Gilmar Mendes questionou o uso de algemas no ex-governador do Rio Sérgio Cabral, preso da Lava Jato. Foto: Valter Campanato/Agência Brasil| Foto:

Alvo de toda sorte de críticas , o inquérito do presidente Dias Toffoli para investigar casos de "fake news" contra ministros do Supremo Tribunal Federal (STF) não é o primeiro aberto "de ofício" pela Corte, ou seja, por conta própria, sem a provocação de outro órgão.

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Em abril de 2018, durante o julgamento de um habeas corpus (HC) do ex-governador do Rio de Janeiro Sérgio Cabral, o ministro Gilmar Mendes propôs a abertura de ofício de um inquérito para investigar o uso de algemas nas mãos e nos pés de Cabral durante uma condução coercitiva da operação Lava Jato, cena que se tornou notória na televisão e nos jornais. O fundamento alegado por Mendes foi muito parecido com o que Toffoli usou para criar seu inquérito – e, já naquela época, o Ministério Público reagiu contrariamente.

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Mendes não só propôs a abertura do procedimento, como se autodesignou relator do inquérito que viria a ter o número 4.696: “determino que se instaure investigação para apurar eventual abuso de autoridade na exibição do paciente às câmeras de televisão algemado por pés e mãos, durante o transporte, a ser por mim relatada, e nomeio para conduzi-la o Magistrado Instrutor Ali Mazloum”, escreveu o ministro.

Da mesma forma que Toffoli designou Alexandre de Moraes relator do inquérito 4.781, Mendes tornou-se relator sem passar pelo procedimento de sorteio, alegando prevenção pela relatoria do HC de Cabral.

"Portanto, há muitos problemas, aqui, ligados a essa mídia opressiva, a essa opressão midiática", comentou ainda o ministro, referindo-se ao suposto espetáculo em que os agentes e a imprensa teriam transformado os processos judiciais e que justificaria uma reação do STF.

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A proposta de Gilmar Mendes, no âmbito da Segunda Turma do STF, foi apoiada à época por Dias Toffoli e Ricardo Lewandowski, que formaram a maioria. O curioso é que, da leitura do acórdão integral do inquérito, quando Mendes leva à Segunda Turma, em junho de 2018, o relatório que o juiz Ali Mazloum produziu no inquérito, o ministro Lewandowski parece não entender bem o que está acontecendo.

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"Senhor Relator, peço um esclarecimento a Vossa Excelência. A primeira impressão que tive é de que Vossa Excelência estaria determinando a abertura de um inquérito aqui na própria Casa", indagou Lewandowski. "Não, nós determinamos naquele dia [10 de abril]", respondeu Mendes.

Depois de uma intervenção de Toffoli, Lewandowski faz algumas considerações e Mendes ainda responde: "Presidente, penso que a decisão já foi tomada quando decidimos pela abertura da investigação ou do inquérito".

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Celso de Mello estava ausente das sessões que discutiram o tema e Edson Fachin, relator da Lava Jato na Corte, se pronunciaria, em junho, depois de pedir vista do inquérito 4.686, contrário à medida com base nos mesmos argumentos que estão aparecendo no debate público agora, um ano depois. Fachin pontuou que as funções que têm prerrogativa de foro para ser julgadas pelo STF constam no artigo 102 da Constituição e que não existia "lastro constitucional para chancelar a atribuição desta Suprema Corte para supervisionar apurações criminais com base em justificativas outras, ainda que afetas ao legítimo interesse institucional do Tribunal".

Naquela ocasião, a procuradora-geral da República, Raquel Dodge, também contestou a iniciativa de Mendes. “O ordenamento jurídico vigente não prevê a hipótese de o mesmo juiz que entende que um fato é criminoso, determinar a instauração da investigação e presidir essa investigação”, escreveu. “Para além da não observância das regras constitucionais de delimitação de poderes ou funções no processo criminal, o fato é que tal conduta transforma a investigação em um ato de concentração de funções, e que põe em risco o próprio sistema acusatório e a garantia do investigado quanto à isenção do órgão julgador”, disse Dodge.

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Nas mesmas sessões que discutiam o tema, quando a Segunda Turma determinou o envio dos resultados do inquérito 4.696, que ouviu o próprio Sérgio Cabral e agentes da Polícia Federal, para uma série de autoridades, Mendes já dava uma pista do que estava por vir, ao citar o artigo 43, o mesmo que Toffoli usou para justificar seu inquérito.

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“Esta Corte precisa preservar as suas competências e a sua autoridade. A toda hora, temos procuradores, por exemplo, no Twitter, atacando esta Corte, desqualificando os seus magistrados, criticando decisões do Supremo Tribunal Federal. Nenhuma providência se toma. Eles que são partes interessadas. É preciso que nós respondamos, e o art. 43 dá a base para isto de maneira clara”, disse.

Mendes, porém, quando defendeu a instauração do inquérito para apurar o uso de algemas por Sérgio Cabral, lançou a tese do "foro por prerrogativa da vítima", e não da função. “E não suponha aqui investigação de autoridade com foro, mas investiga, sim, eventual atentado à dignidade de decisão desta Corte”, escreveu. O fato de que o Supremo não tem competência para investigar os crimes de opinião nas redes sociais, porque os suspeitos não têm foro privilegiado, é uma das principais críticas ao inquérito 4.781.