O setor produtivo brasileiro alertou o governo federal sobre a importação de 25 toneladas de tilápia do Vietnã, concretizada no fim de 2023. O país é o quarto maior produtor de tilápias do mundo, atrás da China, Indonésia e Egito.
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Para segmentos ligados à pecuária nacional, a preocupação ocorre em mais de uma frente:
- riscos sanitários diante da falta de esclarecimentos sobre as condições de biosseguridade;
- fiscalização do sistema produtivo e transporte;
- econômica, considerando a possibilidade de dumping (comercialização de produtos a preços inferiores aos do custo de produção) e danos ao setor nacional diante da crescente produção nacional, capaz de abastecer mercado interno e ampliar exportações.
A Associação Brasileira da Piscicultura (Peixe BR) emitiu alerta ao Ministério da Pesca e Aquicultura e questionou a aquisição feita pelo segmento privado. “Não temos informações se o lote passou por todas as análises de riscos sanitários, de maneira a garantir sua segurança para consumo. Da mesma forma, não conhecemos o processo de criação e de processamento da tilápia no Vietnã, o que também consideramos preocupante”, avalia, em comunicado, o presidente da Peixe BR, Francisco Medeiros.
O representante da associação aponta ainda para as muitas dúvidas quanto ao custo da importação, pois os valores pagos seriam, segundo ele, inferiores ao custo de produção no Brasil. “Isso é dumping”, assinala o dirigente, ao ponderar que a importação em si causa estranheza. “O Brasil é o quarto maior produtor mundial de tilápia, cultiva a espécie segundo os mais rígidos critérios de boas práticas – incluindo alimentação balanceada e controle sanitário. A tilápia brasileira prima pela qualidade e é, sem dúvida, uma das melhores do mundo. E a oferta interna cresce ano após ano”, complementa.
Maior produtor de proteína animal do mundo, o Brasil avança na produção de pescados. Segundo levantamento da Peixe BR, são mais de 1 milhão de produtores dedicados ao cultivo, a maioria em pequenas propriedades. “A Peixe BR está em contato permanente com o Ministério da Pesca e Aquicultura, o Ministério da Agricultura e Pecuária e o Ministério do Trabalho e do Emprego para saber se foram realizadas todas as análises de risco sanitário necessárias e entender os motivos da importação”, reforça o órgão.
Em dezembro, em audiência na Comissão de Agricultura e Reforma Agrária do Senado Federal, o ministro da Pesca e Aquicultura, André de Paula, afirmou que não existe acordo de importação de tilápias do Vietnã. “O governo não propôs, discutiu, negociou ou assinou qualquer tipo de acordo comercial relacionado a esse assunto”. O ministro disse ainda que indagou os Ministérios da Agricultura, Pecuária e Abastecimento e das Relações Exteriores, tendo recebido a certificação de não existência de acordo comercial para importação do pescado.
Tilápias dominam pescado de cultivo no Brasil
As tilápias representam 65% dos peixes de cultivo do Brasil e a produção ultrapassa 550 mil de toneladas. Na balança comercial, o peixe responde por 98% das exportações de toda a piscicultura brasileira. E é do Paraná onde sai mais da metade das cargas. Ano passado, o estado embarcou 14,9 mil toneladas de peixes, segundo o Ministério do Desenvolvimento e Comércio Exterior (Mdic), totalizando US$ 130,1 milhões, quase a totalidade das cargas correspondente às tilápias. A produção anual no estado ultrapassa 200 mil toneladas, volume que representa 40% da produção nacional, de acordo com o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE).
A Federação da Agricultura do Estado do Paraná (Faep) também se manifestou de forma contrária à importação vietnamita e enviou documento ao ministro da Pesca e Aquicultura repudiando a aquisição. “Não podemos deixar acontecer como o que estamos vendo na atividade leiteira, na qual as importações estão achatando as cotações internas, inviabilizando a produção e, principalmente, retirando milhares de produtores da pecuária de leite. Precisamos e vamos lutar para proteger a piscicultura deste cenário”, destaca o presidente do Sistema Faep/Senar, Ágide Meneguette.
Brasil tem capacidade para atender mercado interno e exportar, diz Faep
A Faep reforça que, com produção anual superior a 550 mil de toneladas, o Brasil tem capacidade para atender a demanda interna, além de gerar excedentes para exportação. “Em 2021, o Paraná obteve o reconhecimento como área livre de febre aftosa sem vacinação pela Organização Mundial da Saúde Animal. O estado precisa manter uma estrutura sanitária sólida e robusta, para garantir, futuramente, a abertura de mercados consumidores mais exigentes”, defende o órgão.
Em nota, o Ministério da Pesca tem informado que "o governo não realiza importações de nenhum tipo de pescado" e que as importações são realizadas "por empresas privadas habilitadas para a comercialização de alimentos no país". Disse também que “os requisitos higiênico-sanitários para importação de pescados foram estabelecidos em 2014 de acordo com exigências dos órgãos competentes do Brasil” e que, até o momento, as importações estavam relacionadas principalmente à espécie pangasius.
“No entanto, ao tomar conhecimento da importação de 25 toneladas de filé de tilápia congelado em dezembro de 2023, o MPA iniciou articulação com outros ministérios para assegurar a proteção dos interesses da nossa aquicultura”, completou.
Alerta começou meses antes da importação
Apesar da chegada do carregamento em dezembro, o tema vinha sendo alertado meses antes. Uma das vozes veio justamente do Paraná, em outubro. O deputado estadual Luiz Fernando Guerra (União Brasil-PR) levou o assunto ao plenário da Assembleia Legislativa do Paraná (Alep).
"O consumo de tilápia impulsiona o trabalho dos pequenos produtores e garante renda para muitas famílias que dependem da piscicultura. Importar tilápia do Vietnã é um absurdo, pois desvaloriza uma cadeia produtiva que gera receita de R$ 9 bilhões e cultivou 860 mil toneladas de peixe [considerando outras espécies] no Brasil apenas em 2022", disse.
O Ministério da Agricultura foi procurado, mas até a publicação desta reportagem não se manifestou.
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