| Foto: Miguel Schincariol/AFP

O setor elétrico está neste momento na porta de uma máquina do tempo, de volta ao ano de 2013, durante o governo petista de Dilma Rousseff. Retornar ao passado, neste caso, significaria mais uma vez represar investimentos, manter insegurança jurídica e privilegiar os arranjos políticos em um ano eleitoral.

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A derrubada da medida provisória (MP) 814, na terça-feira (22), que tratava da privatização da Eletrobras e de suas distribuidoras, é a principal prova disso. A matéria precisaria ser aprovada antes do dia 1º de junho na Câmara e no Senado para não perder validade, mas discordâncias em relação ao texto do relator Júlio Lopes (PP-RJ) fizeram o presidente da Câmara Rodrigo Maia (DEM-RJ) anunciar que deixará a MP caducar. A decisão tornou incerto o futuro da reforma do setor elétrico no Congresso.

“Meu temor: entra um novo governo, com novas composições. O que vai acontecer? Vai começar do zero”, indaga Mário Menel, presidente do Fórum das Associações do Setor Elétrico (FASE), organizador do 15º Encontro Nacional de Agentes do Setor Elétrico (Enase).

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O retrocesso que o congelamento do setor elétrico no estágio atual traria para a população não é trivial. Energia elétrica é a base para o desenvolvimento e crescimento da economia do país. As entidades do setor elétrico que participaram do maior evento setorial nesta quarta-feira (23), no Rio de Janeiro, estão preocupadas com essa incerteza.

Sem a reforma do setor (que foi debatida desde 2016 amplamente na Consulta Pública 33, feita pelo Ministério de Minas e Energia) faltará base legal para o futuro, mantendo o setor estacionado, sem olhar para pontos como abertura de mercado, geração distribuída, geração por fontes renováveis e modernas, separação dos custos dentro da conta de luz e redução dos subsídios. A equipe de técnicos que chegou com o governo Michel Temer não terá conseguido entregar nada.

Sem a reforma do setor elétrico, técnicos do setor avaliam que a conta de luz pode subir acima da inflação. Para 76% dos participantes do evento, sem a reforma do marco legal, a energia elétrica deve subir acima da inflação, segundo pesquisa realizada pelo grupo Canal Energia durante o Enase.

“O Brasil precisa desesperadamente de um avanço, desenvolvimento. E para isso precisamos de energia, investimento. A minha esperança era criar um ambiente amigável para investimentos. Hoje o investidor está retraído. Ou ele tem uma enorme curva de aversão ao risco, ou ele é mais prudente, e eles estão aguardando”, disse Menel.

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Entre a política e os problemas

A queda da MP 814 mostra a dificuldade de se depender do Congresso, em ano eleitoral, para resolver problemas urgentes. Inicialmente, o texto tratava de problemas das distribuidoras da Eletrobras. Mas quase 30 pontos a mais foram incluídos na comissão especial que tratou do tema, criando novos benefícios, fundo milionário para demitidos das distribuidoras, aumento do preço da energia da usina de Angra 3, e até projeto que tirava dinheiro do fundo do pré-sal para saúde e educação para construir gasodutos. Tantas concessões levaram a MP a ser derrubada pelo presidente da Câmara.

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Pressões políticas e divergências atrapalharam a definição para pendências bilionárias das distribuidoras de energia elétrica da Eletrobras, um dos principais pontos da MP. Sem isso, caminha-se para a liquidação de algumas dessas empresas. Neste tema também fica clara a divisão entre o time pró-mercado/pró-consumidor, contra o time que prefere levar as coisas como estão durante o ano eleitoral, sem tocar na privatização das distribuidoras. Sem solução para o rombo da distribuidora Amazonas Energia, já há quem defenda a liquidação da empresa.

“Caminhamos para a liquidação. O Congresso foi absolutamente irresponsável. A relatoria da MP exagerou. Mas essa é uma solução de longo prazo, que precisaria ser decidida pelo Poder Executivo. Este é um jogo político. O acionista da Eletrobras já decidiu, pela liquidação”, afirmou a economista Elena Landau, ex-conselheira da Eletrobras e uma das palestrantes do evento.

Em outro lado, os representantes das empresas demonstram preocupação sobre quais são as outras possibilidades que se costuram em Brasília, para evitar a liquidação da empresa, pior cenário para credores e até mesmo funcionários das distribuidoras. Em ano eleitoral, o Congresso e o Poder Executivo podem preferir atender a pleitos políticos para manter as distribuidoras sobrevivendo em uma espécie de UTI, com custos cobertos pelos consumidores de todo o país, como está desde 2016, quando a Eletrobras devolveu a concessão dessas seis empresas.

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Risco hidrológico

Outro tema urgente que demandará uma solução-esparadrapo é a solução do risco hidrológico, uma dívida que já chega a R$ 7 bilhões e trava pagamentos a geradores e caiu junto com a medida provisória.

As associações agora pensam como farão para que isso seja resolvido. Uma ideia é limpar a MP, que ainda tem mais duas semanas de validade, deixando apenas a solução do risco hidrológico, e apressando sua votação. As entidades depositam suas esperanças por essa solução sobre o ex-ministro de Minas e Energia, o deputado Fernando Coelho Filho (DEM-PE), que poderia levar a ideia ao Congresso e a Rodrigo Maia.

Mas preocupam as entidades a sinalização do que será o futuro do setor, na CP 33. Mário Menel afirma ainda ter esperança de que o tema seja conduzido em projeto de lei no Congresso, junto com o tema da portabilidade da conta de luz, com relatoria do deputado Fábio Garcia (DEM-MS).

Mas aqui também há uma divisão entre o que pensa o governo e o que quer o setor: enquanto as entidades querem que a proposta debatida na consulta seja levada integralmente, pela interligação e interdependência entre os assuntos, há dentro do governo uma ala que defende o fatiamento das propostas, transformando em decretos ou resoluções, que não dependem do Congresso.

“Esse plano, de tentar colocar via decreto ou regulamentação, não sei exatamente qual é, o que ele está pretendendo. Provavelmente é um plano B, para destravar o mercado. A lei te dá uma segurança maior. Você tem um foro maior para debater que é o Congresso, para você externar sua posição. O Poder Executivo é mais restrito porque depende de ele querer ou não, ele pode querer canetar. Isso traz uma certa insegurança para os investidores ou para quem está militando no setor e já fez investimentos”, disse Menel.

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Representando o ministro Moreira Franco, o presidente da Empresa de Pesquisa Energética (EPE), Reive Barros, afirmou na abertura do evento que se estudam “aspectos infralegais” que possam ser feitas para tocar a reforma do setor elétrico sem depender totalmente do Congresso.

O governo Temer entrou na sua reta final e o setor teme ver que foram perdidos os últimos dois anos, com a reforma da Eletrobras ameaçada e riscos de a reforma do setor elétrico ser fatiada ou esquecida, e de que a política chegue em uma concertação para empurrar com a barriga o problema das distribuidoras da Eletrobras, em um Congresso preocupado com eleição.