Pesquisa identificou, entre outras questões, discussão polarizada sobre torcer ou não pela seleção na Copa em face aos problemas do país| Foto: Daniel Castellano/Gazeta/Arquivo

“Isso aqui, ô ô, é um pouquinho de Brasil iá iá/deste Brasil que canta e é feliz.” Se estivesse vivo e atuante nas redes sociais, talvez Ary Barroso não escrevesse os versos que abrem “Isso aqui o que é”, composição de 1942 e gravada por nomes da MPB como João Gilberto, Caetano Veloso e Emílio Santiago. Pelo menos não com o mesmo entusiasmo.

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Pesquisa da FGV DDA analisou 484 mil retuítes, entre os dia 1.º e 13 de junho, e observou o tamanho do desalento do brasileiro demonstrado na rede social com a situação atual do país. Sistema político e classe política, democracia, segurança pública, educação pública, sindicatos, Forças Armadas, Judiciário, economia e serviços públicos são os “focos de desalento” que tiram a esperança e o sono do brasileiro, sem que haja um consenso sobre um único tema entre os diversos grupos que se formam a partir do posicionamento de influenciadores e dos assuntos comentados. E esse desalento contaminou inclusive a empolgação com a Copa do Mundo – que entrou nas discussões políticas do brasileiro.

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Violência e insegurança dão argumentos para pedidos de intervenção militar

Baseado na análise de diversos discursos adotados na rede social, o estudo identificou a formação de núcleos, por meio dos retuítes, a partir das discussões e do engajamento provocado por influenciadores, que podem ser políticos, celebridades ou veículos de comunicação, e pelos temas desenvolvidos.

“A análise do retuíte permite observar como a rede está dialogando”, explica Lucas Calil, pesquisador da FGV DAPP. Ainda que a discussão não se baseie em unanimidades, violência e insegurança apareceram nos debates de todos os grupos. O que, de acordo com o estudo, sinaliza que se trata de um problema que incomoda a todos, independentemente das matizes políticas e ideológicas ou posições sociais. Mais: oferece argumento para aqueles que pedem intervenção militar – cujo percentual é de 18%.

“O fato de a Copa do Mundo trazer essa impressão de ter começado de forma um pouco mais lenta, de não se observar visualmente nenhum tipo de empolgação, também se faz evidente na observação de como o torneio foi usado por grupos diferentes, pessoas com posições políticas e eleitorais diferentes, como comparativo em relação a situações diferentes da sociedade brasileira em geral”, informa.

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Da Copa do Mundo à preservação da democracia

A partir das discussões, a pesquisa estabeleceu uma divisão de grupos, definidos no gráfico acima: 7% travam debate polarizado entre os que defendem assistir à Copa do Mundo e os que compreendem a situação ruim do país, em todas as áreas, e que rejeitam a seleção brasileira como manifestação contrária ao sistema político e aos políticos.

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“O grupo amarelo foi muito engajado a partir de determinados perfis de influenciadores que fizeram piada sobre essa pequena polarização entre pessoas que engajavam outras a não torcer pela seleção por causa da situação política, e grupos que defendem a torcida pela seleção como não excludente em relação a ter um pensamento político, crítico quanto ao que está acontecendo no país”, detalha Calil. O monitoramento identificou que houve quem comparasse o IDH (Índice de Desenvolvimento Humano) do Brasil com o de seus adversários na Copa, como o da Suíça, por exemplo, primeiro desafio da equipe de Tite no mundial.

Já 11% ironizam a diferença entre países do primeiro mundo com serviços de qualidade e a seleção brasileira, que briga na Rússia para chegar ao sexto título mundial. Essa turma ainda satiriza a torcida pelo Brasil na Copa, como se a vitória compensasse a desesperança nos políticos e os problemas no serviço público.

O grupo que corresponde a 10,4% debate sem esperança a perspectiva de arrumar emprego e a diferença abissal entre os privilégios oferecidos pelo serviço público e o restante da população, sem estabilidade, pensões e demais privilégios. Nesse núcleo, 10,4%, aparecem críticas a quem defende a atuação dos militares no governo como antídoto para os problemas da democracia.

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O núcleo de 12,3% relaciona o desânimo com a Copa do Mundo à crise institucional do país, e destaca o desemprego e a greve dos caminhoneiros como aspectos que tiram o ânimo da competição.

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Há um grupo com posicionamento político mais evidente, de esquerda, correspondente a 12,8% dos retuítes analisados, que manifesta o desânimo com a crise política e econômica e se preocupa com o apoio popular à ideia de intervenção militar. Esse grupo está preocupado com a preservação da democracia, aponta a análise.

Já para o grupo mais alinhado à direita, que representa 18% da estratificação (de cor verde), a corrupção é a maior causa da falta de esperança. Rejeitam a classe política como um todo, fazem críticas ao judiciário, incluindo os privilégios, entendem o sistema eleitoral como corrupto e desconfiam das eleições deste ano, além de criticar a imprensa e acusá-la de ser tendenciosa à esquerda.

“Essa manifestação de tantos incômodos é, na verdade, o brasileiro também usando o espaço das redes sociais para manifestar esse tipo de consternação, seja de forma mais crítica, reclamando de violência, por exemplo, seja com o uso de recursos narrativos, como a piada, o meme”, sintetiza Calil.

Vitória na Copa e resultado das eleições podem mudar humor?

A pesquisa não fez nenhuma projeção sobre uma possível mudança no humor do brasileiro queixoso via twitter caso a seleção brasileira conquiste o hexa. Mas Calil já percebe um interesse maior no torneio, na equipe e em uma possível melhora de desempenho ao longo dos jogos.

“Ela [a Copa] pode modificar o humor dos brasileiros em relação ao debate nas redes sociais, mas não de forma isolada”, avalia. “Não acho que seja um componente, pelo menos a curto prazo, tão único que vai modificar a percepção em relação a outras questões e outros fatores”, pondera.

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Para o pesquisador, não será um eventual fracasso no torneio ou uma a euforia por bons resultados obtidos na Copa do Mundo que deve mudar de forma substancial o debate nas redes sociais quanto aos demais problemas enfrentados no dia a dia do brasileiro. “Porque se continua o desemprego, a preocupação com questões tributárias, com o preço dos combustíveis, a segurança preocupante e a falta de confiança nas instituições e no processo político, a manutenção desses focos de desalento e desesperança, não imagino que sejam sozinhas anuláveis só pelo resultado da seleção”.

Já quanto o resultado das eleições, algo que pode mudar de fato a vida de um país, o pesquisador até enxerga a possibilidade de alteração nas discussões do brasileiro via twitter. Mas com tanto tema a tirar a esperança da população, seria necessário uma mudança que trouxesse novamente a confiança na economia, nas instituições e na classe política.

“São elementos diferentes do estado brasileiro que estão nesse debate.  Havendo um evento como as eleições, é possível que haja mudança no humor, mas é preciso, a longo prazo, que seja acompanhada de outras mudanças reconhecíveis na percepção dos brasileiros”, entende Calil.