Todos sabemos como o país mergulhou nesta crise. E todos acompanhamos, estupefatos, as revelações que dia após dia aproximam do cadafalso algumas cabeças coroadas da República, flagradas ou suspeitas de participação em ilícitos constrangedores. E vemos também, consternados, a fragilização e o descrédito a que estão sendo levadas as instituições nacionais, do Congresso à Presidência, e a classe política em geral. Todos percebemos esses fatos, mas poucos já conseguem enxergar com clareza onde estão as portas de saída da crise e a de entrada para uma nova era. Sabe-se, tão somente, que vivemos hoje um momento de virada histórica. As grandes questões que precisam encontrar resposta são: como aproveitar este momento?; como inaugurar a nova etapa?; que futuro queremos para o país?

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A crise que vivemos é mais de fundo moral do que político. Querer resolvê-la simplesmente com mudanças legislativas sem atentar para a recuperação dos primados éticos que devem constituir o substrato da atividade política é tarefa de resultados duvidosos. Ao mesmo tempo, porém, acreditar que de uma hora para outra possa ocorrer uma "conversão" coletiva para o bem e que todos os vícios morais sejam extirpados é outra utopia. Entretanto, resta-nos, no sentido prático, a primeira alternativa – ou seja, é preciso investir profundamente no aperfeiçoamento da legislação para minimizar a infinita repetição de desvios éticos que conspurcam a atividade política e que, adicionalmente, atrasam o país.

Esta preocupação já é motivo de debate entre as lideranças mais esclarecidas, que vêem na presente crise a oportunidade para se pensar na convocação de uma nova Assembléia Nacional Constituinte, destinada a dar ao país uma Carta mais consentânea com a realidade radicalmente nova – nacional e mundial – que nasceu após a promulgação da Constituição Federal de 1988.

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Concordamos com esta idéia, mas, de novo, é preciso lembrar que encontramo-nos diante de uma outra encruzilhada. Uma nova Constituição precisa obrigatoriamente ser elaborada por uma Constituinte que, para ser legítima e representativa dos estamentos sociais, que seus membros sejam eleitos sem os "truques" permitidos pelo malemolente sistema político-partidário atualmente vigente. Eleger uma Assembléia Constituinte sob as regras atuais é uma temeridade que precisa ser evitada.

É indispensável que, antes, se cumpra a premissa de formular uma reforma política à altura das exigências de resguardo dos padrões morais, da representatividade federativa e do espectro político-ideológico. Isto é o mínimo que se pode esperar do atual Congresso Nacional. Embora estigmatizado pela desconfiança popular e constituído por uma considerável parcela de parlamentares eleitos sob métodos viciados, este Congresso tem o dever de legar à sociedade brasileira uma legislação eleitoral que coíba ao máximo as possibilidades de acesso ao mandato legislativo a candidatos não comprometidos com o verdadeiro interesse público.

Trata-se de uma tarefa urgente, a ser cumprida no máximo até 30 de setembro próximo – data final para que as novas regras possam presidir as eleições gerais de 2006. Entendemos que a efervescência do momento dificulta sobremaneira a intenção de elaborar a reforma política – mas sem ela não há salvação. Não é justo impor à sociedade brasileira a continuidade do estado de desconfiança que devota às instituições democráticas nacionais.

A partir desta nova realidade, sim, o país precisará mergulhar com a mais absoluta prioridade na missão de edificar uma nova Constituição, mais adequada aos tempos modernos – bem diferentes daqueles que inspiraram os constituintes de 1988.