Mais do que a mudança na diretoria-geral brasileira, a Itaipu Binacional pretende alterar seus rumos de atuação, diz o ex-deputado federal Enio Verri (PT).Ele assumiu oficialmente o comando do lado brasileiro da maior hidrelétrica do país - e uma das maiores do mundo - nesta quinta-feira (16).
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Nos últimos seis anos, desde o início do governo de Michel Temer (MDB), a Itaipu foi protagonista de grandes obras de engenharia e infraestrutura. De acordo com Verri, o foco deverá mudar para o desenvolvimento socioeconômico regional. Dentro desse guarda-chuva, uma ação para o curto prazo é o que Verri caracteriza como reconhecimento e pagamento de uma dívida histórica da hidrelétrica com povos indígenas que viviam na região oeste do Paraná, na fronteira com o Paraguai, na área que foi alagada pelo reservatório de Itaipu, nas margens do Rio Paraná, no início dos anos de 1980.
O novo diretor da Itaipu diz que registros históricos comprovam que essas comunidades não foram indenizadas e que ficaram sem aldeamentos. Nas últimas décadas, a polêmica em torno do assunto cresceu, com intenso debate desde o primeiro governo Lula sobre demarcações de terras indígenas.
Quem deve comandar esse trabalho específico dentro da Itaipu é o indigenista e professor universitário Paulo Porto. Ele observa que, não serão demarcações de terra nem cessão de áreas agricultáveis que pertencem a produtores rurais da região. A nova diretoria reconhece que ainda não sabe como essa equação se dará, mas que a acomodação de indígenas será realizada “em paz, com diálogo, sem conflitos agrários, nem a demarcação de áreas”.
Porto estima de 5 a 6 mil indígenas que vivem em pelo menos 22 comunidades espalhadas por municípios na fronteira com o Paraguai, na região oeste do Paraná. Apenas três delas estão formalmente constituídas como aldeamento: duas no município de Diamante D'Oeste e uma no município de São Miguel do Iguaçu. Os demais, lembra Porto, são ocupações, a maioria em áreas da própria Itaipu Binacional.
O legado e o futuro de Itaipu para a região de fronteira
Nos últimos anos, a Itaipu vinha fazendo investimentos bilionários em grandes obras. A mais emblemática foi a construção da segunda ponte entre Brasil e Paraguai, a Ponte da Integração. Apesar de concluída, não tem previsão de quando entrará em operação, por falta de estrutura de apoio complementar. Ela custou aos cofres da binacional R$ 366 milhões.
No acesso à ponte pela chamada Perimetral Leste de Foz do Iguaçu, também custeada pela Itaipu, o investimento é de outros R$ 336 milhões. É por esse caminho que o tráfego pesado de caminhões vai passar para chegar à Ponte da Integração e desafogar o fluxo pesado da Ponte da Amizade, na fronteira mais movimentada do Brasil – com o Paraguai – por onde passam, em média, mais de 40 mil veículos e cerca de 80 mil pessoas por dia, em filas intermináveis no vai-e-vem transfronteiriço.
Outra obra milionária que Itaipu está custeando é a da Rodovia das Cataratas, que dá acesso ao Parque Nacional para visitação a um dos principais pontos turísticos do Brasil, as Cataratas do Iguaçu. Estimada em quase R$ 130 milhões, a obra segue em execução.
Há ainda a pavimentação e revitalização da Estrada da Boiadeira, na divisa entre os estados do Paraná e do Mato Grosso do Sul. O empenho até o momento é de R$ 281 milhões. Entra também na lista a duplicação do Contorno Oeste em Cascavel, em um trecho de 14 quilômetros da BR-163: obra custeada pela Itaipu orçada em R$ 68 milhões.
Nos planos do novo comando de Itaipu, a partir de agora as grandes obras não serão completamente eliminadas do programa de ações, mas projetos de novos empreendimentos serão reavaliados com bastante critério. “Não vamos parar obras que já iniciaram, isso seria uma irresponsabilidade do ponto de vista da administração pública. Se está tudo certo com ela, não existe indícios de ilegalidades, elas vão continuar e serão concluídas, mas novas grandes obras serão revistas pela Itaipu”, afirmou Verri.
Além de projetos para o desenvolvimento regional, a tendência é que a hidrelétrica se engaje no empoderamento feminino, na valorização à cultura local, no incentivo à agricultura familiar, na agroindustrialização, nas políticas designadas aos povos originários e na reativação parcerias com municípios, Estado e União.
Para sensibilizar Verri e Lula da importância das grandes obras para o desenvolvimento do Estado, o governador do Paraná em exercício, Darci Piana (PSD), destacou, durante a solenidade de posse do novo diretor, que “há mais de 50 anos a população esperava pelas obras da Boiadeira, que agora está praticamente pronta graças à ajuda da Itaipu, colocada à disposição da gente do Paraná e do nosso País, o que vai permitir o progresso, a criação de novos investimentos e mais empregos”.
Ações imediatas na Itaipu
Verri começa a administração em Itaipu ainda sem seus novos diretores e sem os conselheiros indicados pelo governo Lula. A maioria dos nomes, segundo o novo diretor-geral, ainda espera a aprovação na Empresa Brasileira de Participações em Energia Nuclear e Binacional (ENBPar), empresa pública controlada pela União por meio do Ministério de Minas e Energia que ficou responsável pelas estruturas não privatizadas antes vinculadas à Eletrobras, como a Itaipu e as usinas de Angra 1, 2 e 3.
Todos os conselheiros da Itaipu seguem sendo os indicados por Bolsonaro no ano passado e, nos bastidores, fala-se que eles estariam atrasando essas aprovações. A próxima reunião da EBNPar é na quarta-feira (22).
De imediato, Verri e o presidente do lado paraguaio da hidrelétrica, Manuel María Cáceres Cardozo, terão a missão de reavaliar as tarifas de energia para o ano de 2023, que terão impacto nos dois países. Itaipu produz 13% de toda a energia consumida no Brasil.
Para o segundo semestre vem a revisão do Anexo C do Tratado de Itaipu. O novo diretor brasileiro tem defendido que o Brasil precisa de energia elétrica mais barata e de qualidade, dando indícios de que essa poderá ser uma das defesas do lado brasileiro para destinação de ao menos parte dos quase US$ 2 bilhões anuais que vão ficar em caixa com a dívida quitada. Definições precisas do que será feito com esses recursos é uma batida de martelo que será dada somente depois que o novo presidente do Paraguai assumir e designar um nome para a Itaipu.
Verri disse que entre as questões que serão analisadas com a revisão do acordo de Itaipu está o pagamento bilionário de royalties aos municípios atingidos pelo enchimento do reservatório, nos anos de 1980. São quase duas dezenas de cidades no oeste do Paraná e uma no leste do Mato Grosso do Sul. Itaipu tem designado, em média, cerca de R$ 1 bilhão por ano em compensação ao Estado e aos municípios.
A revisão do Anexo C do Tratado de Itaipu seria um dos motivos pelos quais o governo brasileiro deverá indicar, na sua maioria, ministros de estado como conselheiros com poder de voto na binacional. Além dos nomes já confirmados Alexandre Padilha (Relações Institucionais) e Esther Dweck (Gestão), são cotados para o conselho de Itaipu Fernando Haddad (Fazenda), Rui Costa (Casa Civil) e Mauro Vieira (Relações Exteriores). Alexandre Silveira, ministro de Minas e Energia, tem uma cadeira cativa no conselho, mas sem poder de voto.
Verri e o PT
Enio Verri está no PT desde 1985. O nome dele não foi um consenso para assumir a Itaipu dentro dos próprios quadros do partido e causou certo desconforto entre líderes da sigla quando foi anunciado, em 26 de janeiro. Uma ala defendia que Jorge Samek, que foi diretor-geral da Binacional por 13 anos, com o mandato mais longo da história do lado brasileiro da hidrelétrica, voltasse ao posto.
Na solenidade desta quinta-feira (16), ao justificar a escolha de Verri para a função, Lula chegou a satirizar, dizendo que precisava de um grande homem e não viu ninguém maior que ele, referindo-se aos quase dois metros de altura de Verri. Quanto às aptidões técnicas, Lula disse que precisava de alguém que conhecesse economia. “Verri é doutor em economia, precisava de alguém que conhecesse da vida pública e o Verri também tem isso”, destacou Lula. Verri foi deputado estadual, deputado federal, secretário municipal em Maringá (PR), sua cidade de origem, secretário de Estado e professor universitário.
“Ao assumir Itaipu, o Enio assume a reponsabilidade de aqui ser representante do Brasil, ajudando a resolver os problemas do povo brasileiro”, afirmou o presidente da República, ao mencionar que o acordo entre Brasil e Paraguai que possibilitou a edificação da Itaipu é um marco civilizatório.
Verri assume compromisso de incluir Itaipu no término da obra da Unila
“Eu dirijo a Itaipu por indicação do presidente Lula e tenho o compromisso com as políticas econômicas e sociais do presidente eleito e será isso que será aplicado na Itaipu, agora sem dúvida, ele falou três vezes para mim sobre a Unila”, afirmou Verri.
Das conversas particulares com Verri, o pedido de Lula integrou o discurso do presidente na posse do novo comando de Itaipu: a conclusão da obra da Universidade Federal da Integração Latino-Americana (Unila). “Ele nos pediu para terminar a obra, achar uma alternativa para concluir. Vamos conversar com o ministro da Educação. Existem recursos empenhados no Ministério, mas é preciso saber se o que existe é suficiente e se a obra está comprometida. Vamos definir isso na sequência”, prometeu Verri.
A estrutura inacabada da Unila virou palco de polêmica herdada ainda do segundo mandato do governo Lula. A universidade foi idealizada em 2007 e recebeu investimento inicial de mais de R$ 100 milhões do governo federal. As primeiras turmas iniciaram as aulas em 2010. Mas a edificação nunca foi terminada. “Sobrevoei a Unila e pedi para o Verri que ela seja uma prioridade. Fiquei triste ao ver o que fizeram com a nossa Unila” disse Lula durante visita a Foz do Iguaçu.
Revisão de convênios firmados pela Itaipu
O novo diretor-geral da Itaipu Binacional afirmou ainda, em entrevista à Gazeta do Povo, que todos os convênios firmados entre o lado brasileiro da binacional desde 1º de novembro de 2022 serão revisados. “Não se trata de 'caça às bruxas', é uma ação normal por se tratar de um novo governo. Até então as medidas e os convênios adotados tinham como foco as prioridades daquele governo, agora serão analisadas com base nas ações e prioridades do novo governo, assim como as prioridades e a missão da Itaipu”, relatou.
À reportagem, a binacional ressaltou não se tratarem de novos convênios, mas termos aditivos, renovações e movimentações dentro de parcerias que vinham sendo desenvolvidas. Para facilitar essa compreensão, informou a assessoria de Itaipu, uma série de alterações foi promovida no sistema de consulta pública destes contratos, tornando o mecanismo mais transparente e elucidativo.
“Tenho sido questionado sobre a viabilidade de ampliar as doações de Itaipu. Tenho dito que o esforço para o pagar a imensa dívida de sua construção foi assumido por todos os consumidores, portanto me parece justo que seus benefícios também sejam estendidos, seja garantindo energia elétrica com [menor] tarifa, seja por meio de projetos em infraestrutura e programas que beneficiem prioritariamente o estado do Paraná. A Itaipu vai continuar tendo um olhar prioritário para o território para o qual ela está inserida, para as comunidades ao seu entorno. Vamos reconstruir redes de parcerias, estreitar relações com as universidades, e o setor produtividade para o desenvolvimento local e regional”, completou Verri.
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