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A Pontifícia Universidade Católica de São Paulo vive um impasse. Desde 12 de novembro, quando o cardeal-arcebispo de São Paulo e grão-chanceler da PUC-SP, dom Odilo Scherer, nomeou Anna Cintra como reitora daquela universidade, tem-se visto inúmeras reações, provenientes tanto da comunidade acadêmica quanto de outros setores da sociedade. Mas não é possível compreender com acuidade o que está acontecendo sem saber que tipo de entendimento atua nos bastidores.

Os queixosos alegam que a Arquidiocese de São Paulo (leia-se, a Igreja Católica), por meio de dom Odilo e da Fundação São Paulo (mantenedora da universidade), estaria desrespeitando a tradição democrática da PUC-SP, bem como a autonomia universitária, por meio de uma ingerência excessiva, ao nomear como reitora a terceira colocada na consulta à comunidade acadêmica. Contudo, longe de serem evidentes e unívocos, os sentidos últimos dos termos que aí aparecem, tal como são compreendidos por aqueles que se opõem à decisão do arcebispo, só desvelam uma certa posição que opera muito mais pelo gozo estético do que pela reflexão.

Ao brandirem como lema a "tradição democrática" da PUC-SP, os revoltosos demonstram ter uma compreensão muito peculiar do que significam estas duas palavras. No seu entender, "tradições" a serem mantidas são aqueles costumes estabelecidos que lhes agradam, como a escolha do primeiro da lista; e "democracia", para esses bravos, significa a submissão às regras estabelecidas pela maioria, contanto que a aplicação destas mesmas regras seja absolutamente consonante com seus desejos. Assim, tal entendimento de "democracia" comporta que se possa mandar às favas inclusive o estatuto ratificado em 2008 pela mesma comunidade universitária e que, no inciso II do art. 43, assevera que compete ao grão-chanceler a escolha do reitor dentre uma lista tríplice. Ora, como pode ferir a democracia o cumprimento de um estatuto acordado por todas as partes?

O que é absolutamente fundamental compreender é o núcleo duro da posição daqueles que veiculam tal discurso. Só se pode assumir tamanho esgarçamento semântico dos termos "tradição" e "democracia" quando se é movido por um gozo estético que anseia viver num perene Maio de 68 e que sonha, não sem certo viés patológico, com uma vida sob um regime despótico só para ter uma revolução para chamar de sua.

É também esse frenesi que nutre uma eclesioclastia, um verdadeiro ódio à Igreja Católica que vê nesta instituição um império maligno e na PUC-SP uma de suas frentes avançadas. Ora, como se sabe, a PUC-SP não apenas é o reduto de movimentos declaradamente "anti-Roma", como as Católicas pelo Direito de Decidir e a Teologia da Libertação, como também já não resta nela praticamente nenhum traço confessional – fora a cruz, que foi quase soterrada por carteiras pelos manifestantes, e a capela, na qual desejam casar muitos dos que hoje se indignam com a presença da Igreja numa universidade pontifícia.

O bem-aventurado cardeal Newman, em seus discursos sobre a ideia de universidade, afirmava que ela deve ser um lugar de ensino de saberes universais e que a difusão e propagação destes saberes, mais que seus avanços, é o seu objetivo. Caso contrário, por que ter alunos? E, se a universidade devesse ser um centro de ensino religioso, por que contar com cadeiras de Literatura ou Ciências? Todo entendimento de democracia e tradição universitárias diferente deste é ideologia que pode se submeter a toda sorte de interesses, exceto aos da Sabedoria que, lembre-se, estampa o brasão da PUC-SP.

Gabriel Ferreira é mestre em Filosofia pela PUC-SP e doutorando na mesma área. Foi visiting scholar na Hong Kierkegaard Library, St. Olaf College, EUA.

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