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Cirurgia eletiva em Curitiba é nova discórdia entre governo e prefeitura na pandemia
| Foto: Henry Milléo/Gazeta do Povo/Arquivo

A decisão de Curitiba de autorizar a volta de cirurgias eletivas - aquelas em que se o paciente não fizer não corre risco de morrer, mas cujo quadro pode se agravar conforme a demora - abriu um novo embate entre a prefeitura e o governo do Paraná na pandemia de coronavírus.

Enquanto que o decreto municipal 1.070/2021 com validade até 7 de julho autoriza esse tipo de procedimento na capital, a resolução 587/2021 da Secretaria Estadual de Saúde (Sesa) prorroga até 15 de julho a suspensão das cirurgias eletivas para reservar leitos e insumos para o tratamento da Covid-19, principalmente medicamentos para intubação de pacientes na UTI, que estão em falta no mercado.

Há duas semanas, prefeitura e governo já haviam trocado farpas sobre a quantidade de vacinas de Covid-19 enviadas a Curitiba. A capital reclamou estar recebendo proporcionalmente menos doses do que outros municípios e considerou a meta do estado de vacinar toda a população adulta até setembro de ter "mais político do que técnico". Já o governo respondeu não haver nada de errado no envio das vacinas - o que foi corroborado nessa semana em análise do Tribunal de Contas do Estado (TCE) - além de considerar a reclamação de Curitiba sobre as doses como "desleal e irresponsável".

Por se tratar de uma resolução estadual, os municípios têm autonomia de acatar ou não a decisão de fazer cirurgias eletivas. Entretanto, o secretário estadual de Saúde, Beto Preto, critica a decisão de Curitiba pelo momento preocupante nos hospitais de todo o estado, que ainda têm dificuldade de manter os estoques de sedativos e bloqueadores neuromusculares de UTI, já que a indústria farmacêutica não consegue atender a alta demanda diante dos leitos de Covid-19 lotados.

"A Sesa fornece kit intubação para 73 hospitais do estado, entre eles, seis da capital. Se Curitiba liberou cirurgias eletivas é porque deve ter um bom estoque. Então poderiam nos liberar desse envio para Curitiba para reforçarmos o fornecimento em hospitais que realmente estão precisando", enfatiza Beto Preto, citando o caso do principal sedativo para estabilizar pacientes em leitos intensivos, cujo estoque da Sesa para todo o Paraná é para apenas sete dias. "Ao meu ver, Curitiba tomou uma decisão errada ao liberar as cirurgias eletivas. Na nossa visão, ainda não é o momento", prossegue Beto Preto.

Mesmo sendo procedimentos de baixo risco, o paciente de cirurgia eletiva pode se agravar durante ou após a intervenção médica, precisando ser internado em UTI. Além disso, dependendo da cirurgia, há necessidade de aplicação dos mesmos anestésicos usados nas UTIs. Por isso, reforça Beto Preto, desde 2020 o estado e as próprias prefeituras vêm suspendendo as cirurgias eletivas para que os estoques de medicamentos para tratamento de Covid-19 e de outros casos emergenciais não zerem.

"Curitiba tem gestão plena no SUS, tem autonomia, mas, na minha opinião, todas as decisões neste momento deveriam ser isonômicas. Deveríamos todos andar de mãos dadas. Não dá para se tomar decisão como se fosse uma cidade-estado", reforça o secretário estadual sobre a liberação das cirurgias eletivas na capital.

O cenário permite

A secretária municipal de Saúde de Curitiba, Márcia Huçulak, garante que o cenário atual da pandemia permite uma janela para desafogar a fila de cirurgias eletivas, que cresce a cada dia, já que a capital está sem realizar esse tipo de procedimento desde a bandeira vermelha de março. "A liberação foi muito bem avaliada tanto na rede pública, quanto na rede privada de hospitais de Curitiba. Tanto que a decisão foi por unanimidade no nosso Comitê da Pandemia", enfatiza a secretária municipal.

De acordo com o boletim epidemiológico de quarta-feira (30), a rede SUS de Curitiba está com ocupação de 69% das vagas de enfermaria de Covid-19, com 230 leitos disponíveis. Já os leitos de UTI SUS da doença estaão com 93% de ocupação, com 41 leitos livres. Já na rede particular, cita a secretária municipal, a capital está com 87% de ocupação das UTIs e de 50% nos leitos de enfermaria exclusivos de Covid-19.

Além disso, enfatiza Márcia Huçulak, a própria prefeitura e os hospitais particulares começaram a receber nos últimos dias encomendas de kits intubações importados, cujas ordens de compra foram expedidas há mais de um mês.

"Se há leitos disponíveis nos hospitais e a condição não impacta tanto nos estoques de medicamentos, por que não operar? Por que não acabar com o sofrimento das pessoas e liberar a fila nos hospitais. Um caso de hérnia, por exemplo, pode estrangular e se tornar um caso grave se não for feita a cirurgia eletiva", defende Márcia Huçulak.

A secretária municipal enfatiza que a decisão de autorizar as cirurgias eletivas partiu não só de uma avaliação da rede municipal, mas também dos hospitais particulares. "Eu sempre converso com os diretores dos hospitais na véspera da reunião para decidir prorrogação ou mudança de bandeira. E dessa vez todos me garantiram que a situação permite essa flexibilização, que não vai atrapalhar o atendimento dos pacientes de Covid", afirma Márcia Huçulak. "Só um hospital com quem conversei me disse que está com ocupação de apenas 23% na enfermaria Covid", complementa.

Márcia Huçulak lembra ainda que os hospitais geridos pelo município - Idoso e Vitória - vão continuar atendendo apenas Covid-19, sem fazer cirurgias eletivas. Já os outros hospitais que têm parceria com a prefeitura vão adaptar suas estruturas para conseguir reduzir a fila de procedimentos eletivos.

É o caso da Santa Casa de Misericórdia, que para liberar os leitos para cirurgias vai transferir todos os pacientes com coronavírus para o Instituto de Medicina, no bairro Alto da XV. O instituto foi reaberto em 2020 pela prefeitura, com manutenção municipal e gestão da Santa Casa, justamente para atender exclusivamente pacientes da pandemia.

A representante da prefeitura também enfatiza que quem fornece a maior parte dos kits de intubação é o governo federal. Que, assim como no caso das vacinas, o governo estadual só distribui os medicamentos. "Além disso, no caso dos hospitais particulares, são suas próprias administrações que compram seus estoques, não é do governo", conclui a secretária.

Fila cada dia maior

Desde o inicio da pandemia, a fila de cirurgias eletivas aumenta a cada dia em todo o Paraná. O governo do estado calcula que serão necessários três anos só para zerar a espera atual - em janeiro, esse cálculo para acabar com as filas era de dois anos, baseada só na demanda que não foi atendida em 2020.

Há uma semana, médicos do Hospital de Clínicas (HC) de Curitiba, maior complexo hospitalar do estado que é gerido pela Universidade Federal do Paraná (UFPR), relataram à Gazeta do Povo preocupação com o avanço da Covid-19 para leitos de outras doenças. Só um procedimento cirúrgico eletivo que tinha em média fila de 300 pacientes antes da pandemia mais do que dobrou, com 700 pessoas na espera.

Outro procedimento do mesmo setor, que o HC realizava em média entre 80 e 100 vezes por ano antes do coronavírus, agora está com fila de 450 pacientes. “Nesse caso, o hospital levaria mais de quatro anos para zerar a fila atual, que não para de crescer. Só que o quadro clínico de muitos desses pacientes não permite esperar esses quatro anos”, lamenta um dos médicos do Hospital de Clínicas ouvidos pela reportagem que preferiu não se identificar.

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