Um grupo de 28 professores e pesquisadores da Universidade Federal do Paraná (UFPR) redigiu uma nota de esclarecimento criticando decreto do governador Carlos Massa Ratinho Junior (PSD) que permite o manejo da restinga (a vegetação na orla marítima) nas cidades do Litoral. De acordo com os docentes, a medida não tem qualquer embasamento técnico e é prejudicial para o ecossistema. Confira o documento na íntegra.
Publicada em Diário Oficial do dia 8 de janeiro, a permissão para a poda da vegetação virou assunto polêmico nesta semana, quando o Ministério Público do Paraná (MP-PR) pediu para que as prefeituras de Matinhos e Guaratuba, que haviam iniciado a intervenção, interrompessem o corte. Para o órgão, o manuseio pode constituir crime ambiental. Saiba o que diz o governo.
O texto do decreto sustenta que a poda da vegetação é necessária pois ela atingiu calçadas e que "seus arbustos atingiram alturas que estão favorecendo a proliferação de vetores que causam mal à saúde humana". Também sustenta que a restinga alta está atrelada "a crimes, como assaltos, estupros e uso de drogas". Ainda de acordo com o material, também está ocorrendo a "proliferação de espécies exóticas [que não pertencem àquela mata]".
De acordo com os professores, no entanto, "as alegações apresentadas pelo governo são tecnicamente inconsistentes, sem nenhum respaldo estatístico e não se justificam". "Inexistem estudos que tragam evidências de que a vegetação de restinga favoreça a ocorrência doenças como dengue, febre amarela, zika ou chikungunya. Pelo contrário, a manutenção de um ambiente saudável, com integração de áreas verdes e boas práticas de saneamento básico e educação da população, tornam os ambientes urbanos menos propensos à ocorrência destas doenças", destaca um dos trechos do documento.
Os professores sustentam ainda que não há estudos comprovando a presença de espécies exóticas ou invasoras. "Ainda que estas possam existir, a remoção das espécies requer análise técnica e plano de manejo que não interfira na própria vegetação nativa objeto da ação", declaram os professores, alertando que a poda mal feita pode destruir o ecossistema.
Um dos autores da nota, Eduardo Vedor, professor do departamento de Geografia da UFPR e pós-doutor em ordenamento territorial, indica que a restinga é protegida por leis federais, mas pode ter o manejo autorizado por decreto que a transforme em área de utilidade pública. "Mas, para decretar uma área de utilidade pública, você tem que ter uma nota técnica com a justificativa, o que não aconteceu. [A medida de Ratinho Junior] É um decreto de meia página que autoriza a supressão, mas não diz qual é a base legal", indica.
"O que é mais grave é que existe um instrumento oficial de planejamento, o Plano de Desenvolvimento Sustentável do Paraná. É um documento robusto com validação social. Não existe nenhuma linha falando que restinga é prejudicial. Se você observar o próprio planejamento do estado, esse decreto é contraditório", diz Vedor. "E o número de irregularidades é muito grande".
Governo diz que decreto é técnico
Secretário do Desenvolvimento Sustentável e Turismo, Márcio Nunes defende que o texto do governador é justificado. "Quem filmou no dia que estava sendo feito o manejo [Matinhos e Guaratuba chegaram a começar a poda], viu o tanto de lixo, plástico, televisão, garrafa e sofá velho. A vegetação não é o problema, o problema é o lixo que está jogado na restinga", aponta.
"No caso de necessidade, ninguém mais do que o governador do estado, que tem seu secretário de Segurança, seu secretário de Saúde, pode entender a importância. Esses [os secretários] reclamaram da situação de saúde pública. Infelizmente, temos um surto grande de peste bubônica. E a região com maior número de casos [no Paraná] é o Litoral. Não posso dizer que os ratos todos estão ali. Mas, quando começou a poda, saiu muito rato de lá", exemplifica o secretário, que aponta ainda problemas com escorpião e aranha marrom nesta vegetação.
Nunes rebate outro ponto de desacordo: a altura da restinga. Segundo o decreto, a vegetação é cortada até, no máximo, 40 centímetros de altura. Para os professores, algo que não garante o crescimento adequado da vegetação. "Todos os técnicos do Instituto Água e Terra chegaram a conclusão que com 40 cm a planta vai rebrotar e voltar. Não estou arrancando a planta. É um bom porte para restituir", diz. "Além disso, tem a questão cênica, de turismo", justifica o secretário, que aponta a poda como solução para melhorar a visibilidade da praia.
O secretário descartou qualquer possibilidade de cancelamento do decreto. Ainda não há determinação judicial sobre o caso. As prefeituras de Matinhos e Guaratuba afirmaram ter suspendido as podas por tempo indeterminado.
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