Conta de água subiu bem acima da inflação.| Foto: Alexandre Mazzo/Gazeta do Povo

O boleto da água pesou no bolso dos paranaenses como em nenhum outro estado nos últimos dois anos e meio. Uma recente pesquisa da Proteste, uma associação de defesa do consumidor, atentou para algo que se via em uma dimensão menor. Nenhuma outra companhia de saneamento básico reajustou tanto as tarifas de água e esgoto quanto a Sanepar.

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Caso considerado o recorte proposto pela associação, a tarifa subiu espantosos 126% de janeiro de 2016 a agosto de 2018, ante uma inflação de 11% no período – números medidos pelo Índice de Preços ao Consumidor Amplo (IPCA). Um valor que não cessará por aí, já que a companhia tem outros reajustes agendados para os próximos anos.

O maior aumento na conta foi em março deste ano, com a tarifa de água 5,12% mais cara e, novamente, acima da inflação nos 12 meses anteriores, de 3,18%. Em 2017, a mudança na forma como a tarifa era calculada também impactou o consumidor. Nos próximos sete anos, a tarifa deve continuar em escalada, já que a agência que regula a atividade da empresa no Paraná, a Agepar, permitiu no ano passado o reajuste escalonado de 25,5% para oito anos.

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É uma medida que atinge em cheio o bolso dos 11 milhões de moradores do estado, em 345 cidades, atendidos pela companhia de capital misto. Serão novos capítulos de uma novela que envolve decisões políticas e acionárias que levaram um dos serviços mais básicos a ter preços recordes por aqui.

Qual o valor da conta de água?

Após o mais recente reajuste na tarifa de água e esgoto, os valores dos serviços da Sanepar são de R$ 13,88 para a tarifa social; R$ 62,25 para o consumo de até cinco metros cúbicos e R$ 71,89 para até 10 metros cúbicos por mês. Para gastos maiores, o cálculo é progressivo e cresce proporcionalmente.

Valores assustaram associação

As alíquotas assustaram a Proteste. Sobretudo porque, enquanto por aqui o serviço foi reajustado em um valor anos-luz da inflação, em outros estados foi até reduzido (veja aqui um panorama dos demais estados). Para a associação, essa disparidade mostra falta de critérios das companhias em relação a política tarifária.

A associação evita falar dos casos isolados, como o da Sanepar, mas diz, em nota, que “cada órgão regulador estadual (ou municipal) avalia o percentual de aumento de uma forma”. “No mesmo ano, vemos autorizações para aumentos muito discrepantes entre as companhias”, destacou a Proteste.

Infográficos Gazeta do Povo[Clique para ampliar]
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Sanepar diz que há motivos para aumento

Para a Sanepar, porém, existe uma justificativa. A alta, na concepção da empresa, é uma correção de valores decorrente de um erro da política do governo Roberto Requião (MDB). “Nós tivemos cinco anos de preços represados. A companhia tem um compromisso de universalização do saneamento. E você tem compromissos assumidos em contratos de que você tem que universalizar. Uma vez que você não tem os reajustes, você compromete o plano de universalização e pode ficar inadimplente com os contratos firmados com as prefeituras”, defende Joel de Jesus Macedo, economista da Gerência de Regulação.

De 2005 a 2010, de fato, a companhia teve seus preços congelados por Requião, em uma briga de caráter político. O ex-governador paranaense é um opositor ferrenho à privatização de empresas de saneamento. Recentemente, no Senado, declarou que a “água e a coleta e tratamento de esgoto não podem ser objetos de comércio e lucro”.

A companhia, porém, havia sido parcialmente privatizada na gestão Jaime Lerner, anterior a de Requião, criando uma situação de desconforto entre os sócios – governo (com pelo menos 61% da empresa) e iniciativa privada.

A justificativa de Requião para segurar os preços era, à época, garantir preços baixos ao consumidor, sobretudo aquele de baixa renda.

“Isso trazia muita insegurança, com risco de quebra de contratos. Foi gerando uma reação em cadeia e ao longo do tempo fomos tendo problemas para executar esses contratos. O que reflete até hoje. Naqueles anos em que não tivemos os reajustes tarifários, os investimentos realizados pela companhia eram tão baixos ao ponto de somente repor, às vezes nem isso, os ativos [equipamentos] que depreciaram. Não conseguia expandir. Ao mesmo tempo você tinha o compromisso de universalização do serviço [o ato de oferecer rede de coleta e tratamento de esgoto para toda a população]”, aponta Macedo.

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“Companhia rumo ao sucateamento”

Segundo o diretor, os investimentos na era Requião ficavam na casa de R$ 300 milhões ao ano, o que estava levando à companhia ao sucateamento. “Nós fazíamos o mínimo de manutenção”, complementa Leura Lucia Conte de Oliveira, gerente da área de Regulação da empresa.

De acordo com a empresa, a Sanepar não avançou sua infraestrutura nesse período. No curto prazo, aponta, isso não se tornou tão visível, já que a vida média da empresa (quanto tempo levará até todos os equipamentos estarem sucateados) é de 44 anos. “Caso se coloque em perspectiva mais longa, já se percebia esse sucateamento”, defende Macedo.

11 milhões

É a população atendida pela Sanepar. A companhia atua em 345 dos 399 municípios paranaenses.

Como foi a escalada na conta de água

Em 2011, a Sanepar teve a primeira autorização para reajustar as tarifas em anos – de 16%. E assim vieram reajustes anuais acima da inflação. Na era Beto Richa (PSDB), a empresa mais que dobrou a tarifa do serviço.

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Entre 2011 e 2017, por exemplo, a alta foi de 124%, para uma inflação de menos de 50%. Para comparar, em 2011, o preço de 10 metros cúbicos de água era pouco mais de R$ 18; hoje, chega a R$ 71. Mas os investimentos também subiram consideravelmente, à casa de R$ 800 milhões ao ano, como mostram os balanços da empresa.

Para a Sanepar, os novos reajustes programados se justificam para aumentar a rede de cobertura da empresa. “O saneamento encarece por conta de escala. Cada vez fica mais longe levar a próxima ligação e atender as pessoas. O custo aumenta de ligação em ligação e isso vai tornando a operação mais cara. Isso aumenta o custo médio”, aponta Macedo. “Quando você tem uma cidade com um aglomerado muito grande, você tem lá 20 metros de uma casa para outra. Quando você passa desse ‘mignon’, vai para uma região mais afastada e consequentemente menos adensadas. Então você estende uma rede de 40 a 50 metros”, diz Leura.

De acordo com a empresa, hoje 72% do território paranaense tem os serviços de água e esgoto. É um número substancialmente maior do que o que acontece em estados do Norte e Nordeste, por exemplo, e bate com alguma autoridade o trabalho de companhias do Sul e Sudeste. E o maior crescimento se deu, justamente, por conta do investimento feito nos anos recentes.

Entre 2005 e 2015, a rede de coleta de esgoto, por exemplo, passou de uma cobertura de 39% do território paranaense para 50%. De 2015 para agora, chegou ao patamar dos 72%. “Essa porcentagem é de locais com maior aglomerado [urbano]. Mas, e agora, o que a companhia deve fazer? [Como chegar] àquelas pequenas localidades. Isso custa muito mais caro do que colocar uma rede na Avenida Batel”, aponta a gerente da Sanepar.

Além da expansão, a empresa alega o alto custo para manter equipamentos – como tubulações, por exemplo, Segundo a Sanepar, todos os anos a empresa precisa gastar cifra alta para recuperar 2,27% de todos os seus ativos. “Esse número está em linha com o de todo sistema nacional [o que as empresas cobram em outros estados]”. Só este custo, de acordo com a empresa, é de R$ 480 milhões por ano.

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São valores altos de operação. Mas que não necessariamente mostram um afogadilho da empresa, já que ela aumentou seu lucro líquido (que são os ganhos já livres de despesas) em 5,9% nos últimos 12 meses (o valor é de R$ 726,67 milhões), quando comparado ao ano de 2017 (quando o lucro foi de R$ 686,17). “Não foi o que aconteceu com o bolso do consumidor, que absorveu o valor de investimento/manutenção”, diz Paolo Castro Ribas, economista e analista de mercados que atua em consultoria de serviços públicos.

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“Reajustes poderiam ter sido menos dolorosos”, diz analista

A empresa trabalha com tarifa uniforme. Ou seja, mesmo que uma ligação em um município afastado seja muito mais cara do que em Curitiba, esse custo será dividido também com os curitibanos. “O projeto de universalização é fundamental. Rede tratada de esgoto significa menos mortalidade e economia em saúde pública. Mas diversos outros fatores não trouxeram até aqui, sobretudo erro de política de governo, na era Requião, e governança pró-mercado, no caso de Richa. Os reajustes eram necessários. Mas não há como negar: poderiam ter sido menos dolorosos, caso melhor planejados”, defende o analista.

“Sabemos, como consumidores também, que a tarifa é cara. Mas é por conta da universalização, do reajuste que não veio... Em algum momento a conta vem”, define em tom de mea-culpa Joel Macedo. E, aparentemente, a conta continuará vindo.

Preços subiram no Brasil

O reajuste dos preços de água e esgoto deixou o brasileiro com um gosto amargo na boca de 2016 para cá. Na média do país, estes serviços ficaram 34% mais caros de janeiro de 2016 a agosto de 2018, de acordo com levantamento da Proteste – que leva em conta o Índice de Preços ao Consumidor Amplo (IPCA). Segundo a Associação Brasileira de Defesa do Consumidor, a inflação no período foi de 11%.

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Foram levados em conta os valores de 23 companhias que fornecem o serviço em 19 estados brasileiros. A Sanepar lidera o ranking, seguida da Embasa, que atua na Bahia – o reajuste foi de 107% para os baianos no período. Em nota, a empresa apontou que a Proteste “usa uma metodologia desvinculada da estrutura de cobrança da empresa”. Portanto, para a companhia, os valores não refletem a realidade.

Por outro lado, algumas companhias até reduziram seus preços. A Copasa e a Cesama, que dividem o saneamento em Minas Gerais, baixaram os valores em 66% e 50%.