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Comando Tripartite foca no enfrentamento ao crime organizado entre Brasil, Paraguai e Argentina.
Comando Tripartite foca no enfrentamento ao crime organizado na fronteira entre Brasil, Paraguai e Argentina.| Foto: Divulgação/Polícia Federal

Após quatro meses, o Brasil encerra neste janeiro a presidência pró-tempore do Comando Tripartite. A cooperação jurídica internacional ativa há 28 anos atua no mapeamento, controle e combate a crimes e transgressões na tríplice fronteira entre Brasil, Paraguai e Argentina, região foco para os negócios ilegais de facções brasileiras e outras com atuação no continente, além de células terroristas internacionais.

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O programa integrado específico para atuação nos quase 17 mil quilômetros de fronteira com o Brasil é composto por representantes da segurança pública de esferas municipais, estaduais e federais. Mensalmente, reuniões acontecem em Foz do Iguaçu (Brasil), Porto Iguaçu (Argentina) ou Cidade do Leste (Paraguai).

O compartilhamento instantâneo de informações é constante, na tentativa de agilizar localização de criminosos, identificação de ações ilegais, expulsões e extradições. Na mira do Comando Tripartite estão facções transnacionais do crime organizado e terroristas que vivem e mantêm negócios na região de fronteira. Em novembro de 2023, em meio ao auge dos confrontos entre Israel e o grupo terrorista Hamas, no Oriente Médio, a reunião sigilosa das forças de segurança tratou especificamente deste tema.

Investigações indicam que relevantes financiadores do Hamas e do Hezbollah vivem na região e enviam remessas mensais milionárias a esses núcleos mundo afora.

Para além dessa atuação, expulsões e extradições estão no topo da lista das ações do Comando Tripartite. Segundo a Polícia Nacional paraguaia, de janeiro a outubro de 2023 foram expulsos de lá 42 criminosos (41 brasileiros e um argentino). As prisões em território paraguaio ocorreram, quase que na totalidade, a partir da parceria da Polícia Nacional com órgãos policiais, tendo o Comando Tripartite liderado as ações, seguido pela Interpol.

Os expulsos eram procurados por crimes - muitos já condenados - como tráfico de drogas e de armas; roubos e furtos; homicídios e tentativas de homicídios; estupros e crimes sexuais.

Na lista dos extraditados a partir do Comando Tripartite em 2022 também estiveram os brasileiros procurados pela justiça que estavam vivendo no país vizinho após participação nos protestos do 8 de janeiro de 2023, em Brasília (DF). “Talvez as extradições e expulsões sejam as ações que dão mais visibilidade ao Comando Tripartite, mas vão além. Desde o início da atuação se produz informação e material que podem ser utilizados em juízo em diversas áreas. Tudo que vem do Comando Tripartite é fruto de cooperação internacional e não são necessários novos pedidos para inserção de documentos vindos dali para fins judiciais”, explica o presidente temporário do Comando Tripartite, delegado da Polícia Federal (PF) Marco Smith.

Bem-sucedido há 28 anos, Comando Tripartite nunca foi replicado em outras áreas de fronteira

O Comando Tripartite Brasil, Paraguai e Argentina foi criado em 1996 por iniciativa do governo federal brasileiro a partir do ministro da Justiça da época, Nelson Jobim, na gestão de Fernando Henrique Cardoso (PSDB).

O projeto nunca foi replicado em outras áreas dos quase 17 mil quilômetros de fronteira do Brasil, mesmo com ações contínuas, reuniões mensais e trocas diárias de centenas de informações com resultados técnicos. O Ministério da Justiça não justifica a não ampliação do programa.

O Comando Tripartite não conta com dotação orçamentária própria nem sede física, exigindo a adequação das próprias polícias para reuniões e operacionalização das ações. “Não temos uma sede própria e isso traz vantagens e desvantagens. Entre as vantagens está a celeridade pelas movimentações eletrônicas. Por outro, se perde o contato com os agentes”, pontua o delegado da PF. No último ano houve troca de informações em mais de 2 mil documentos envolvendo os mais diversos crimes e irregularidades.

Um sistema similar vem sendo estudado na região de Guaíra (PR), também na fronteira com o Paraguai, com a cidade de Salto Del Guaíra, considerada uma das rotas mais visadas por traficantes e contrabandistas.

Novo protocolo para crimes antigos

Enquanto o Comando Bipartite de Guaíra não sai do papel, o de Foz do Iguaçu, Cidade do Leste e Porto Iguaçu trabalha na elaboração de um novo protocolo. A cada cinco anos há renovação de portarias interministeriais com a inclusão de eixos temáticos.

Desta vez, são casos antigos, mas ainda não incorporados: roubo e contrabando de veículos. Na região de fronteira veículos são roubados ou furtados a serviço do tráfico e contrabando. Informações sobre esses casos passarão a compor e serão monitorados instantaneamente pelo sistema compartilhado.

O banco de dados integrado do Comando Tripartite permite controle de migração e combate à lavagem de dinheiro, à evasão de divisas, ao tráfico de drogas, além de investigação sobre financiamento ao terrorismo, tráfico e contrabando de pessoas, crimes ambientais, cibercrimes e temas correlacionados.

Cooperação diante da limitação territorial do Judiciário

Os pesquisadores Thiago Pelegrinelli Engelage e Wagner Oliveira Pereira Junior, do Centro de Ciências Sociais Aplicadas da Universidade Estadual do Oeste do Paraná (Unioeste), publicaram em 2022 uma pesquisa denominada: Trabalho integrado das polícias na tríplice fronteira Brasil, Argentina e Paraguai como medida de cooperação jurídica internacional criminal.

Eles avaliaram que o Estado precisa desenvolver métodos eficazes, com auxílio mútuo da comunidade internacional, para alcançar bens e pessoas que não estejam sob sua jurisdição, “nos termos do Manual de Cooperação Jurídica Internacional e Recuperação de Ativos”. Um dos métodos, avaliam, é a cooperação jurídica internacional, “entendida como intercâmbio internacional para o cumprimento extraterritorial de medidas demandadas pelo Poder Judiciário de outro Estado”.

Os pesquisadores pontuam a necessidade tendo em vista que o Poder Judiciário sofre uma limitação territorial de jurisdição – atributo por excelência da soberania do Estado, "e precisa pedir ao Poder Judiciário de outro Estado que o auxilie nos casos em que suas necessidades transbordam de suas fronteiras para as daquele”.

Eles consideram que diante de diversas legislações e organizações internacionais, são necessários órgãos competentes de comunicações e trocas constantes de informações para cumprimento e requisições de inúmeras provisões decorrentes de tentativas de cooperação jurídica internacional. “Conclui-se que o Comando Tripartite é um novo mecanismo de cooperação, que, embora não previsto na legislação infraconstitucional nacional, está de acordo com os ditames constitucionais, com o intuito de fiscalizar, prevenir e reprimir delitos, embora ainda esbarre em obstáculos burocráticos”.

Enquanto no Brasil a cooperação jurídica internacional é regulamentada pelo Código de Processo Civil, no Paraguai e Argentina há pleitos que independem de apreciação judicial, precisando, somente, de análise pela autoridade central, no caso presidenciais.

“Além disso, fronteira é o limite de um Estado, sendo uma zona cinzenta onde termina um território soberano e inicia outro. Por isso, bem como em virtude da frágil fiscalização e das lacunas jurídicas, crimes transfronteiriços são comumente praticados. Para resolver esses delitos que possuem efeitos em mais de um Estado, a cooperação jurídica internacional é fundamental, vez que garante o direito humano fundamental à segurança pública. Especificamente na região da tríplice fronteira, nota-se que a cooperação policial entre referidos Estados decorre principalmente de tratado internacional, como aquele que deu origem ao Mercosul”, argumentam.

Apesar da versatilidade, os pesquisadores consideram que ações podem esbarrar em adversidades burocráticas, como a distância logística com a capital federal, Brasília, e a necessidade de permissão para agentes brasileiros circularem em ações de enfrentamento ao crime na região de fronteira.

“A imprescindibilidade de se obter autorização para que policiais se desloquem pela fronteira nacional, inclusive mediante necessidade de publicação no Diário Oficial. Essa espera pode atrapalhar as diligências policiais, as quais, muitas vezes, já não mais serão necessárias devido à rapidez do cometimento de delitos e da fuga de seus (co)autores nas fronteiras, bem como quando o Estado vizinho precisa de assistência imediata. Aponta-se como uma possível solução para o problema a alteração legislativa para que alguns policiais possuam uma prévia habilitação para atuarem em região de fronteira, sendo desnecessário pedir autorização dos órgãos centrais de poder para cruzar a fronteira nacional em persecução policial e para prática de diligências.”

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