“Cabeça preta”, a deputada Mariana Carvalho (PSDB-RO) fez a leitura da denúncia contra Michel Temer na Câmara.| Foto: Lula Marques/AGPT

“Tem que ser bem ousada”, diz, sorrindo, a deputada Mariana Carvalho, 30, em seu amplo gabinete da 2ª Secretaria da Câmara, em que ocupou uma parede inteira com uma foto do rio Madeira.

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“Tem pessoas que acham que você tem que esperar na fila. Vejo gente aqui há seis mandatos que nunca teve destaque. Eu acho que quem faz o momento somos nós.”

Ela comenta que, com o aparelho fixo recém-colocado nos dentes, ficou com cara “de mais novinha ainda”. “Eu sou de Rondônia, sou mulher, sou jovem. E hoje nem posso dizer que sinto preconceito.”

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Mariana obteve 416 votos para compor a Mesa Diretora sem o apoio de seu partido. Lançou candidatura avulsa quando desconfiou de que o PSDB não daria espaço para que disputasse com Carlos Sampaio (SP), que acabou se retirando da eleição.

A atitude de Mariana – deputada responsável pela leitura da denúncia contra o presidente Michel Temer na Câmara – ilustra o comportamento dos chamados “cabeças pretas”, grupo de cerca de dez deputados jovens do PSDB, que, chegando à reta final de seus primeiros mandatos, começam a pensar no futuro político.

Antes mais descontraídos, agora eles lutam por espaço dentro e fora do partido. Ao forçarem a discussão sobre a saída do PSDB do governo, voltaram a atrair holofotes em momento de desgaste dos líderes tucanos tradicionais.

Veem na crise uma janela de oportunidades. “Estou animado com o momento político do Brasil”, afirma Pedro Cunha Lima, 28, deputado pela Paraíba. “É preciso explicar isso, eu sei. Estou animado, porque há espaço para uma nova construção.”

Primeiro vice-líder do PSDB na Câmara, ele diz que se “cobra para tentar, sei lá, botar mais a cara. Algum movimento vai pegar, não é possível que a gente fique nessa carência de alternativa”.

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Não que a briga por espaço seja uma “guerra” no partido, pondera Daniel Coelho (PE), 38. Ele elogia Aécio Neves (MG), presidente afastado do PSDB, e Ricardo Tripoli (SP), líder na Câmara, por terem dado espaço aos novatos. Fato é que a longa temporada na oposição favoreceu a renovação, afirma ele.

Mas, alertam os cabeças pretas, não basta ser jovem para pertencer ao grupo. É preciso demonstrar uma atitude de contestação e independência. Arthur Virgílio Bisneto (AM), 37, por exemplo, é criticado pela influência de seu pai, Arthur Virgílio (PSDB), prefeito de Manaus.

Shéridan (RR), 33, também não integra o grupo. Diz que o “maior cabeça preta de todos” é Fernando Henrique Cardoso, por quem se diz “apaixonada” e de quem tem uma foto no gabinete.

O próprio Cunha Lima era visto com resistência. Filho do senador Cássio Cunha Lima (PSDB-PB), só ganhou a confiança dos colegas ao mostrar que segue a própria linha.

Nem todos são contra Temer

Apesar de ser a bandeira mais visível dos cabeças pretas, a oposição ao presidente Michel Temer não é consensual. O mineiro Caio Nárcio, 30, um dos articuladores do grupo e presidente da Comissão de Educação da Casa, acha que trocar o presidente não trará a estabilidade de que o país precisa.

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Para os demais, já passou tanto da hora de Temer sair que a discussão se esgarçou. “Temer para o Brasil para fazer um pronunciamento em que só fala dele mesmo. Meu irmão, você tem que fazer um pronunciamento para falar do Brasil”, critica Cunha Lima.

Consensual mesmo é a agenda econômica. “Passou a fase em que o PT xingava o PSDB de neoliberal. Hoje, ninguém nesse grupo se incomoda de ser chamado de liberal, pelo contrário”, diz Daniel Coelho, 38.

Das conversas sobre o assunto resultaram projetos de lei como o do Voucher Creche, coassinado por Coelho, Cunha Lima e Pedro Vilela (AL). Em tramitação, o texto prevê a compra de vagas na rede particular para suprir o deficit de creches no país, uma proposta liberal clássica.

Noitadas ficaram para trás

A vida social, garantem, restringe-se a almoços, cafés e viagens em família. As noitadas do início do mandato se tornaram escassas, não apenas pelo trabalho, mas também pelo temor de que tenham a juventude confundida com irresponsabilidade.