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Sergio Moro
Gastos com segurança é um pontos de atrito na análise dos juízes do TRE-PR| Foto: Marcelo Camargo/Agência Brasil

O início do julgamento do senador Sergio Moro (União-PR) no Tribunal Regional Eleitoral do Paraná (TRE-PR) foi marcado nesta semana pela divergência de votos com interpretações antagônicas sobre os gastos na pré-campanha eleitoral, alvo da denúncia por suposto abuso de poder econômico proposta pelo PL e pela Federação PT-PV e PCdoB. Muito além do cenário político, o caso Moro expõe a falta de normativas e parâmetros da Justiça Eleitoral para análise dos episódios envolvendo o uso dos recursos públicos provenientes do fundo partidário no período de pré-campanha.

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O único consenso entre desembargadores, advogados e os especialistas em direito eleitoral ouvidos pela Gazeta do Povo é a complexidade do caso Moro, que percorreu o caminho de pré-candidato à Presidência pelo Podemos a candidato ao Senado no Paraná pelo União Brasil. A trajetória do ex-juiz da Lava Jato, sem precedente na Justiça Eleitoral, também provoca divergências na avaliação dos desembargadores eleitorais para tomar a cassação da ex-senadora Selma Arruda, em 2019, como jurisprudência no julgamento no TRE-PR.

Na avaliação da advogada eleitoralista e professora Juliana Bertholdi, o tema é uma “zona cinzenta” na legislação e também um campo de disputa do ponto de vista acadêmico e também na prática jurídica. Ela lembra que a dificuldade é uma consequência das mudanças nas campanhas impostas pela Justiça Eleitoral, que diminuiu o período e limitou as ações de campanha.

“Antigamente, o candidato tinha 90 dias com muro pintado, camisetas, entregas de brindes e ‘showmícios’ em uma campanha muito intensa, longa e com fôlego. À época, a discussão sobre pré-campanha não existia de forma alguma”, afirma a especialista ao ressaltar que o investimento massivo era concentrado na campanha com restrição no período inicial.

A partir do momento em que o período de propaganda eleitoral é reduzido, existe a necessidade dos candidatos se apresentarem antes do início da campanha, principalmente quando o concorrente não possui ainda um cargo público. Neste ano, a propaganda eleitoral começa em 16 de agosto, menos de dois meses antes do dia de votação no primeiro turno das eleições municipais. “Por isso, a gente começa a ter, não na lei ou na doutrina, mas faticamente a figura do pré-candidato. Com isso passa a ter uma regulamentação da pré-campanha, que olha muito para o que é permitido fazer ou não e o que pode configurar propaganda extemporânea ou antecipada”, comenta.

Bertholdi explica que a regulamentação é voltada para ação do candidato, como a proibição de pedir voto durante a pré-campanha, mas as contas eleitorais do período não foram contempladas pela normatização.

“A partir do caso Selma Arruda, que é um precedente importante, é que se passa a se preocupar com os gastos de pré-campanha. É evidente que por mais que seja modesta, o partido vai ter custo para pagamento de designer que vai fazer o material para redes sociais, com viagens se é uma campanha estadual ou nacional e com outros serviços. Tudo isso passou a ser visto de maneira mais detalhada a partir do caso Selma Arruda, que quase configura um caixa 2. Ou seja, um gasto na pré-campanha para não contar no período de campanha”, analisa.

A advogada pondera que no processo de cassação da ex-senadora não havia a complexidade do caso Moro, principalmente pelo fato do ex-juiz da Lava Jato iniciar a pré-campanha como presidenciável e disputar as eleições ao Senado paranaense após a tentativa de troca de domicílio eleitoral para São Paulo. “Não temos essa regulação na legislação e temos esse precedente. Mas no caso como do Moro em que ele navegou por cargos diferentes, qual o parâmetro? Da Presidência, do Senado de São Paulo ou do Paraná ou um mix das porcentagem dos tetos de gastos? É um caso muito singular.”

Questionada sobre a normatização de um percentual pré-estabelecido pela Justiça Eleitoral para regulamentar o montante para pré-campanha, Bertholdi avalia que a definição de valor ou data na legislação não foi realizada pois gera distorções, dependendo da realidade de cada pleito no país.

Ela exemplifica que uma candidatura municipal com teto de R$ 100 mil teria o valor máximo de R$ 10 mil para gastar com combustível, redes sociais e outras despesas no período de pré-campanha, o que poderia inviabilizar a candidatura se fosse estipulado 10% de teto como regra. “Não consigo visualizar uma solução normativa e como isso poderia aplacar essas distorções técnicas”, frisa.

“Os desafios surgem não só com as mudanças normativas mas com as mudanças sociais. A partir do momento que temos as redes sociais no jogo muda completamente a estrutura de uma campanha. Então, as complexidades não surgem apenas de alterações normativas mas também das mudanças na dinâmica político-social. Todos os anos, os tribunais responsáveis pelas eleições têm novos desafios imprevisíveis há 10 anos”, completa.

Caso Moro pode servir como baliza para dar um “pouco de segurança jurídica”

O presidente do Instituto Paranaense de Direito Eleitoral (Iprade), Paulo Henrique Golambiuk, afirma que o julgamento do senador Sergio Moro será importante para esclarecer a nebulosidade em torno dos gastos de pré-campanha. Ele recorda que durante as sessões no TRE-PR, realizadas na última segunda (1º) e na quarta-feira (3º), foi citado o parecer da consultoria jurídica da campanha de Moro que apontou o teto de 30% para os recursos destinados ao período de pré-campanha, número que não tem base legal ou até mesmo jurisprudencial.

“Para extrair esse número, esse percentual, de uma forma muito objetiva, não existem muitos caminhos de fato. É esse o problema que a gente vê durante os debates do caso Moro, seja pelos advogados, Ministério Público Eleitoral ou pelos próprios votos dos desembargadores”, ressalta.

Apesar do consenso que não se pode ocorrer gastos exagerados que desequilibre as oportunidades de paridade de armas com oponentes, não existe um regramento na legislação, o que provoca insegurança jurídica com os gastos de pré-campanha. “É justamente no precedente Moro, que talvez, tenhamos o mínimo de segurança jurídica em termos numéricos. Até quanto eu posso gastar, de acordo com o cargo que eu pretendo concorrer e de acordo com circunscrição que eu pretendo concorrer? Essa é a expectativa”, adianta.

No entanto, ele pondera que ainda é necessário o julgamento de Moro no Tribunal Superior Eleitoral (TSE) para que as diretrizes sobre o tema fiquem mais claras para os candidatos nas próximas eleições de 2024 e 2026.

“A circunstância daquilo é pré-campanha para um cargo e o que é campanha propriamente dita para outro também deve ter fixada uma premissa, uma baliza ou um parâmetro um pouco mais objetivo para que os pré-candidatos e futuros candidatos possam se preocupar. Mas isso, só vamos saber com o desfecho do julgamento no TSE. Até lá, continuamos no escuro, apesar do resultado no Paraná. Seguimos em uma zona insegura e movediça para saber o que se pode ou não gastar em uma pré-campanha.”

Defesa de Moro diz que voto de Sade abre precedente de segurança “gravíssimo”

O desembargador eleitoral José Rodrigo Sade discordou do parecer do relator Luciano Carrasco Falavinha Souza de que os elevados gastos com segurança seriam indiferentes nas eleições. Para ele, os quase “R$ 600 mil de dinheiro público” acabou viabilizando a pré-campanha, “benefício esse que os demais candidatos não tiveram, daí o evidente desequilíbrio”.

O advogado de defesa do senador Sergio Moro, Gustavo Guedes, alega que os futuros candidatos ameaçados de morte teriam que escolher entre as opções “serei morto” ou “serei candidato”, se a tese for aceita pela Justiça Eleitoral. “Evidentemente, todo o valor de segurança, especialmente em uma pré-campanha, se for somado depois da candidatura, isso inviabiliza”.

Segundo Guedes, os gastos com segurança podem ser pagos com recursos públicos do fundo partidário para afiliados ameaçados, caso contrário, o argumento do desembargador pode abrir um precedente perigoso.

“É um precedente gravíssimo. Não se amolda a polarização e a atual política no Brasil. Há 20 anos, talvez, esse precedente valesse. Atualmente, com o nível de polarização e com o nível de insegurança ameaçando os dois lados, me parece que não cabe na atual conjuntura brasileira, considerar o gasto de segurança na campanha sob pena de termos tragédias envolvendo a democracia brasileira”, rebate.

Na avaliação dele, não se pode criar uma “jurisprudência de ocasião” no caso Moro, quando não se tem estabelecido os gastos com pré-campanha.

Advogado do PL esperava divisão de opiniões no caso Moro

O advogado do PL Bruno Cristaldi afirma que já esperava que houvesse um voto divergente por conta da complexidade do caso Moro. Ele destaca que concorda com a análise do desembargador Sade de que os gastos estruturais são considerados gastos de campanha, mesmo que não tragam votos diretamente.

“Os gastos acessórios, como de segurança, de transporte e de comunicação, são gastos de uma campanha, são despesas dos candidatos voltados para a eleição. Não tem porque dizer que o gasto com segurança ou transporte, por não ser diretamente ligado a trazer um voto, não é considerado um gasto eleitoral”, argumenta.

O advogado da Federação Brasil da Esperança, encabeçada pelo PT, Luiz Eduardo Peccinin afirma que o ponto divergente foi importante para “superar algumas verdades que se pareciam absolutas no voto do relator”. “Por exemplo, dizer que seria necessário comprovar que o salmão comprado com o dinheiro do fundo partidário se converteu em algum voto em benefício do senador. Isso não é necessário”, critica.

"Estamos falando de uma gigantesca quantia de dinheiro de fundo partidário de recursos públicos que, naturalmente e claramente, se deu no contexto de pré-campanha para impulsionar a figura pública do senador, independentemente do cargo que ele disputava”, complementa.

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