Leon Peres: renúncia em meio a suspeitas de corrupção e caos nas contas.| Foto: Arquivo/ Gazeta do Povo

Caso as contas de 2016 do governador Beto Richa (PSDB) sejam reprovadas pelo Tribunal de Contas do Estado do Paraná (TCE-PR) na próxima quinta-feira (16), conforme recomenda o Ministério Público de Contas, não será um caso inédito. Mas isso ocorreu uma única vez na história do estado. Em 1972, o TCE reprovou as contas do ano anterior do então governador por causa da contratação de empreiteiras sem licitação, desequilíbrios nos gastos e outras irregularidades. A reprovação, porém, não teve efeitos práticos. O governador Haroldo Leon Peres já havia renunciado antes do fim de 1971 – tendo ficado menos de um ano no cargo.

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O relator das contas daquele ano era Rafael Iatauro. Ele foi conselheiro do TCE entre 1966 e 2005. “As contas dele [Peres] só Deus poderia aprovar, porque ele fez uma bagunça. Aquela não tinha jeito, nem com 100 mil ressalvas resolvia”, relembra. “Basta você ver a história. Ele foi indicado pelo presidente Médici, fez uma bagunça e, não passou um ano, teve que sair.”

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Iatauro diz que não lembra com detalhes de todos os motivos que levaram à rejeição das contas, mas alguns dos principais eram a contratação de empreiteiras sem licitação, termos aditivos irregulares em contratos e desequilíbrio entre arrecadação e despesa. “Ele não foi cuidadoso. Ele achou que era representante da ‘revolução’ [do golpe de 64] e poderia mandar em tudo”, resume.

Um ano conturbado

Leon Peres teve um mandato curto e conturbado. Indicado em março de 1971 pelo presidente Emílio Garrastazu Médici (na época, não havia eleições diretas para o cargo), ele logo entrou em conflito com os dois principais grupos políticos da época, dos ex-governadores Ney Braga e Paulo Pimentel. A isso somou-se uma acusação grave de corrupção. O empresário Cecílio do Rêgo Almeida gravou uma conversa na qual o governador solicitava propina de US$ 1 milhão.

À época, e também em entrevistas em anos posteriores, Leon Peres negou as acusações e sempre defendeu que nunca foi processado ou mesmo investigado. Entretanto, a crise política forçou que o governador renunciasse. Quem o substituiu foi Pedro Parigot de Souza, seu vice. Como de praxe, as contas foram julgadas pelo TCE no ano seguinte – e, portanto, sua rejeição não teve qualquer efeito político significativo.

Ricardo Oliveira, professor de Ciência Política da UFPR e autor do livro Genealogia do Poder Político Paranaense, diz que a queda de Leon Peres se deve mais à sua falta de enraizamento com a política tradicional paranaense do que, efetivamente, aos supostos atos de corrupção. Antes de ser governador, ele era um deputado de pouca expressão com base em Maringá, o que, na época, não era algo bem visto pela elite curitibana.

“Ele não possuía uma base de apoio na política paranaense. Foi uma indicação palaciana, do general Médici, que não consultou as principais lideranças da época”, explica o professor. Segundo Oliveira, o folclore político da época atribuía sua indicação ao fato de que ele era parceiro de carteado da primeira-dama do país, Scila Médici. No fim, a única decisão de impacto duradouro de sua breve passagem como governador foi a indicação de Jaime Lerner para a prefeitura de Curitiba – então pouco conhecido, ele teve longa carreira política.

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Em 20 anos, aprovação não foi unânime apenas em 2010 e 2015

A rejeição das contas do ex-governador Haroldo Leon Peres foi um ponto fora da curva na história do Tribunal de Contas do Estado do Paraná (TCE-PR). Não só a rejeição é rara; o simples fato de um único conselheiro votar contra a aprovação é algo que não ocorre com frequência. Nos últimos 20 anos, isso aconteceu em apenas duas oportunidades: os conselheiros Heinz Herwig e Jaime Lechinski votaram, em 2010, pela rejeição das contas de 2009 do governador Roberto Requião (PMDB); já em 2015, o conselheiro Ivens Linhares votou pela rejeição das contas de 2014 do governador Beto Richa (PSDB).

No primeiro caso, o relator das contas de 2009 do Executivo estadual, Fernando Guimarães, votou pela aprovação com ressalvas. Herwig apresentou voto em separado, sugerindo a reprovação total. “Fizemos ressalvas. Mas os problemas não foram resolvidos. Depois fizemos recomendações. Passamos a fazer determinações. Mas ainda não houve solução”, disse o conselheiro, à época. Entretanto, apenas Lechinski votou com Herwig. Os conselheiros Nestor Baptista, Artagão de Mattos Leão e Caio Soares seguiram o voto de Guimarães.

Já em relação ao último ano do primeiro mandato de Richa, Linhares apontou quatro irregularidades nas contas que justificariam sua rejeição integral. Três delas chegaram a constar como ressalvas no relatório final pela aprovação, que prevaleceu em plenário por 5 votos a 1. Linhares entendeu que o resultado nominal negativo, a falta de disponibilidade de caixa no final do exercício e o mau uso de recursos de fundos especiais não eram equívocos formais, mas irregularidades insanáveis. Ele apontou, ainda, que mais de R$ 100 milhões foram arrecadados pelo governo em uma venda de ativos, mas a destinação desse recurso não foi comprovada na prestação de contas. Ao final do julgamento, porém, optou-se pelo relatório de Durval Amaral, com 17 ressalvas, 18 determinações e 7 recomendações.

Haroldo Leon Peres teve um mandato curto e conturbado e ficou menos de um ano no cargo de governador.
Peres foi Indicado para governador do estado pelo presidente Emílio Garrastazu Médici em março de 1971.
Obras de construção do calçadão da Rua XV começaram no ano em que Peres assumiu e deixou o governo do Paraná.
Em 1971, Peres indicou Jaime Lerner para a prefeitura de Curitiba, então pouco conhecido, que teve longa carreira política.