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Para especialista, recuperação dos conteúdos atrasados na rede pública de ensino só deve acontecer em 2025.
Para especialista, recuperação dos conteúdos atrasados na rede pública de ensino só deve acontecer em 2025.| Foto: Jonathan Campos/Arquivo/Gazeta do Povo

Em 20 de março de 2020 o Paraná tinha apenas 36 casos confirmados de Covid-19. Apesar de o estado até então não ter registrado nenhuma morte por infecção do novo coronavírus, o governo decidiu fechar as escolas para as aulas presenciais como forma de prevenir o contágio da doença. Mas, se no ano passado as restrições foram aplicadas igualmente aos alunos das redes pública e particular de ensino, a mais recente ação do governador Carlos Massa Ratinho Júnior (PSD) manteve fechadas as escolas da rede estadual, enquanto os alunos das escolas privadas foram liberados para frequentar as aulas, mesmo que de forma escalonada.

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A medida foi tomada no último dia 12, depois da edição de um decreto que estabelecia, entre outros pontos, a volta às aulas presenciais no modelo híbrido. Em princípio, os estudantes da rede pública de ensino retornariam às escolas no dia 15 de março. Houve um adiamento, e uma nova data ainda não foi anunciada pelo governo do Estado.

Na avaliação do educador e ex-servidor da Secretaria Estadual de Educação Renato Casagrande, manter os estudantes da rede pública longe das salas de aula vai agravar ainda mais as já existentes desigualdades entre esse público e os alunos das escolas particulares do Paraná.

“A pandemia mostrou essa diferença das condições que muitos alunos nas escolas particulares têm com relação à escola pública. A começar pelos recursos que a família tem, acesso à internet, à tecnologia disponível, comparado com o aluno médio das escolas públicas. Muitas escolas e muitos professores da rede pública também não têm acesso a toda essa tecnologia. Então, além das famílias das crianças não apresentarem todas essas condições favoráveis, muitos professores não têm um equipamento adequado, muitas escolas não estão preparadas adequadamente para o ensino remoto. Isso já vem do ano passado. Neste ano, com a volta das atividades presenciais na rede privada, mesmo que de forma híbrida, claro que as discrepâncias se ampliaram. Não é risco, já é um fato”, disse.

Quando o anúncio do adiamento do retorno às aulas presenciais na rede pública foi feito, o secretário estadual de Educação e Esporte, Renato Feder, garantiu que o Paraná tinha estrutura para receber os estudantes, ainda que fosse de forma parcial. “Estávamos preparados para o retorno. No entanto, em conversa com os diretores e chefes dos núcleos regionais de educação, entendemos que não é o melhor momento de reabrir, nesse ápice da pandemia”, explicou, em entrevista à RPC.

Casagrande trabalhou na secretaria entre os anos de 1986 e 2000 exercendo funções como assessor e chefe dos departamentos da Educação Profissional e de Ensino Médio. Para ele, a liberação das aulas presenciais apenas para as escolas particulares é um sinal de que a rede pública pode estar enfrentando problemas de infraestrutura.

“O governo do Estado, ao não permitir que haja aulas presenciais nas escolas públicas, está agindo muito mais como mantenedor de um sistema, e entregando, de fato, que as escolas públicas não estão em condições. Se ele permite a abertura e a presença de estudantes nas escolas particulares, ele está declarando então, de fato, que a escola particular está em melhores condições do que ele como mantenedor do sistema público. Não estou dizendo que o governo não deveria adotar essa medida. Ele usou bom senso ao analisar a própria estrutura das escolas”, avaliou.

O educador elenca a resistência de parte dos professores e do sindicato que os representa como outro entrave para o retorno célere das atividades presenciais nas escolas da rede pública. “Você não vê esse movimento muito forte nas escolas particulares”, observou Casagrande. Para ele, o momento delicado exigiria uma participação muito maior da comunidade escolar, já que há muito trabalho ainda a ser feito nas escolas públicas.

“Imagine os professores retornando apenas parcialmente. A escola pública já tem uma defasagem em termos de estrutura física, material e humana. Se nós tivermos um movimento, pequeno que seja, de professores se recusando a voltar, somado àqueles que tenham alguma comorbidade ou façam parte de grupo de risco, vamos ter uma estrutura extremamente fragilizada para receber esses alunos. Teríamos que aumentar o quadro de apoio, porque nós temos todas as medidas de higiene e saúde para serem adotadas”, ponderou.

Casagrande lembrou que apenas 15% dos estudantes do estado estão matriculados na rede particular de ensino. É natural, disse o educador, que o retorno às salas de aula desses alunos não provoque tumultos ou aglomerações “porque essa parcela é muito menor”. Por permitirem o contato direto e presencial entre estudantes e professores, as escolas particulares estariam com mais uma vantagem: diagnosticar os problemas de aprendizado entre os alunos para corrigir a rota de trabalho dos professores.

“Tudo isso permite à rede privada um replanejamento para 2021, o que na escola pública até hoje não houve. Os professores da rede pública não sabem ainda o nível do aprendizado dos alunos no ano passado, os prejuízos que essas crianças tiveram, tanto cognitivos quanto emocionais. As escolas particulares já sabem, e têm plano B, plano C. Mesmo agora em Curitiba, com as medidas restritivas, as escolas particulares têm planos para o ensino remoto e para o ensino híbrido quando for possível a volta. Elas estão muito à frente, infelizmente, com relação às escolas públicas. Não acho, de forma nenhuma, que as escolas particulares devam estar paradas. O problema é que a escola pública não está preparada para esse enfrentamento como deveria”, comentou.

Vulnerabilidades

Uma saída para tentar diminuir essa distância entre as duas redes de ensino, explicou Casagrande, seria a adoção de um método híbrido diferente da abordagem proposta pela Secretaria de Educação. Os alunos ainda seriam divididos em grupos, parte para assistir às aulas presencialmente nas escolas, parte em casa acompanhando os conteúdos pela internet. Mas um critério claro e objetivo teria que ser usado para determinar os dois grupos: a condição de vulnerabilidade desses estudantes.

“Vai para a escola, quanto mais dias melhor, a criança que está em situação de mais vulnerabilidade. Aquelas que não têm acesso à internet em casa, que não têm apoio da família, que não conseguem estudar sozinhas. Estas precisam de um apoio mais direto da escola. As outras, com mais estrutura familiar e tecnológica, permaneceriam 100% no modelo remoto. E não é por dois, três meses não, é durante todo o ano. O ano de 2021 deveria ser assim: vai à escola pública quem tem realmente essa necessidade e fica em casa a criança que tem estrutura e condições para estudar com a família. O sistema de educação precisa mapear e identificar quem é quem. Isso já deveria ter sido feito. Se não foi feito, é um erro. Não é uma coisa nova, estamos em pandemia desde o ano passado”, comentou.

Ele afirma ter identificado por parte da Secretaria Estadual de Educação um “movimento muito forte” pela volta às aulas, o que creditou como positivo. Mas, lembra o educador, tal movimento foi feito “em um momento em que não tínhamos a noção da gravidade e da crise na qual entraríamos”. Casagrande reconheceu o esforço do governo em readequar a estrutura das escolas, citando o fato de Feder ser um “defensor da tecnologia”, o que permitiu que “fôssemos um dos primeiros estados a implantar o sistema remoto de ensino”.

“Tudo isso foi feito”, disse o educador, “e mesmo assim o secretário identificou no Paraná um dos maiores índices de evasão escolar de todos os tempos. Com tudo o que foi feito, ainda estamos muito aquém do que precisaríamos para dizer que está ocorrendo uma aprendizagem efetiva, que as crianças estão realmente aprendendo”.

Mais quatro anos

Boa parte dos estudantes da rede pública foi promovida quase que de forma automática, aponta Casagrande, independentemente de assimilarem ou não o conteúdo apresentado nas aulas. Como consequência, parte das matérias do ano passado terão de ser revistas em 2021. E assim sucessivamente nos anos seguintes, até que essa defasagem seja superada. Para o educador, é algo que, mesmo no melhor dos cenários, ainda vai levar um bom tempo.

“Raros foram os casos de retenção de alunos. Quem não desistiu foi promovido. Esses alunos estão com uma defasagem enorme em relação ao que teriam que ter aprendido no ano passado e ainda têm que aprender todo o conteúdo deste ano. Se nós conseguirmos em 2022 voltar a uma quase normalidade, imaginando que os professores foram todos vacinados e que nós tenhamos uma presencialidade, seriam ainda mais três ou quatro anos para regularizar essa situação”, estimou.

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