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Indústrias, planos de saúde, agronegócio, evangélicos e funcionalismo público estão entre os principais grupos de lobbies do Congresso | Marcos Oliveira/Agência Senado
Indústrias, planos de saúde, agronegócio, evangélicos e funcionalismo público estão entre os principais grupos de lobbies do Congresso| Foto: Marcos Oliveira/Agência Senado

Indústria, construtoras, planos de saúde, agronegócio, funcionalismo público. Você tem a impressão de que todo mundo parece ter um pedacinho do Congresso Nacional para chamar de seu, menos você? O motivo para isso é que esses grupos de influência conseguem se organizar de tal maneira que participam ativamente do processo legislativo e, por consequência, da elaboração de políticas públicas que vão afetar todo o país.

Essa articulação é chamada de lobby, atividade que, por não ser regulamentada no Brasil, traz pouca transparência nas relações entre os grupos de influência e os responsáveis pela elaboração de leis no país. Por isso, é importante entender a atuação e as pretensões desses – e de outros – grupos no Congresso na hora de decidir quais candidatos se pretende eleger em outubro. Afinal, praticamente todo parlamentar em Brasília tem na agenda de prioridades pautas defendidas pelo lobby.

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A palavra lobby vem do inglês e significa “antessala”, “salão” e é usada para definir a pressão que é exercida por alguém ou por um grupo que tenta, baseado em seus interesses, influenciar um determinado indivíduo que é tomador de decisões. O termo começou a ser usado nos Estados Unidos, já que esses grupos ficavam no hall de entrada do Congresso para conversar com os parlamentares e convencê-los de suas propostas.

Nem sempre o lobby tem a ver com dinheiro. Grupos de influência podem fazer lobby por pautas relacionadas a costumes, por exemplo. Outro exemplo é a bancada da bala, que tem bandeiras como a redução da maioridade penal, que não envolve necessariamente recursos financeiros.

O Ministério Público Federal (MPF) fez lobby para a aprovação das Dez Medidas Contra a Corrupção, que acabaram destruídas no Congresso. Os procuradores da Lava Jato também usaram o capital político da operação junto à população para tentar barrar o projeto de lei de abuso de autoridade, ameaçando abandonar as investigações. Mas também há grupos que buscam melhores condições econômicas através da pressão política.

Jogo democrático

Especialista em políticas públicas, Bruno Carazza estuda grupos de influência que atuam no Congresso Nacional. Ele destaca que a falta de regulamentação torna a atividade pouco transparente, mas destaca que a prática faz parte da democracia. “O lobby, na verdade, não é uma coisa demonizável. Faz parte do jogo democrático um grupo defender seus interesses perante o parlamento”, diz.

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“Se eu tenho uma defesa de uma política pública que eu entenda que é importante, não tem problema que fique claro”, defende o presidente da Associação Brasileira de Relações Institucionais e Governamentais (Abrig), que representa os lobistas, Guilherme Cunha Costa. Segundo ele, há cerca de 4 mil profissionais do ramo no Brasil – cerca de 1600 apenas atuando no Congresso.

A Primeira Secretaria da Câmara mantém um cadastro de lobistas que atuam no Congresso Nacional. A Gazeta do Povo entrou em contato com a Câmara, mas os dados não estão públicos. A Primeira Secretaria não informou sequer o número de profissionais cadastrados para atuar na Casa.

Como identificar o lobby

Como a atividade não é regulamentada e a Câmara não é transparente nesse aspecto, não é fácil identificar a influência do lobby de grupos de interesse no Congresso Nacional. A forma de estimar essa influência, segundo Carazza, é através de variáveis indiretas, como doações de campanha e o estudo de bancadas e de frentes parlamentares. “[As frentes] são grupos multipartidários de parlamentares que atuam no Congresso de forma organizada”, explica o especialista. Atualmente, há 339 Frentes Parlamentares registradas na Câmara dos Deputados, com os mais variados temas – de segurança pública à defesa dos animais.

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O lobby da indústria é um dos mais influentes no parlamento e essa capacidade de pressionar o governo vem de décadas. Ainda em 1942, os industriais conseguiram convencer o então presidente Getúlio Vargas da necessidade da criação de um programa social e de formação profissional, o que deu origem, mais tarde, ao Sistema S. Entidades da indústria, como a Federação das Indústrias do Estado de São Paulo (Fiesp) também tiveram um papel importante no cenário de aprovação do impeachment da ex-presidente Dilma Rousseff (PT), em 2016.

Distorções e privilégios

Carazza destaca que, apesar de legítima, a atuação de grupos organizados no Congresso acaba criando distorções e privilégios para determinados setores. “Como esses grupos são muito influentes, ao longo do processo legislativo os representantes desses setores acabam conseguindo inserir nos projetos de lei diversos dispositivos que acabam beneficiando a eles e não ao interesse maior da coletividade”, destaca o especialista.

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Um caso que ilustra bem o que Carazza quer dizer é o benefício conquistado por empresas do setor de bebidas neste ano. O setor tem quatro empresas no ranking dos 50 maiores doadores de campanha em 2014, com uma contribuição total de R$ 127,6 milhões para todos os concorrentes.

Só a Ambev doou, sozinha, R$ 32 milhões para candidatos à Câmara. A influência do setor no Congresso pode ser observada na votação das pautas-bomba antes do recesso, em julho. Entre as medidas votadas está a concessão de um benefício fiscal para fabricantes de refrigerantes que vai custar R$ 1,7 bilhão por ano para o governo federal.

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Outro grupo que exerce uma influência significativa no Congresso é o agronegócio. Entre as conquistas da bancada ruralistas está, por exemplo, a derrubada do veto presidencial de alguns pontos do Programa de Regularização Tributária Rural, o chamado Refis Rural. O presidente Michel Temer havia barrado o perdão de 100% das multas e encargos dos débitos referentes ao Fundo de Assistência ao Trabalhador Rural (Funrural). A decisão do Congresso representa uma perda de R$ 15 bilhões para os cofres públicos.

Carazza explica de forma mais clara como o lobby trabalha em busca de benefícios – algumas vezes indefensáveis – para determinados setores. “Se você pegar a tramitação das principais Medidas Provisórias (MPs) editadas e aprovadas desde a Constituição, você vai ver que em vários casos, entre o momento em que foram editadas pelo presidente da República e o momento em que são aprovadas pelo Congresso, há inserção de uma série de medidas nessas MPs, muitas delas sem nenhuma coerência com o objetivo geral da MP, destinando tratamento tributário diferenciado, flexibilização de regulação, subsídios, para diversos setores. São os famosos jabutis”, explica.

Lobby e a corrupção

Uma consequência da falta de transparência na atividade dos lobistas, já que a atividade não é regulamentada no Brasil, é que em alguns casos essa influência se dá através da corrupção. No início de agosto, por exemplo, a Lava Jato denunciou os ex-ministros da Fazenda Guido Mantega e Antônio Palocci por lavagem de dinheiro e corrupção na edição da MP da Crise, em 2009. Moro tornou Mantega réu e rejeitou a denúncia contra Palocci por falta de provas.

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As MPs permitiram à Braskem a compensação de prejuízo com débitos tributários decorrentes do aproveitamento indevido de crédito ficto de IPI, cujo reconhecimento havia sido negado anteriormente por decisão do Supremo Tribunal Federal. A empresa foi uma das grandes doadoras de campanha, até a prática ser proibida pelo STF em 2015. Em 2014, por exemplo, a Braskem distribui R$ 28,3 milhões entre os candidatos.

Ao fechar acordo de colaboração premiada na Lava Jato, a Odebrecht expôs uma série de negociatas para a aprovação de medidas do interesse do grupo no Congresso. Segundo o depoimento de executivos, na última década, empreiteira agiu sobre ao menos 12 Medidas Provisórias e um projeto de resolução do Senado. A articulação custou – ao menos – R$ 18,1 milhões em repasse a parlamentares, além de doações milionárias para campanhas. Como contrapartida, a empresa se beneficiou com redução de impostos, benefícios fiscais e a obtenção de contratos para suas subsidiárias.

Ex-presidente da Andrade Gutierrez, Otávio Marques de Azevedo revelou, em sua delação, que o ex-presidente da Câmara e deputado cassado Eduardo Cunha (PMDB-RJ) atuou em favor da empresa na tramitação de nove MPs no Congresso. Cunha defendeu os interesses do grupo atuando como relator, apresentando emendas e utilizando sua influência até quando já era presidente da Casa. A atuação de Cunha ocorria principalmente em MPs de temas tributários.

O lobby “do bem”

Mas nem todo resultado da influência de grupos organizados no Congresso é necessariamente ruim. A bancada da Saúde, por exemplo, apesar de ter membros que patrocinam interesses privados, como dos planos de saúde, conseguiu uma conquista importante ao agir em bloco na Câmara. Na legislatura anterior, que começou em 2011 e terminou em 2014, a bancada conseguiu, por exemplo, a destinação de recursos do pré-sal para a saúde e a obrigatoriedade de os parlamentares destinarem uma parcela do valor de emendas para o setor.

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O mesmo ocorreu com a bancada da Educação, que mesmo tendo pontos de divergência entre os membros, conseguiu aprovar o Plano Nacional de Educação, que garante 10% do PIB para o setor.

Regulamentação traria mais transparência

Para Carazza, entre os principais problemas do lobby no Brasil está a falta de regulamentação da atividade. “Como o lobby não é regulamentado, a atuação não é transparente. É uma coisa muito de bastidor, não fica muito as claras quem representa quem para o público em geral”, ressalta.

Para o especialista, a proibição do Supremo Tribunal Federal (STF) para que empresas possam fazer doações a campanhas, em vigência desde 2016, é um retrocesso na tentativa de deixar a atuação de grupos de influência mais transparentes. “A gente não vai mais poder fazer esse controle”, lamenta o especialista. Para ele, a doação de pessoas jurídicas é importante para a fiscalização.

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“A gente necessita ter um ambiente regulado para que a gente possa ter a informação de como os setores estão se organizado e como estão atuando”, defende Costa. Para o presidente da Abrig, a atuação dos profissionais é importante. “O governo brasileiro hoje é responsável por administrar mais de 50% do PIB no pais. É óbvio que as empresas têm que se relacionar com esse ente que é o maior ator da economia nacional”, ressalta.

Um projeto em tramitação no Congresso regulamenta a profissão de lobista no Brasil e está pronto para ser votado no plenário da Câmara. A proposta é do deputado Carlos Zarattini (PT-SP) e está tramitando desde 2007.

SAIBA MAIS sobre o lobby das empresas

O texto prevê que qualquer pessoa, física ou jurídica, pública ou privada, poderá exercer a atividade de agente de relações institucionais e governamentais – o lobista. Para atuar junto ao Legislativo e ao Executivo federais, os profissionais terão que pedir um cadastro, que garantirá o direito de apresentar aos tomadores de decisão sugestões de emendas e substitutivos.

Em fevereiro, o Ministério do Trabalho incluiu o lobby na lista de atividades reconhecidas como ocupação, mas ainda não há uma lei específica que determine o que pode ou não ser feito por esse profissional.

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