas que o defensor do povo coletava havia anos e pretendia apresentar ao Congresso dias depois, os milongueiros da Casa Rosada e do comando peronista tentam desviar as atenções para questões secundárias.

Alberto Nisman não agia isoladamente, representava a Fiscalia (nome do MP em países de fala espanhola) e sua aparição perante o parlamento não era a cartada final, mas o início de um processo judicial para anular supostos acertos da presidente Kirchner com as autoridades iranianas consideradas pela Justiça como responsáveis pelo atentado contra a Associação Mutual Israelita Argentina em Buenos Aires, em 1994, onde morreram 85 cidadãos argentinos.

Muito espertamente, Cristina nomeou como chanceler seu embaixador nos EUA, Héctor Timerman, filho do famoso jornalista Jacobo Timerman, que inicialmente aceitou o golpe militar de 1976 e depois se tornou o principal denunciante da "guerra suja", de triste memória. O mitológico nome de Timerman – assumidamente judeu, como o pai – no comando da diplomacia argentina garantia a determinação de levar às últimas consequências a acusação aos terroristas iranianos. O estratagema gorou: ou porque Timerman foi enganado ou porque se deixou enganar – dá no mesmo. O acordo com o governo de Teerã envolvia enormes vantagens econômicas para a Argentina e, em certas paragens onde os apetites são insaciáveis, vantagens econômicas podem escorregar para algibeiras individuais.

Essa era a convicção de Alberto Nisman. Comprovada a roubalheira, não apenas Cristina, mas também sua família, amigos e a imensa estrutura peronista seriam fatalmente abalados. O promotor público começava a incomodar. Eliminá-lo e, principalmente, desqualificar sua investigação passaram a ser prioridade.

No momento em que o governo do Irã busca apresentar-se ao mundo como interlocutor confiável – e não há a menor dúvida quanto a essa disposição –, a confirmação da negociata e do assassinato de quem a descobriu podem manchar a pretendida imagem de moderação.

Os argentinos se superaram e nos superaram. Assumiram sem constrangimento que na sua história houve uma Década Infame (1930-1943), marcada por quarteladas, fraudes eleitorais e corrupção desenfreada. Insatisfeitos, começam a admitir a Década Infame 2 (os dois mandatos de Carlos Menem, 1989-1999).

Não podemos perdê-los de vista.

Alberto Dines é jornalista.

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