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Políticos da oposição de direita no Brasil, que apostavam no apoio internacional à sua luta política – sobretudo na defesa contra a perseguição judicial e o avanço da censura nas redes sociais – vêm, finalmente, tendo suas expectativas atendidas com a recente volta de Donald Trump à Casa Branca.
Diferentemente do que imaginavam os mais entusiasmados com a guinada conservadora nos Estados Unidos, a ajuda externa não veio de intervenções do governo americano, mas, colateralmente, por meio de ações de Trump que encorajam as iniciativas de conservadores brasileiros e inspiram outras.
A simples mudança de ares políticos de Washington favoreceu a oposição no Brasil, como na revelação de que a Agência dos EUA para Desenvolvimento Internacional (Usaid) atuou para minar a direita nas urnas e na reação tardia da Organização dos Estados Americanos (OEA) diante das denúncias de vários abusos do Supremo Tribunal Federal (STF).
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Volta de Trump e críticas ao “regime Lula” animam a direita do Brasil
Apesar de as primeiras semanas do segundo mandato de Trump não terem mirado especificamente o Brasil nas questões de liberdade de expressão, elas municiam os opositores do governo de Luiz Inácio Lula da Silva (PT), que ganhou da direita americana a alcunha de “regime Lula”, em razão do seu viés autoritário respaldado pelo STF.
“Os conservadores do Brasil tiveram até agora ganhos colaterais com a volta de Trump”, resume o cientista político Márcio Coimbra, diretor do Instituto Monitor da Democracia. Ele acredita, contudo, que os “artifícios indiretos” podem ser reforçados quando o líder americano voltar olhos para o Brasil.
O incentivo inicial para Jair Bolsonaro (PL) e aliados está na esperança de que o retorno triunfal de Trump ao poder se repita com o ex-presidente, hoje inelegível. “O presidente dos EUA ganhou no Legislativo e no Executivo. Em 2026 seremos nós”, aposta o deputado Maurício Marcon (Podemos-RS).
Revelações sobre influência da Usaid nas eleições motivam pedido de CPI
Dentre as ações desse primeiro mês de governo Trump, a que mais galvaniza a direita brasileira é a devassa sobre a Usaid, agência conhecida pela ajuda humanitária em regiões pobres do mundo, mas que também patrocinou frentes tidas como danosas à liberdade de expressão e a políticos da direita.
Michael Benz, que atuou no Departamento de Estado dos EUA na primeira gestão Trump, disse que a agência financiou leis contra desinformação no mundo e que ações do Tribunal Superior Eleitoral (TSE) apoiadas por ela elegeram Lula. “Se não houvesse USAID, Bolsonaro ainda seria presidente”.
O pedido de criação da Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) da Usaid, para investigar se a agência interferiu nas eleições presidenciais brasileiras de 2022, já obteve o apoio de mais de 100 deputados. Ao todo, são necessárias 171 assinaturas para a criação do colegiado avançar na Câmara.
Musk endossa tese de que Usaid financiou derrota de Bolsonaro em 2022
Ainda sob o embalo do “Escândalo Usaid”, o deputado Eduardo Bolsonaro (PL-SP) se reuniu em Washington com parlamentares do partido de Trump. Um deles, o senador Mike Lee, provocou no X: “Se o governo dos EUA tivesse financiado a derrota de Bolsonaro por Lula, te incomodaria?”.
Elon Musk, dono do X e principal nome da gestão Trump, respondeu: “Bem, o Estado paralelo dos EUA fez exatamente isso”. Ele ainda afirmou em sua rede que a Usaid é “organização criminosa”. Trump, por sua vez, disse em entrevista à Fox TV que a agência “é controlada por um bando de lunáticos”.
“A Usaid financiou a censura no Brasil. E isto é, sim, um escândalo”, ressalta a deputada Bia Kicis (PL-DF). Ela tem aplaudido diferentes ações de Trump, como o decreto para impedir que homens biológicos compitam em esportes femininos. A parlamentar é autora de um projeto de lei com o mesmo teor.
Protestos contra ativismo judicial de Moraes ganham fôlego com Trump
A atuação de Trump também impulsiona movimentos contra o ativismo judicial no Brasil, sobretudo do ministro Alexandre de Moraes, do STF. O #Foramoraes organiza atos cobrando anistia a presos do 8 de janeiro. Uma grande manifestação está marcada para 16 de março, na capital paulista.
Para líderes do #Foramoraes, a volta de Trump ao poder eleva a pressão pelo impeachment do ministro e atrai a atenção internacional, a exemplo da Organização dos Estados Americanos (OEA), cujo relator de liberdade de expressão, Pedro Vaca, se reuniu com autoridades e vítimas de perseguição.
Fim da autocensura em redes sociais, relatório da OEA e crise migratória
O deputado Gustavo Gayer (PL-GO) acredita que a direita já está sendo beneficiada com o novo ambiente político nos EUA, a exemplo do recuo da autocensura das plataformas digitais e a visita do representante da OEA, que pressiona ministros do STF. “Novos ventos vindos de lá chegaram aqui”.
Com o começo de rigorosa política migratória pelos EUA – que provocou severas críticas do governo Lula e de parlamentares de esquerda, sobretudo pelo tratamento dado aos imigrantes ilegais deportados – os conservadores endossam as deportações, mas pedem atuação menos ostensiva.
Enquanto a crise migratória se limita ao caso venezuelano, o Brasil não replica reações da direita na Europa, EUA e, recentemente, Argentina. O correspondente mais perto dessa postura é o deputado Nicoletti (União-RR), autor de projeto que endurece a lei de imigração para proteger a população.
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Esforço de Trump pela supremacia americana deixa Brasil na retaguarda
Trump tem impactado profundamente o cenário internacional desde a sua posse, inaugurando nova e desafiadora fase nas relações exteriores. Suas ações incluem ameaças militares, sanções comerciais e mudanças radicais em políticas públicas, posturas que dividem opiniões e gera polêmicas.
Para especialistas ouvidos pela Gazeta do Povo, a abordagem de Trump em favor da imposição da supremacia americana deixa o Brasil só na retaguarda, mas encanta políticos conservadores do país, que veem nela a mudança geral em favor de bandeiras da chamada agenda de costumes.
Segundo o cientista político Paulo Kramer, é difícil definir um padrão para a política externa de Trump, que não descarta totalmente o multilateralismo. “Ele prioriza o interesse comercial, como evidenciado pelos tarifaços sobre países que resistem à abertura de mercados a produtos americanos”, diz.
O Brasil virou alvo da política tarifária de Trump, que deve impactar exportadores de aço e alumínio a partir de março, além da promessa de reciprocidade para tarifas de importação. Como mostrou a Gazeta do Povo, o Brasil aplica uma taxa média de 11,3% sobre bens vindos dos EUA, enquanto os americanos cobram apenas 2,2% sobre produtos brasileiros, uma diferença superior a cinco vezes – e que Trump está prometendo igualar.
A oposição a Lula preferiu calar sobre o tema e já foi provocada pela presidente do PT, deputada Gleisi Hoffmann (PR): "Quando é que vão tirar o bonezinho da América Grande e defender a população?", questionou, dirigindo-se a governadores que apoiaram o ex-presidente Jair Bolsonaro.
Governo Trump se inspira nos cortes de Javier Milei no aparato estatal argentino
O corte estrutural de gastos para elevar a eficiência estatal e conter a inflação praticado há um ano pelo presidente argentino, Javier Milei, inspira a gestão Trump. O experimento ultraliberal do país sul-americano coleciona resultados positivos e é elogiado pelo presidente americano e por Musk, à frente da missão de desmantelar órgãos e demitir milhões de servidores.






