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“A gente estuda o dobro para chegar lá”, diz engenheira Patrícia Portes.
“A gente estuda o dobro para chegar lá”, diz engenheira Patrícia Portes.| Foto: Divulgação/Votorantim.

Num ambiente em que os homens sempre foram maioria (e ainda são), as mulheres têm que estudar e trabalhar o dobro para se estabelecer. O comentário é recorrente entre as engenheiras que, mesmo hoje, em algumas situações ainda enfrentam preconceito, passam por constrangimentos e, muitas vezes, se sentem injustiçadas.

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“A gente estuda o dobro para poder chegar lá e argumentar. A gente se aprofunda, tenta entender mais”, comenta Patrícia Cruz Portes, de 38 anos, que atua na Votorantim Cimentos, em Rio Branco do Sul (região metropolitana de Curitiba).

Engenheira química, ela fez estágio de um ano na Votorantim em 2006 e, em 2008, entrou como efetivada na fábrica, onde foi subindo de cargo: de assessora para consultora e, agora, coordenadora de coprocessamento.

Patrícia diz que hoje a situação é bem melhor, mas conta que ainda na faculdade e no começo da carreira sentiu muita desconfiança. “Era como se falassem: 'o que essa menina está querendo aqui'. “Quebramos paradigmas e hoje vejo que não resta dúvida em relação à capacidade técnica das mulheres que atuam na  engenharia. Vejo isso como uma grande evolução”, declara.

Apenas 15% são mulheres na engenharia no Paraná

No Paraná, de acordo com dados do Conselho Regional de Engenharia e Agronomia (Crea-PR), são apenas 15% de mulheres nas engenharias. O índice é menor que a média nacional, de 20%, de acordo com o Conselho Federal de Engenharia e Agronomia (Confea).

“Ainda vemos ofertas de emprego solicitando homens”, pontua a engenheira civil Karlize Posanske da Silva, que coordena o Comitê Mulheres do Crea-PR. Criado em 2017, o comitê busca valorizar a participação do público feminino nas engenharias e atrair meninas para os cursos da área. Foi a primeira iniciativa no país e inspirou outros Creas. Hoje, todos no Brasil têm um grupo similar.

“A partir de 2023 vamos percorrer as escolas do ensino médio. Queremos que as mulheres não tenham medo de fazer engenharia”, diz Karlize. Segundo ela, ainda é comum ver meninas que têm vontade de cursar engenharia, mas ao mesmo tempo têm medo de assédio e de terem dificuldade de acesso ao mercado de trabalho. “Queremos que elas se inspirem no exemplo de outras mulheres. Temos muitos casos de engenheiras com grande destaque profissional”, comenta.

Primeira mulher e negra formada em engenharia no Brasil, dá nome a prêmio

Para valorizar e reconhecer as engenheiras, o Crea-PR criou o Prêmio Enedina Marques. O nome é referência à primeira engenheira formada no estado. Mulher e negra, Enedina se formou em engenharia civil, em 1945, aos 32 anos de idade, na Universidade Federal do Paraná (UFPR), sendo a única mulher daquela turma.

Foi a primeira engenheira negra do Brasil e atuou em obras importantes no estado, como a Usina Capivari-Cachoeira (atual Usina Governador Pedro Viriato Parigot de Souza), maior central hidrelétrica subterrânea do sul do país, e na construção do Colégio Estadual do Paraná. Enedina faleceu em 1981.

Aos 69 anos, Loreni recebe prêmio por atuação como engenheira.
Aos 69 anos, Loreni recebe prêmio por atuação como engenheira.

Uma das premiadas desse ano é Loreni Fenalti da Costa, que atua em Pato Branco, no Sudoeste do Paraná. Natural do Rio Grande do Sul, ela se formou em engenharia civil em 1976, pela Universidade Federal de Santa Maria. É pós-graduada em Segurança do Trabalho pela Universidade Tecnológica Federal do Paraná (UTFPR) e especialista em Gestão de Negócios Imobiliários pela Fundação Getúlio Vargas, com MBA, concluído em 2017. Tem 69 anos de idade e atua em sua própria empresa, a Estilos Construções, fundada por ela em 1977.

“Na minha turma de graduação éramos 73 alunos, sendo apenas 16 mulheres, que corresponde a 21,92%”, conta. “Não dá para negar que, em 1976, quando me formei, existia preconceito. Havia, por exemplo, muitos concursos, a grande maioria direcionados para os homens”, lembra.

“Tivemos uma evolução. Assim como em tantos outros setores, a presença feminina tem aumentado, aos poucos, e as mulheres têm ocupado novas posições de chefia. Hoje, os concursos possibilitam a inserção das profissionais em todos os campos das engenharias. O próprio Sistema Confea/Crea tem trabalhado para valorizar as mulheres”, destaca.

Reconhecimento chega tardiamente para mulheres na engenharia

“Embora de forma tardia, está acontecendo um avanço”, observa Maria Rita de Assis César, pró-reitora de assuntos estudantis da Universidade Federal do Paraná (UFPR). Pesquisadora do Núcleo de Estudos de Gênero da instituição, ela diz que um exemplo é o aumento significativo na representatividade feminina nos centros acadêmicos. “Dos sete centros acadêmicos das engenharias, seis são presididos por mulheres”, diz.

“Elas são eleitas por voto, o que significa que estão recebendo votos também dos homens para representá-los. Até a engenharia mecânica, um dos últimos redutos masculinos, elegeu recentemente uma mulher para presidir o conselho”, observa a pesquisadora.

Segundo Maria Rita, isso é muito importante porque a atuação do centro acadêmico extrapola o ambiente universitário. “O centro participa, por exemplo, do Instituto de Engenharia do Paraná, um organismo importante dentro da engenharia. Então, ter mulheres lá contribui nessa luta contra o preconceito”, reforça.

Na Universidade Tecnológica do Paraná (UTFPR), a procura do público feminino pelos cursos de engenharia cresceu 83% nos últimos cinco anos, em comparação aos cinco anos anteriores. A instituição mantém uma iniciativa que contribui para isso, embora não seja voltada especificamente para as engenharias. Tem o propósito de atrair meninas para a área de computação e aí entra também a engenharia da computação.

Trata-se do Emíli@s – Armação em Bits, projeto de Extensão do Departamento Acadêmico de Informática. “O nome é inspirado na boneca Emília, do Sítio do Picapau Amarelo, personagem criativa e inventiva, sempre cheia de ideias”, explica a professora Mariangela Gomes Setti, que coordena o projeto. “Era uma boneca à frente do seu tempo”, acrescenta.

“Historicamente os meninos se sentem atraídos pela área. Os jogos eletrônicos, por exemplo, são destinados a esse público. Mas isso tem mudado”, observa a professora. O Emíli@s tem ação junto às escolas do ensino fundamental e médio, buscando atrair as meninas para a área da computação.

Votorantim mantém programa para engenheiras

A Votorantim Cimentos, que tem fábrica em Rio Branco do Sul, na região metropolitana de Curitiba, tem um índice maior que a média na participação de mulheres no seu quadro de profissionais de engenharia. Elas representam 26,6% do total, atuando em fábricas e escritórios corporativos, incluindo o Paraná.

A empresa estabeleceu como meta a equidade em suas operações e busca, até 2030, ter 30% das mulheres ocupando posições de liderança em seu quadro de empregados.  De 2019 a 2021, a empresa dobrou o número de mulheres atuando como engenheiras.

Uma das ações para cumprimento do compromisso em igualdade de gênero de longo prazo é o Programa de Engenheiras de Confiabilidade. É uma formação, com duração de 18 meses. As profissionais têm a oportunidade de atuar como engenheiras de confiabilidade em unidades da Votorantim Cimentos, como em Rio Branco do Sul. As participantes passam por etapas como formação técnica, desenvolvimento de competências comportamentais e grupos de conversas sobre temas relacionados aos desafios de mulheres atuando em uma área historicamente de predominância masculina.

Uma delas é Maria Mello, de 25 anos, participante do programa na unidade paranaense. Ela trabalha como engenheira de confiabilidade e, diariamente, analisa e prevê falhas nos equipamentos. “Vivo dentro da maior fábrica cimenteira da América Latina. É uma oportunidade ímpar para mim”, compartilha.

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