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Deputado Alceu Moreira é o mais cotado para relatar a PEC das Indenizações em Comissão Especial.
Deputado Alceu Moreira é o mais cotado para relatar a PEC das Indenizações na Comissão Especial.| Foto: Divulgação/Frente Parlamentar da Agropecuária

Mesmo contando com a derrubada dos vetos do marco temporal a bancada do agronegócio deve continuar a buscar a aprovação de propostas legislativas que dificultem novas demarcações de terras indígenas no país. A próxima aposta do agro deve ser a Proposta de Emenda à Constituição (PEC) 132/2015, que trata das indenizações a proprietários de terras em áreas demarcadas, a chamada PEC das Indenizações.

A PEC 132 busca garantir que haja indenização paga pelo governo federal aos produtores rurais que tiverem terras demarcadas como indígenas. A ideia é que as indenizações se tornem tão caras que o governo desista ou diminua o apetite para demarcar grandes novas áreas indígenas.

A proposta prevê que proprietários de imóveis rurais sejam indenizados tanto pela terra nua quanto por benfeitorias construídas nelas, como casas, lavouras, entre outras. Hoje, quem tiver terras em áreas que forem demarcadas como indígenas tem direito apenas à indenização pelas benfeitorias.

Com a mudança na legislação, o valor desembolsado pelo governo nos processos de demarcações deve subir expressivamente. Mas, mesmo que a PEC eleve o custo das novas demarcações, ela não deve impedir que o processo continue.

Atualmente, há processos de demarcação em tramitação em praticamente todos os Estados brasileiros. Somente em Santa Catarina um levantamento feito pela Secretaria de Agricultura estimou que as terras que podem ser transformadas em reservas indígenas valem mais de R$ 1,2 bilhão, considerando o seu valor venal, ou seja, de venda. Esse seria o valor de venda dos 1.421 imóveis rurais que compreendem ao todo pouco mais de 58 mil hectares a serem demarcados em SC, sem levar em conta as benfeitorias que já tem indenização garantida na Constituição.

Segundo a Fundação Nacional dos Povos Indígenas (Funai), há 132 possíveis demarcações de terras indígenas em andamento no país. A maioria está situada nas regiões Norte e Centro-Oeste, que têm 34 áreas em estudo cada. Nessas regiões, lideram o ranking de maior número de áreas em estudo os estados do Mato Grosso do Sul com 17 e o Amazonas com 16. A terceira região com mais áreas ameaçadas é o Sul, com 33 áreas que podem se tornar terras indígenas, sendo que 23 ficam no Rio Grande do Sul. Não há estudos públicos sobre quanto isso pode custar ao governo se a nova PEC passar no Congresso.

A proposta foi aprovada no Senado e depois analisada pela Comissão de Constituição e Justiça e de Cidadania (CCJC) da Câmara. No dia 8 de novembro, o presidente da Câmara dos Deputados, Arthur Lira (PP-AL), deu a autorização para a criação da Comissão Especial para análise da medida. Agora os partidos têm que fazer as indicações de membros para compor o colegiado. Ainda não há data para início dos trabalhos.

Apresentada em 2011, pelo então senador Paulo Bauer (PSDB-SC), a PEC 132 precisou de quatro anos de debates para ser aprovada no Senado. Após ser enviada à Câmara em 2015, foi aprovada na Comissão de Constituição e Justiça e de Cidadania (CCJC) em 2016 e desde então aguardava a criação de uma comissão especial para debater o tema.

Com meio caminho andado, por já ter sido aprovada no Senado, a PEC precisa apenas passar pela análise da Comissão Especial para ir à votação em plenário. Lá, precisará de 308 votos de deputados favoráveis em dois turnos.

Provável relator da PEC das Indenizações afirma que objetivo é “frear onda de demarcações” 

Os vetos ao projeto de lei do marco temporal motivaram a reação da bancada do agronegócio no Congresso Nacional com a movimentação de propostas sobre o tema. A PEC das Indenizações teve apenas que ser movimentada novamente, pois já estava em tramitação.

Questionado sobre as estratégias para aprovação da proposta e se esse seria um plano alternativo ao proposto no marco temporal, Alceu Moreira (MDB-RS), da Frente Parlamentar da Agropecuária, foi categórico: “A PEC 132/2015 é um dos dispositivos sobre os quais vamos trabalhar com o objetivo de frear a onda de demarcações pelo país. Portanto, não se trata de um plano B, já que não reconhecemos, sob nenhuma hipótese, a legitimidade dos laudos antropológicos [usados para fundamentar a demarcação de reservas pós-Constituição de 1988], que são todos fraudulentos. Não se corrige uma injustiça cometendo outra”, disse o deputado gaúcho.

Além da PEC das Indenizações, a Frente Parlamentar da Agropecuária conseguiu protocolar uma nova PEC do marco temporal. Apresentada pelo senador Dr. Hiran (PP-RR), a PEC 48/2023 retoma a discussão sobre o marco temporal da promulgação da Constituição Federal como baliza para a demarcação de terras indígenas. Sendo assim, apenas quem estava na área em 5 de outubro de 1988 tem direito à terra.

Foco em indenizações pode resolver questão de terras por não invocar ideologia

Apesar de sofrer resistência por parte dos partidos de esquerda, a PEC deve encontrar apoio em parte do governo. A avaliação de interlocutores do Palácio do Planalto é de que essa seria uma forma de resolver a questão pelo meio orçamentário, sem esbarrar tanto em interesses ideológicos.

Ao encarecer o processo de demarcação de terras indígenas com as indenizações a propriedades rurais, os parlamentares da bancada do agronegócio acreditam que conseguirão frear as novas demarcações. Interlocutores da bancada do agro afirmam que a falta de orçamento do governo seria um dos fatores que favoreceriam a aprovação da proposta.

Eles também apontam que a indenização de terras produtivas que são pretendidas por indígenas no Brasil são impraticáveis, dado o alto valor das mesmas. Além do estudo que estima em R$ 1,2 bilhão o valor de indenizações para reservas em Santa Catarian, há estimativas sobre o valor a ser pago a proprietários no Rio Grande so Sul.

Trata-se da Terra Indígena Rio dos Índios, em Vicente Dutra, no Rio Grande do Sul. Um levantamento com dados aproximados levou a um valor de pelo menos R$ 50 milhões pelos pouco mais de 700 hectares que foram destinados aos indígenas em demarcação homologada por Lula em abril. Um levantamento feito pela Federação de Agricultura do Rio Grande do Sul (Farsul) aponta que há pelo menos 96 mil hectares em fase de estudo, discussão administrativa ou judicial para demarcação como terra indígena.

É importante observar que esses valores são baseados no valor venal das terras, ou seja, o valor de mercado que teriam se fossem comercializadas pelos produtores. No caso da PEC das Indenizações, a proposta prevê que seja pago o valor da terra nua. "Neste caso, não se consideram os valores reais da terra ou a sua aptidão para determinadas atividades. São usadas tabelas referenciais, utilizados como parâmetro para a declaração do ITR [Imposto sobre a Propriedade Territorial Rural], que é mais baixo do que o valor venal", explica o consultor jurídico da Farsul, Frederico Buss.

Resistência à proposta, no entanto, já foi enfrentada quando a tramitação ocorreu no Senado. A PEC 132 fez parte da chamada “Agenda Brasil”, um pacote de medidas apresentado pelo então presidente do Senado, Renan Calheiros (MDB-AL), com o intuito de “tirar o Brasil da crise”. A proposta fazia parte do eixo de “melhoria do ambiente de negócios e infraestrutura” da Agenda Brasil e foi incluída na pauta de votações prioritárias do Senado. A intenção era “modernizar a legislação referente à aquisição de terras por estrangeiros e compatibilizar a atividade produtiva e comercial em terras indígenas”.

Na época, a proposta foi criticada por organizações não-governamentais (ONGs) ambientalistas. Em documento assinado por 13 entidades, a Agenda Brasil foi acusada de "aprofundar os retrocessos em questões socioambientais, rifando os direitos territoriais indígenas e a regulação ambiental e colocando o país na contramão das respostas que exige a crise climática". Apesar da pressão, a PEC foi aprovada no Senado em setembro de 2015.

Bancada do agro deve dominar Comissão Especial da PEC das Indenizações 

A autorização para que a Comissão Especial fosse criada e pudesse debater a PEC das Indenizações foi anunciada após a obstrução promovida por partidos de oposição e frentes parlamentares que se uniram para construir uma pauta para atender aos interesses de bancadas como a do agronegócio neste semestre. Essa teria sido, inclusive, uma contrapartida para que a oposição deixasse de obstruir a pauta do plenário da Câmara.

A Comissão da PEC das Indenizações contará com 34 deputados titulares e 34 suplentes, que já estão sendo indicados pelos líderes dos partidos. A bancada do agronegócio trabalha para formar maioria alinhada com a aprovação da proposta. Pelo menos três importantes lideranças da bancada já tiveram seus nomes indicados por seus líderes: o atual presidente da Frente Parlamentar da Agropecuária (FPA), Pedro Lupion (PP-PR), e dois ex-presidentes, Sergio Souza (MDB-PR) e Alceu Moreira (MDB-RS). Ainda não houve nenhuma indicação feita pela Federação PT/PCdoB/PV, que compõe a base do governo, às cinco vagas a que tem direito.

Além disso, a FPA dominou as indicações do PP e do PL. Principal partido de oposição, o PL tem direito a seis parlamentares titulares na composição. Para isso, já foram indicados os nomes dos deputados Rodolfo Nogueira (PL-MS), Vermelho (PL-PR), Coronel Fernanda (PL-MT), Silvia Waiãpi (PL-AP), Daniela Reinehr (PL-SC) e Júlia Zanatta (PL-SC). O PP, que tem direito a três vagas, já indicou, além do presidente da FPA, Pedro Lupion, os nomes do deputado Evair de Mello (PP-ES), que foi vice-líder do governo do ex-presidente Jair Bolsonaro (PL), e da deputada Ana Paula Leão (PP-MG).

Cotado para ser o relator da proposta na Comissão Especial, o deputado Alceu Moreira (MDB-RS) já relatou a proposta na Comissão de Constituição e Justiça e de Cidadania da Câmara e foi presidente, por dois mandatos, da Frente Parlamentar da Agropecuária, interessada direta no projeto. Além disso, Moreira também presidiu as Comissões Parlamentares de Inquérito (CPIs) do Incra e a da Funai, que investigou fraudes em demarcações de terras indígenas.

Ministra dos Povos Indígenas é favorável a indenizações, mas com ressalvas 

A ministra dos Povos Indígenas, Sonia Guajajara, e a Secretaria de Relações Institucionais do governo federal não se manifestaram sobre a PEC das Indenizações.

Mas Guajajara já havia opinado sobre o tema das indenizações quando o projeto de lei do Marco Temporal estava sendo discutido. Ela disse em entrevista à Globo News, que era favorável ao pagamento de indenização para quem tenha comprado terras em boa-fé e tiver que deixá-las para futuras demarcações de terras indígenas.

Mas, na discussão do marco temporal, ela explorou um detalhe crítico que pode afetar profundamente tando o PL do Marco Temporal como a PEC das Indenizações. Sonia Guajajara disse que as indenizações não deveriam ser dadas previamente aos fazendeiros e que deveriam ocorrer só após o processo demarcatório. Segundo ela, uma indenização prévia inviabilizaria a demarcação das terras indígenas. Ou seja, o governo deve investir na tese de que as reservas indígenas podem ser demarcadas - e o pagamento das indenizações aconteceria a posteriori e, talvez, sem prazo definido.

A PEC das Indenizações, da forma como tramita hoje na Câmara, exige que as indenizações ocorram antes da demarcação. Os proprietários de terra têm que ser pagos em dinheiro ou por meio de títulos da dívida agrária. Esse ponto ainda deve gerar polêmica no Congresso.

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