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Carmel Croukamp e a mãe, Anna-Sophie Helene, tocam o Parque das Aves, em Foz do Iguaçu
Carmel Croukamp e a mãe, Anna-Sophie Helene, tocam o Parque das Aves, em Foz do Iguaçu| Foto: Divulgação

Ela é filha de mãe alemã e pai sul-africano, nasceu na África, estudou e construiu carreira acadêmica no Reino Unido e desde 2009 está radicada no Brasil. Nessa trajetória de três continentes e quatro décadas de vida, Carmel Croukamp tem como última parada Foz do Iguaçu, onde se dedica a uma iniciativa familiar que acabou se tornando uma das mais bem-sucedidas associações entre preservação ambiental e turismo do Brasil: o Parque das Aves.

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Na década de 1970, Anna-Sophie Helene e Dennis Croukamp viviam na Namíbia, país no sudoeste africano, onde tiveram duas filhas: Anna-Luise e Carmel. Nos anos 1990, mudaram-se para a Ilha de Man, no Reino Unido, localizada no Mar da Irlanda. Um amigo sugeriu ao casal criar um parque de crocodilos em Foz do Iguaçu, e o sul-africano e a esposa adaptaram a ideia a uma grande paixão: as aves.

Em 1993, os dois compraram 16 hectares de terra ao lado do Parque Nacional do Iguaçu; no ano seguinte, foi inaugurado o Parque das Aves, que preservava o remanescente local de Mata Atlântica e recebeu, a princípio, animais de doações ou empréstimos de outros zoológicos e animais confiscados pelo Ibama.

“Eu tinha na época 14 anos. Meu pai teve esse sonho de criar o Parque das Aves, minha mãe era muito parceira, foi junto, e nós, crianças, achamos que os dois estavam loucos (risos)”, lembra Carmel. “Foi uma coisa muito surreal. Foi realmente muito difícil para meus pais, eles passaram por muita coisa para conseguir criar o parque. Dois anos depois da abertura do parque, meu pai faleceu, então, minha mãe, que era veterinária mas nos 15 anos anteriores tinha sido dona de casa e nunca havia administrado um negócio, teve que assumir (a direção). Ela se tornou um grande modelo de como é possível fazer algo muito improvável.”

Nos primeiros anos do Parque das Aves, Carmel e a irmã tiveram que ajudar na consolidação do projeto, que contava com poucos funcionários. “Meus pais sempre conversavam muito com a gente, explicavam o que estava acontecendo na criação do parque, desde a ideia. Quando o parque abriu, não tinha muitas pessoas (funcionários), então todo mundo tinha que ajudar. Durante nossas férias, ajudávamos aqui em pontos-chaves, minha irmã e eu regamos plantas, limpamos pátios, varremos trilhas e áreas de manejo, fomos as primeiras a fritar hambúrguer no restaurante porque não tinha quem fizesse isso. Então, foi muito envolvente”, relata Carmel.

“Os meus pais sempre amaram aves e sempre tiveram papagaios durante nossa infância, então conhecíamos aves muito bem, conseguíamos fazer essas coisas, alimentar um filhote de papagaio, por exemplo, todos esses cuidados. Tudo bem em família, mesmo.”

Apesar disso, Carmel conta que não tinha a intenção de fazer carreira no Parque das Aves. Ela alega que as dificuldades que os pais e depois a mãe sozinha enfrentavam foram decisivas para que escolhesse outra vida profissional. “Durante a minha adolescência, eu não gostava e depois continuei não gostando do parque, não gostava de estar aqui. Mas minha mãe nunca colocou nenhuma expectativa sobre a gente de trabalhar aqui ou assumir a direção do parque, ela nos encorajou a seguir nossas próprias ambições”, lembra.

Carmel foi estudar música na Universidade de Oxford, na Inglaterra. “Eu amava aquilo, eu gostava muito de musicologia, de história da música. Trabalhei como professora na universidade durante anos e, quando eu estava chegando bem no final do meu doutorado, tive um momento de reflexão: ‘Nossa, agora eu estou num desses raros momentos da vida em que posso escolher o que fazer!’. E eu pensei, de repente: ‘Na verdade, o que eu quero fazer é ficar mais próxima da minha mãe’. À época, ela estava sozinha no Brasil já há 15 anos”, recorda.

“Eu larguei tudo e me casei com meu namorado, nos mudamos para o Brasil, ele nunca tinha nem visitado o país! Eu estava grávida de cinco meses da nossa filha, nós caímos aqui (risos), a nossa intenção era vir morar no Brasil, talvez em Foz do Iguaçu, mas não trabalhar aqui. E ele (o parque) acabou nos engolindo (risos). Tanto que meu marido trabalha aqui, ao longo do tempo se tornou diretor financeiro, depois de uns anos eu assumi como diretora-geral”.

Carmel Croukamp no parque: reserva mostra a exuberância da Mata Atlântica. Foto: divulgação
Carmel Croukamp no parque: reserva mostra a exuberância da Mata Atlântica. Foto: divulgação

Nova fase

O casal veio para o Brasil em novembro de 2009. Carmel passou a trabalhar no parque em 2010 e assumiu a diretoria-geral em 2014. Referência como refúgio de aves que sofreram abusos e de espécies ameaçadas de extinção, o Parque das Aves cresce ano a ano. Quando Carmel começou a trabalhar no local, o parque recebia 320 mil visitantes por ano; em 2020, a meta é fechar com mais de 1 milhão.

“O crescimento do parque foi muito além dos nossos sonhos, eu gostaria muito que o meu pai soubesse o tamanho que o Parque das Aves adquiriu depois de todos esses anos. Segundo nossos levantamentos, nós chegamos agora a ser o parque de aves mais visitado do mundo”, comemora a diretora.

A equipe tem uma presença feminina massiva: dos 243 colaboradores ativos, 126 são mulheres, que respondem por 13 das 20 gerências de departamentos disciplinares. Das cinco cadeiras da diretoria, quatro são ocupadas por mulheres. O parque tem atualmente 1,3 mil aves de 130 espécies, e no próximo mês vai começar um ambicioso processo de expansão.

“Dois anos atrás, começamos a mudar nosso perfil, a focar em preservação só de aves da Mata Atlântica, para poder fazer uma diferença. Era o que nós achávamos possível numa crise de conservação das aves do bioma. Muitas estão ameaçadas de extinção. O parque vai mudar muito em termos físicos agora com essa ampliação, vamos chegar a um crescimento de 35 a 40% no número de animais. Somos uma empresa privada cuja proprietária é minha mãe, ela nos permite priorizar muito cuidar de pessoas, ter metas bastante humanizadas, ao invés de financeiras”, explica Carmel.

Localizada na faixa mais populosa do território brasileiro, a Mata Atlântica já perdeu mais de 90% da sua área original, e a diretora enfatiza que essa devastação decorre em grande parte do desconhecimento sobre a importância do bioma. Desconhecimento do qual, Carmel admite, sua própria família partilhava quando decidiu criar o Parque das Aves.

“Quando minha família chegou ao Brasil, não tinha noção do que era a Mata Atlântica. Tínhamos a visão de que era uma floresta genérica, que não era aquela floresta legal, mais carismática, glamorosa, a Floresta Amazônica. Para nós, foi um processo de aos poucos abrir os olhos e reconhecer: ‘Gente, a Mata Atlântica por metro quadrado tem mais espécies que qualquer outro bioma do mundo!’. A Mata Atlântica é uma coisa absolutamente única, é uma coisa muito especial, incrível quando você começa a ver. Nós pensamos em mudar, tornar o tema principal do nosso atrativo turístico esse bioma não ‘carismático’, focar em Mata Atlântica, o primo pobre da Amazônia, porque ninguém sabe o que é, ninguém sabe valorizar”, justifica a diretora.

“Nós chegamos com um risco grande, mas um risco que a gente precisava correr, porque é importante que as pessoas se engajem com a Mata Atlântica. A gente pensou muito e eu acho que conseguimos embutir dentro da experiência do parque um sentimento de protagonismo por parte de cada um que passa para ver essas aves, para ver esse ambiente: a pessoa passa a se sentir corresponsável, é um sentimento bacana ter esse protagonismo de ver as coisas de uma forma que outras pessoas talvez não vejam.”

Terceira geração?

Mãe de Kaya, nove anos, e Arthur, oito, que crescem junto com o Parque das Aves, Carmel diz que veria com bons olhos se os filhos se interessassem em seguir a trilha dos pais, como ela mesma fez quando decidiu deixar a música. Mas, assim como Anna-Sophie, dá liberdade para que façam suas escolhas.

“Eu falo para eles que, se quiserem trabalhar no parque, têm que estudar, têm que se qualificar, vão ter que fazer entrevista de emprego (risos). Nós queremos a mesma coisa para os nossos filhos: que sigam os seus sonhos, façam o que quiserem. Se eles quiserem se envolver, é claro que seria fantástico, mas quero que eles sigam seus próprios sonhos”, ressalta.

“Ao mesmo tempo, hoje em dia o Parque das Aves é outro, nós temos uma maturidade como empresa muito grande, nós precisamos agora pensar em termos diferentes, pensar em estratégias para o futuro e de segurança diferentes. O Parque das Aves acabou se tornando algo que já vai além da nossa família, queremos que seja um legado positivo, que não precisa ficar vinculado à gente. Queremos que ele tenha uma vida própria também um dia. É exatamente o que todos nós queremos para os nossos filhos: com meu filho e minha filha, é igual.”

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