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Beto Richa (PSDB) é diversas vezes citado na ação penal aceita pelo juiz Sergio Moro envolvendo a Odebrecht, mas não foi arrolado entre os réus. | Fernando Zequinão/Gazeta do Povo
Beto Richa (PSDB) é diversas vezes citado na ação penal aceita pelo juiz Sergio Moro envolvendo a Odebrecht, mas não foi arrolado entre os réus.| Foto: Fernando Zequinão/Gazeta do Povo

Fotos, gravações, rastreamentos, registros bancários e arquivos que mostram envolvidos no local e na hora em que crimes estariam sendo praticados. Tudo isso corroborado por depoimentos. Esse é o conjunto de provas que foram anexadas pelo Ministério Público Federal na denúncia criminal da Lava Jato que atinge aliados do ex-governador Beto Richa (PSDB), na destinação de verbas da Odebrecht para conseguir uma obra bilionária na PR-323, no Noroeste do Paraná.

Quando aceitou a ação penal na quarta-feira, o juiz Sergio Moro levantou o sigilo dos documentos sobre o caso (mantendo restritos apenas os dados da Receita Federal referentes ao ex-governador e ao ex-secretário Ezequias Moreira). São mencionados 152 anexos. O magistrado escreve no despacho que alguns podem ter sido incluídos “por lapso”, tendo em vista que fazem referência a envolvidos não foram relacionados como réus. Moro, aliás, acrescenta que nada impede que os demais citados continuem sendo investigados para oferta de denúncia futura.

O percurso investigativo do MPF fica claro a partir dos documentos anexados. O ponto de partida é o Setor de Operações Estruturadas, que concentrava os repasses de recursos da Odebrecht para políticos. Uma perícia indicou a destinação de pagamentos que totalizaram R$ 3,5 milhões em 2014 para o codinome “Piloto”, que os executivos da empresa disseram ser Beto Richa, assim chamado por gostar de corridas de carro.

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A auditoria nos arquivos eletrônicos apontou, por exemplo, que uma “entrega” a “Jorge” deveria ser feita às 15 horas do dia 11/9/2014 em um apartamento de São Paulo, indicando o endereço. O imóvel pertence a uma sócia da sogra do empresário Jorge Atherino, conhecido como Grego e apontado em outros processos como um dos responsáveis pela arrecadação de dinheiro de campanha para Beto Richa – que sempre negou que isso acontecesse.

Além do apartamento, outra prova coloca aliados de Richa no local indicado para a entrega de dinheiro. A triangulação das antenas de celular aponta que Luiz Abi Antoun – parente do ex-governador – saiu naquele dia de Curitiba, pegou um voo para São Paulo e esteve nas proximidades do endereço citado (o sistema ERBS não dá a localização exata do aparelho). De acordo com a denúncia do MPF, R$ 500 mil foram repassados em dinheiro naquele 11 de setembro de 2014, com destinação ao codinome Piloto.

Também faz parte do conjunto probatório a quebra de sigilo telefônico, que mostra centenas de trocas de ligações e mensagens entre os envolvidos. Embora o conteúdo das conversas não seja revelado – não foi um grampo – é possível perceber a sequência de contatos entre as partes. De acordo com o Ministério Público Federal, assim que alguma combinação envolvendo a licitação para a PR-323 era negociada entre as partes, logo em seguida entrava em jogo uma segunda fase, com trocas de mensagens para a combinação de entrega de valores.

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Nos anexos estão ainda os registros bancários de Deonilson Roldo, que foi chefe de gabinete de Richa e é acusado pela investigação de comandar um esquema para garantir que somente a Odebrecht participasse da concorrência pela obra. As movimentações financeiras dele, entre setembro e dezembro de 2014, foram consideradas atípicas pela perícia, que indicou também dezenas de depósitos na conta pessoal e na de uma agência de comunicação que teriam origem nos repasses da empreiteira. Ao menos R$ 90 mil teria ficado para Deonilson Roldo.

No processo ainda consta o laudo pericial de uma conversa, gravada pelo empresário Pedro Rache, em que Roldo tenta dissuadi-lo de participar da licitação da PR-323, assumindo que tudo se desenha para que a Odebrecht assuma a obra, e oferecendo um outro trabalho para a empreiteira do executivo. De acordo com os documentos, foram analisadas as gravações e não foram encontrados indícios de edição. Ou seja, não há indicativo de que seja uma montagem ou que as vozes não sejam de Rache e Roldo.

Num sistema de provas cruzadas, os documentos se relacionam aos depoimentos de delatores que aceitaram colaborar com as investigações em troca de diminuição de pena. Além de executivos da Odebrecht, que descreveram como as negociações eram feitas, há o relato de Nelson Leal Junior, que foi diretor do Departamento de Estradas de Rodagem (DER) e foi preso em fevereiro pela Operação Lava Jato. Ele contou que havia um núcleo, de atuação sistêmica, formado pela maior parte dos aliados mais próximos de Richa, para arrecadar um percentual dos valores investidos em obras.

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Em uma oportunidade, ele diz ter visto Luiz Abi, que chegou a ser preso em outras investigações, entrar em um helicóptero no Parque Barigui com malas de dinheiro. Leal Junior afirmou ainda que parte do que era arrecadado era levado para o Paraguai e que havia, durante a campanha eleitoral, um comitê ilícito de arrecadação, em uma casa alugada próximo da Arena da Baixada, em Curitiba. A delação do ex-diretor do DER foi homologada pelo Tribunal Regional Federal da 4ª Região (TRF4), indicando que há entre os investigados autoridades com direito a foro privilegiado. Dos vários citados nos documentos e depoimentos anexados ao processo, somente Deonilson Roldo e Jorge Atherino estão entre os réus denunciados na recente ação penal.

Outro lado

Por meio de nota, a defesa de Beto Richa disse que “entende que as alegações do Ministério Público Federal não apresentam qualquer sustentação” e que ele “sempre pautou suas ações baseado nos princípios legais”. O tucano acrescentou que “a obra de duplicação da rodovia PR-323 nunca aconteceu”: “Também nenhum recurso público, de origem federal ou estadual, foi aportado na licitação. Não houve também qualquer direcionamento em licitação. Tanto é assim que a Corte Especial do STJ decidiu de forma unânime que tal investigação deva ocorrer na Justiça Eleitoral, na qual será comprovada, sem sombra de dúvidas, a lisura dos atos do ex-governador. Infelizmente, tornou-se comum delatores apresentarem falsas afirmações na tentativa de se verem livres das penas que, certamente, serão condenados pelos graves crimes praticados”.

A defesa de Ezequias Moreira afirmou que “as declarações do delator são mentirosas e que nunca participou, em nenhum momento, de qualquer tipo de arrecadação junto a empresas e empresários e que está à disposição da Justiça para esclarecimentos”.

Ao G1, a defesa de Deonilson Roldo informou que só vai se manifestar depois de analisar os documentos e que ele nunca foi intimado a prestar esclarecimento e a defesa de Luiz Abi disse que as afirmações de Nelson Leal Júnior são descabidas e inverídicas, e que o único objetivo dele foi conseguir um acordo de colaboração premiada. Também ao portal G1, a defesa de Jorge Atherino disse que respeita o trabalho do Ministério Público e que vai apresentar o contraditório para os devidos esclarecimentos.

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