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Falta de transparência

LGPD vira desculpa para Judiciário esconder supersalários de magistrados

LGPD: legislação é usada como justificativa em resposta a pedidos de informações públicas
Reportagem teve pedido de informação negado pelo TJ-PR. (Foto: Imagem criada utilizando ChatGPT/Gazeta do Povo)

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Além de a sociedade brasileira contestar os supersalários dos desembargadores nos Tribunais de Justiça estaduais, o acesso aos dados de benefícios e vantagens pagas aos magistrados ainda é um obstáculo para a plena transparência. Os "penduricalhos", que turbinam a folha de pagamento do Judiciário e driblam o limite imposto pelo teto de gasto, são considerados como “dados sensíveis” dos servidores na visão de algumas Cortes, o que possibilita a negativa de pedido de informações com base na Lei Geral de Proteção de Dados (LGPD).

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O Tribunal de Justiça do Paraná (TJ-PR) negou o pedido de informação protocolado pela reportagem da Gazeta do Povo, que pediu acesso aos dados com nome dos desembargadores, salários (subsídios), vantagens pessoais, indenizações, vantagens eventuais, gratificações, retenção do teto constitucional e rendimento líquido, em formato aberto (planilha), para levantamento do montante pago em "penduricalhos" entre janeiro e dezembro do ano passado. 

O pedido de informações em formato aberto é garantido pela Lei de Acesso à Informação (LAI) e se justifica pela otimização do monitoramento dos dados para o controle social. O TJ-PR alega que os dados já estão disponíveis no Portal Transparência, mas não possibilita o download em formato aberto, por exemplo em planilha do Microsoft Excel.

“Embora a LGPD promova a transparência, ela o faz em conjunto com a proteção dos dados pessoais. A divulgação de dados brutos e detalhados pode conflitar com a proteção da privacidade”, argumenta o parecer da consultoria jurídica do TJ-PR.

Ainda segundo o documento, a folha de pagamento contém uma série de dados pessoais que “merecem especial atenção e proteção sob a ótica da LGPD”, e que o pedido de informação ultrapassa os “limites do que é estritamente necessário para o controle público e adentrando em aspectos da vida privada” dos magistrados. O parecer cita, como exemplo, dados de contas bancárias, demonstrativo de plano de saúde e comprovantes de outros benefícios, o que não foi requerido no pedido de informação.

“Sem adentrar à matéria da Lei Federal nº 12.527/2011 (Lei de Acesso à Informação), o fornecimento da folha de pagamento nos moldes detalhados e em formato aberto, conforme solicitado, pode violar a LGPD”, reforça o parecer do TJ-PR, que embasou a negativa. 

Entre janeiro e outubro do ano passado, o TJ-PR pagou R$ 1 bilhão em “vantagens eventuais” aos magistrados entre janeiro e outubro, como ATS e Gratificação por Acúmulo de Função (GAF), indenização por férias, licenças compensatórias, correções de direitos trabalhistas e outros benefícios legais, segundo levantamento divulgado pelo Estadão.

Procurada pela Gazeta do Povo, a Coordenadoria de Comunicação Social do TJ-PR preferiu não comentar o uso da LGPD na negativa do pedido de informação. “Todas as informações que o TJ tem a repassar foram incluídas no pedido realizado. A instituição não vai se manifestar sobre a LGPD, legislação que sempre respeitou”, respondeu.

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Entidades criticam uso da LGPD para restringir acesso a informações públicas

Em entrevista à Gazeta do Povo, o cofundador e diretor da instituição "Fiquem Sabendo", Bruno Morassutti, classifica como equivocado o uso da legislação da LGPD pelos tribunais para negar o acesso às informações sobre a remuneração de agentes públicos no exercício da função.

“A Lei de Acesso à Informação já trata das informações de pessoas privadas ou em condições privadas para não afetar a honra, privacidade ou intimidade. É claro que esses dados devem ser restritos apenas à pessoa, que efetivamente é titular dessas informações. Só que quando se trata de um agente público, com poderes institucionais, um membro da magistratura, temos direito de saber as informações sobre essa pessoa, inclusive a remuneração. É um direito da sociedade", comenta.

Morassutti confirma que a "Fiquem Sabendo" — entidade que trabalha em prol da transparência das informações públicas — tem acompanhado casos em que a LGPD é usada deliberadamente como pretexto nas negativas de pedidos de informações. "Infelizmente, a gente tem observado essas situações com dados politicamente sensíveis ou quando o agente público não quer fazer a prestação de contas.”

Além disso, ele ressalta que a informação precisa ser divulgada pelos órgãos de forma acessível, sem exigir “manobras” do cidadão para monitorar e acompanhar os dados públicos. “A sociedade tem todo o direito de questionar. Por que a gente remunera tão elevadamente um juiz, que é uma função pública importante, evidentemente, mas não remunera adequadamente um professor e um policial militar?", questiona.

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Mais de R$ 10 bilhões acima do teto constitucional

Segundo um estudo do Movimento Pessoas à Frente, o valor pago acima do teto constitucional saltou de R$ 7 bilhões em 2023 para R$ 10,5 bilhões em 2024 — um aumento de 49,3%, muito acima da inflação oficial no período, que foi de 4,83%, medida pelo IPCA.

Os dados mostram que esse aumento bilionário não se deve apenas a reajustes no salário-base do Judiciário, mas principalmente ao uso de auxílios, benefícios e verbas indenizatórias — os chamados "penduricalhos" — que representam mais de 43% da remuneração líquida dos magistrados. 

“A transparência da política remuneratória das poucas carreiras que concentram o recebimento de supersalários, infelizmente, é muito restrita, sob alguns aspectos. Há casos como o do Ministério Público, em que os próprios dados são muito opacos. A falta de transparência e grande volatilidade dos dados dos diversos órgãos do Ministério Público impossibilitou, por exemplo, uma análise com robustez minimamente suficiente para os dados de 2024”, revela a diretora-executiva do Movimento Pessoas à Frente, Jessika Moreira, em entrevista à Gazeta do Povo.

Ela defende a criação de um sistema de transparência para remunerações no serviço público, com previsão de punições por improbidade administrativa em caso de descumprimento da norma. “Não podemos deixar que a LGPD, política legítima e importante para a proteção de informações sensíveis, seja usada indevidamente para restringir uma transparência real e efetiva”, ressalta.

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Maioria da população defende revisão de benefícios que formam os supersalários

Jessika Moreira lembra que 83% dos brasileiros são a favor da revisão de benefícios para evitar os supersalários, de acordo com uma pesquisa Datafolha encomendada pelo Movimento Pessoas à Frente. “O Brasil precisa resgatar a autoridade do teto constitucional e dar uma resposta à demanda da população, especialmente na janela de oportunidade que é a reforma administrativa”, defende.

Ela ressalta que é importante que os servidores públicos sejam bem remunerados, com salários compatíveis com os diferentes níveis de responsabilidade sem privilegiar uma minoria, que acaba beneficiada pelos penduricalhos com grande impacto aos cofres públicos. “O que muitos não sabem é que os “supersalários” são pagos a uma minoria do funcionalismo público, de apenas 0,06% do total do corpo de servidores, concentrados no sistema de Justiça. Só em relação aos magistrados, por exemplo, o valor pago além do teto foi de R$ 10,5 bilhões no ano passado”, compara. 

O teto constitucional de salários de servidores públicos no Brasil é de R$ 46.366,19, sendo que, de acordo com o movimento, 80% da população brasileira apresenta rendimento per capita inferior a R$ 2,3 mil por mês.

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