Uma tempestade perfeita adiou os planos do governo federal para uma gigante paranaense: a Refinaria Presidente Getúlio Vargas (Repar), em Araucária, na Região Metropolitana de Curitiba. Incluída no primeiro lote de privatizações de ativos da Petrobras considerados “menos estratégicos” pela União, a Repar devia ter a sua venda concluída em março deste ano. Dois meses depois, o processo que está em stand-by por conta da pandemia do novo coronavírus e de uma guerra comercial internacional que causou grande instabilidade nos preços do petróleo, corre o risco de nem sair do papel em 2020.
Na última semana, o ministro da Economia, Paulo Guedes, e o secretário especial de Desestatização e Privatização, Salim Mattar, se reuniram com o presidente Jair Bolsonaro (sem partido) e a ala militar do governo para tentar retomar os planos de desinvestimento – em outras palavras, venda de estatais – como forma de preparar o Brasil para o cenário de crise pós-pandemia. Na avaliação de Guedes, as vendas poderiam irrigar os cofres nacionais com R$ 150 bilhões. Não há consenso no governo, no entanto. O Executivo, aliás, parece apostar mais no caminho inverso: o dos investimentos públicos como propulsor da retomada da economia. Neste segundo recorte, a venda da Repar, e das outras sete refinarias brasileiras já lançadas ao mercado, poderia ficar em segundo plano.
A Gazeta do Povo solicitou entrevista com diretores da Petrobras ao longo da semana, mas não foi atendida. Em nota, a empresa limitou-se a dizer que “em função das medidas de prevenção ao coronavírus, postergará o recebimento de ofertas vinculantes nos processos de desinvestimento em refino e seus respectivos ativos logísticos, de forma a assegurar a efetiva realização da due diligence [processo em que todas as avaliações de risco são feitas] por parte dos potenciais compradores”. Na sexta-feira (15), o presidente da Petrobras, Roberto Castello Branco, afirmou que a empresa segue com o plano de concretizar a venda de refinarias ainda em 2020, mesmo com a pandemia. "Nenhum interessado veio a nós dizer que estava desistindo. Estamos confiantes de que pelo menos até o final do ano alguns acordos de compra e venda serão fechados", disse Castello Branco em coletiva de imprensa. Segundo ele, a expectativa é de que, assim, ao menos parte das transações seja concluída já em 2021.
Incertezas para o estado
“É um clima de não saber se vamos ter emprego amanhã ou depois. A gente torce para a nova empresa manter os funcionários, mas nem sabemos quem será”, diz um dos 700 trabalhadores da refinaria, sob condição de anonimato.
O impasse sobre os cronogramas de privatização aumenta o clima de apreensão não só entre os funcionários, mas também entre os moradores de Araucária, que temem os efeitos das possíveis demissões e até de um fechamento da empresa. Recentemente, o município sofreu um baque por conta do fechamento de Araucária Nitrogenados (Fafen/Ansa), fábrica de compostos para fertilizantes, após fracassarem todas as tentativas de venda da unidade, também pertencente à Petrobras. O encerramento causou a demissão de cerca de mil funcionários diretos, além de poder afetar em R$ 75 milhões a arrecadação de impostos da cidade, segundo números da prefeitura.
Com a Repar, a situação seria pior. Ela é a principal fonte de arrecadação de Imposto Sobre Circulação de Bens e Serviços (ICMS) da cidade. Corresponde a 80% do que o município gera. Em 2018, o recolhimento resultou em R$ 400 milhões nos cofres do município. Ela é protagonista também na arrecadação do estado: representa mais de 8% do ICMS do Paraná (fica atrás apenas da Copel em geração deste tipo de imposto). Em 2017, isso correspondeu a R$ 2,4 bilhões na renda paranaense, segundo o Tribunal de Contas do estado e da Gestão de Receita Orçamentária.
E há mais dinheiro envolvido. Araucária e Campo Largo (que são cidades vizinhas) recebem royalties da petrolífera como compensação ambiental e social pela circulação do óleo usado no refino. Em 2018, foram R$ 304 mil e R$ 184 mil para cada município, respectivamente. Como a refinaria escoa sua produção por gasodutos para terminais em Santa Catarina, alguns municípios do estado vizinho também têm direito a este dinheiro. Somente São Francisco do Sul, com terminal portuário ligado à Repar, recebeu mais de R$ 32 milhões em royalties em 2018. O levantamento é do Instituto de Estudos Estratégicos de Petróleo, Gás Natural e Biocombustíveis Zé Eduardo Dutra (Ineep).
Como o processo de venda é conduzido com sigilo pela Petrobras, o principal temor é de que o grupo vencedor na concorrência inutilize o parque de refino. “O que está em jogo é o mercado dos dois estados. (...) A empresa que vem, se ela tiver excedente de combustível em outro lugar do mundo, sabe o que pode acontecer? Simplesmente a refinaria pode ser fechada. Porque através dos terminais, dos dutos e dos tanques a empresa pode importar todo o combustível que nós vamos consumir no Paraná e em Santa Catarina [em vez de refinar petróleo vendido pela Petrobras]. E terá como distribuir pelos dutos. E como ficarão os empregos? Como é que fica o estado do Paraná sem essa arrecadação?”, disse o diretor do Sindicato dos Petroleiros do Paraná e Santa Catarina (Sindipetro PR/SC), Roni Anderson Barbosa, a deputados estaduais, em sessão na Assembleia Legislativa do estado. A refinaria tem mais de 400 quilômetros destes dutos ligando a indústria a portos e centros de distribuição que abastecem Paraná e Santa Catarina
O combustível importado também não geraria royalties aos municípios, já que a compensação se dá no local de refino, que, no caso, seria outro país.
Apesar disso, analistas familiarizados com o programa de desestatização do governo federal não apostam na queda de arrecadação. E até indicam possíveis ganhos. “Não acredito que um comprador irá adquirir uma refinaria como a Repar para produzir menos ou usar apenas como armazém de combustível. O caminho mais provável é que os parques de refino privatizados ganhem em produtividade”, indica Flávio Basseti, consultor independente na área de energia e petróleo. Para ele, é preciso haver uma coordenação da Petrobras para que o petróleo do pré-sal, por exemplo, tenha preços competitivos e continue sendo a matéria-prima das refinarias que serão vendidas.
Estrela do cardápio
Às vésperas de completar 43 anos, a Repar é a maior refinaria da região Sul. Tem capacidade para processar 208 mil barris por dia – o que corresponde a 12% do refino nacional. O petróleo chega via oleoduto, trazido do porto de São Francisco do Sul, em Santa Catarina. A maior parte é oriunda do pré-sal, mas há uma fatia importada. No parque de refino, o óleo bruto é transformado em diesel, gasolina, querosene de aviação e alguns outros derivados de menor valor. O produto final segue, também por oleoduto, para terminais catarinenses de Guaramirim (na região de Joinville), Itajaí e Biguaçu. No Paraná, é levado por oleoduto para o Porto de Paranaguá. Apenas 15% da produção (principalmente derivados como asfalto, coque e propeno) segue para os clientes por caminhões.
De acordo com a Petrobras, esta ampla infraestrutura de oleodutos e facilidade de acesso aos portos tornam o ativo um dos mais atraentes no pacote de vendas. Segundo a estatal, desde o início do processo de venda, em 2019, mais de 25 empresas haviam demonstrado interesse na aquisição.
Unidade de Industrialização do Xisto
Além da Repar, a Petrobras já apresentou ao mercado a oferta da SIX, em São Mateus do Sul. A venda inclui a usina e uma mina capazes de produzir 6 mil barris por dia de produtos como gás, nafta e óleo de xisto, GLP e enxofre (matéria-prima de fertilizantes). Entre os atrativos do negócio, a Petrobras lista que o complexo industrial é bem estabelecido e com processo de produção, serviços e infraestrutura estáveis. Está em uma grande reserva de xisto, uma rocha abundante na região que, quando aquecida, vira combustível e gás. A usina responde por 40% da arrecadação de ICMS do município.
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