| Foto: Divulgação/Prefeitura de Maringá
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Na década de 90, um esquema de corrupção instalado na prefeitura de Maringá atravessou mandatos de diferentes prefeitos e desviou durante anos seguidos, mediante notas fiscais frias e depósitos em contas de laranjas, valores que à época chegaram a R$ 100 milhões.

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A indignação e o constrangimento pela forma descarada como foram roubados levaram os cidadãos maringaenses a reagir e criar o primeiro Observatório Social do país, uma ferramenta ativa de fiscalizar as contas públicas e apontar irregularidades e possíveis desvios antes que o prejuízo aconteça. O modelo deu tão certo que hoje existem instituições semelhantes em mais de 100 municípios brasileiros e a equipe do observatório recebe com frequência visitantes de fora, interessados em saber como funciona a iniciativa pioneira.

A atual presidente do observatório, a advogada Giuliana Maria Lenza, lembra do processo doloroso do despertar da cidadania. “Como isso foi acontecer debaixo do nosso nariz?” – era a pergunta que constrangia a todos após estourar o escândalo de corrupção que envolveu 130  pessoas em 11 estados, entre elas os ex-prefeitos Jairo Gianoto e Said Ferreira, e o doleiro Alberto Youssef.

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Na Justiça, ficou comprovado que o grande mentor dos desvios foi o secretário da Fazenda de Maringá, Luiz Antônio Paolicchi, assassinado em 2011, que sequer procurava disfarçar o enriquecimento ilícito. “Ele era uma pessoa que tinha patrimônio e sinais de riqueza totalmente incompatíveis com o salário de secretário municipal. Tinha aviões, helicóptero, fazendas e chácaras. Uma vida de luxo. As pessoas estavam vendo tudo isso e nunca ninguém parou para perguntar, aquilo foi aceito. Por isso, depois, nos perguntávamos ‘Como isso foi acontecer debaixo do nosso nariz?”, conta Giuliana.

Giuliana Maria Lenza é presidente do Observatório Social de Maringá| Foto: Divulgação

“Daí veio a ideia de tentar trabalhar para evitar que aquilo acontecesse de novo, quando foi criado o observatório social. Foi algo muito peculiar, porque nossa mobilização ocorreu antes da Lei de Acesso à Informação (LAI). Em Maringá há uma espécie de acordo, por meio do qual a sociedade fiscaliza e o gestor sabe disso, independentemente do grupo político que esteja no poder. É algo institucionalizado, mas não é garantido, porque tem que ser exercido no dia a dia”, explica.

Criado em 2006, o Observatório Social de Maringá é mantido por recursos financeiros regulares de mantenedores da iniciativa privada, associações e cooperativas do município, além de pessoas físicas. Tem apoio de instituições como Tribunal de Contas, Receita Federal, Ministério Público, associação comercial e universidades.

Como funciona

A equipe do Observatório Social de Maringá se reúne uma vez por semana para traçar metas de trabalho. Toda informação levantada pelo OSM ou por denúncias da comunidade é analisada pelo comitê gestor, antes de qualquer procedimento.

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A metodologia de fiscalização envolve três fases que atendem desde a publicação do edital de licitação, a análise dos processos e a entrega do produto ou serviço. Havendo irregularidade ou erro, o observatório questiona as autoridades para impugnação ou possíveis alterações. Uma vez assegurado que o edital é transparente, ele é divulgado para o maior número possível de empresas. Na segunda fase, o foco se volta para o processo de licitação, principalmente para os preços, as quantidades e a qualidade dos produtos ou serviços adquiridos. Numa terceira etapa, é feito o acompanhamento da entrega dos produtos ou serviços, e verificação (se o que foi ofertado na licitação está sendo entregue).

“Essa metodologia é o que garante a credibilidade e a isenção de nosso trabalho”, assegura Giuliana. A ideia é sempre tentar resolver os problemas com o gestor municipal, para evitar o gasto público ilegal ou desnecessário. Quando a situação não se resolve, é feita denúncia ao Tribunal de Contas e ao Ministério Público, entre outros órgãos de fiscalização.

A equipe fixa do Observatório Social, dez pessoas entre contadores, advogados e estagiários, além de 60 voluntários, consegue analisar em torno de 5% dos processos de licitação que acontecem a cada ano em Maringá, cobrindo cerca de 30% do orçamento. “Tem um efeito preventivo. São mais olhos observando o processo administrativo. A grande contribuição que a gente dá, além da melhoria da gestão, é mostrar que é possível para a sociedade participar de forma organizada”.

Diante de irregularidades ou erros, o objetivo é sempre “fazer o processo voltar para a legalidade”. Isso acontece com a retificação de editais, correção de valores ou até a revogação do processo. Começou, em 2006, com a descoberta de um erro de digitação (um zero a menos no preço de comprimidos AS), que resultou num superfaturamento de 900%. A prefeitura foi alertada e evitou-se, a tempo, que uma conta de R$ 26.000,00 virasse R$ 260.000,00.

Por vezes, a intervenção do observatório leva à retificação de editais e de valores, ou até à revogação do processo. Quando o processo é retirado para análise, e não volta, observa Giuliana, já é um indicativo de que talvez não havia uma real necessidade de gasto ou contratação.

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“É importante olhar para tudo isso como uma experiência inovadora. São pessoas voluntárias que mantêm uma organização, com recursos da iniciativa privada, e entregam um trabalho de grande qualidade para o gestor municipal, totalmente de graça. Construímos um legado e temos um reconhecimento”, conclui Giuliana.

Reconhecido internacionalmente, entre outros prêmios o Observatório Social de Maringá foi considerado em 2009 pela ONU como melhor projeto de inovação social da América Latina e do Caribe e, em 2015, ganhou o Innovare. Para atender os interessados em conhecer o modelo de fiscalização cidadã, o observatório realizada dois treinamentos anuais.

Infográficos Gazeta do Povo[Clique para ampliar]