| Foto: Osvalter Urbinati/Gazeta do Povo

Os termos do acordo de delação premiada dos donos da JBS, vistos pela opinião pública como muito vantajosos para a empresa e seus proprietários, levantaram a discussão: o crime, enfim, compensou para os corruptores? As perdas ao admitir a corrupção não foram muito menores que os ganhos obtidos com as ilicitudes? E isso não pode ser um sinal ruim na luta contra as relações promíscuas entre o setor privado e o público, estimulando a continuidade das más práticas em outras empresas?

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Desde que a JBS começou a pagar propina a agentes públicos com o objetivo de obter empréstimos generosos do BNDES para comprar outras companhias, por volta de 2006, a empresa multiplicou seu tamanho mais de 40 vezes. O faturamento da JBS naquele ano havia sido de R$ 4 bilhões. Em 2016, chegou a R$ 170 bilhões.

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Hoje, a Procuradoria Geral da República (PGR) exige que a JBS pague multa de R$ 11,169 bilhões para fechar o acordo de leniência, como é chamada a colaboração premiada das empresas – a JBS se recusou a pagar esse valor e propôs R$ 4 bilhões. O montante pedido pela PGR, embora expressivo, está muito aquém do ganho de escala que o frigorífico obteve no período em que financiou seu crescimento com dinheiro público obtido a partir da corrupção.

Para piorar a má impressão, o acordo de delação dos donos da JBS não prevê qualquer forma de prisão para Joesley e Wesley Batista, nem mesmo domiciliar. E a empresa também é acusada de manipular o mercado de ações e cambial ao mesmo tempo em que negociava a colaboração premiada.

Mudança no STF?

O Instituto Brasileiro do Direito de Defesa (Ibradd) protolocou na segunda-feira (22) um mandado de segurança no Supremo Tribunal Federal (STF) para anular a colaboração premiada dos donos da JBS, homologada pelo ministro Luiz Edson Fachin. Reportagem da sexta-feira (26) do jornal O Estado de S.Paulo informou que, no STF, há ministros que já admitem reservadamente rever os termos do acordo para estabelecer alguma punição a Joesley e Wesley Batista. Isso teria de ser feito pelo plenário do Supremo.

Críticas recorrentes

As críticas aos benefícios das delações nem mesmo se restringem ao caso da JBS. Na Lava Jato não são poucos os casos de delatores que deixaram a cadeia para viver, ainda que monitorados por tornozeleira eletrônica, em prédios ou condomínios de luxo.

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De modo bem menos estridente, o acordo da empreiteira Odebrecht com o Ministério Público Federal (MPF) também foi alvo dos mesmos questionamentos que são feitos no caso da JBS.

A Odebrecht cresceu de forma expressiva no período em que se beneficiou da corrupção, assim como a JBS. Em 2003, quando Lula chegou à Presidência, a empresa teve um faturamento de R$ 17,3 bilhões. Em 2015, fechou o ano com uma receita bruta de R$ 132,5 bilhões.

O acordo de leniência da Odebrecht, homologado na segunda-feira passada (22) pelo juiz Sergio Moro, também prevê multa bem abaixo do crescimento que ela teve no período. A empreiteira vai pagar multa de R$ 3,82 bilhões aos governos do Brasil, Estados Unidos e Suíça – dos quais R$ 3 bilhões para o poder público brasileiro.

Venda da empresa

No mês passado, o ex-presidente do Banco Central Gustavo Franco criticou o acordo de leniência da Odebrecht, antes mesmo de sua homologação. E defendeu que o grupo fosse “fatiado” e vendido a outras empresas. “A Odebrecht está fazendo um acordo de leniência pelo qual continuará a funcionar. Como é que pode? Que história é essa? Acho escandaloso”, disse.

Franco citou o Proer, programa federal da década de 1990 para salvar bancos em crise, como exemplo do que deveria ser feito nos casos de corrupção. Instituições bancárias em dificuldades financeiras, devido a problemas de gestão, receberam dinheiro público para serem salvas. Mas tiveram de ser vendidas. Foi o caso de bancos como Bamerindus, Nacional e Econômico. O princípio por trás do Proer era preservar as economias dos correntistas, empregos e a confiança no sistema financeiro nacional. Mas sem premiar os maus gestores.

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O ex-presidente do BC ainda sinalizou que o “prêmio” concedido à Odebrecht é negativo para o país. E advertiu: “Se não se resolver esse assunto adequadamente, dentro de algum tempo o mesmo se repetirá”.

O que diz a lei

A Lei Anticorrupção que fixa as regras para a colaboração premiada de empresas corruptoras é recente. Está em vigor desde 2014. Dentre as punições previstas, está a multa de até 20% do faturamento bruto anual da empresa. Em casos de reincidência, a companhia pode ser fechada. A legislação ainda prevê que o pagamento da multa não exime a empresa de promover a reparação integral do dano que causou. No caso da JBS e da Odebrecht, ainda não foram estabelecidos esses valores que as duas companhias terão de arcar.

Crime não compensa, mas caso da JBS é atípico

Coordenador do Centro de Estudos em Negócios do Insper, Paulo Furquim de Azevedo não acredita que os acordos de delação e leniência firmados pela Lava Jato passam a outras empresas a mensagem de que o crime compensa – embora ele considere que a situação da JBS é “atípica”. “Esse acordo certamente é merecedor de críticas. Não se deve dar esse nível de imunidade a quem exerceu função de liderança [no esquema de corrupção].”

Azevedo lembra que a colaboração parte do princípio de que a empresa ou a pessoa terá algum ganho caso aceite contribuir com a Justiça. Se não houver esse prêmio, haverá muito mais dificuldade para o país enfrentar os casos de corrupção.

Além disso, ele ainda diz que o Brasil ainda está passando por um aprendizado no uso dos acordos de delação e de leniência no combate à corrupção. E isso significa que ajustes podem vir a ser feitos no futuro.

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O coordenador do Insper ainda afirma entender que o caso da Odebrecht é diferente do da JBS. Os diretores da empreiteira foram afastados. E o ex-presidente do grupo, Marcelo Odebrecht, está preso – mesmo tendo firmado a delação.

Azevedo também não acredita que o fatiamento e a venda das empresas envolvidas em corrupção seja algo necessariamente vantajoso para a sociedade. “Ao punir a empresa, nós temos de ter o cuidado de não jogar o bebê fora junto com a água da banheira”, diz. Segundo ele, algumas empresas podem ser muito eficientes e, se forem fragmentadas, perdem essa característica. Isso pode resultar em demissões, o que é ruim para o país.

Precipitação

Professor de direito societário e governança corporativa, o advogado Marcelo M. Bertoldi, do escritório curitibano Marins e Bertoldi, avalia que é precipitado dizer que as empresas que firmaram os acordos acabaram tendo mais benefícios com a corrupção do que prejuízos com as multas que lhes são impostas.

“Há outros prejuízos para as empresas”, diz ele. Por exemplo: queda do valor de suas ações, perda de consumidores, dificuldades para obter crédito, danos altíssimos à imagem, desmotivação interna de seus funcionários. “Para continuar sobrevivendo, essas empresas vão ter de se reformular completamente. Elas viraram párias da sociedade”, afirma ele.

Bertoldi diz ainda que as multas que estão sendo impostas pelo Brasil são muito expressivas. Nos Estados Unidos, o valor mais elevado que uma empresa pagou por meio de um acordo de leniência foi o equivalente a R$ 2 bilhões – bem abaixo dos R$ 3,8 bilhões da Odebrecht e dos R$ 11 bilhões que estão sendo exigidos da JBS.

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“A legislação sempre pode ser aperfeiçoada. Mas a lei brasileira [de combate à corrupção é boa]”, diz Bertoldi. Para ele, o grande problema do Brasil é a estrutura da Justiça, que faz com que os julgamentos sejam morosos.