Criado para garantir renda a milhões de trabalhadores informais que ficaram impedidos de trabalhar durante as medidas de isolamento social, o auxílio emergencial virou um problema para a equipe econômica. Técnicos do Ministério da Economia desenharam o programa para ele ser pago somente em três parcelas, já que tem um custo elevado, mas com o prolongamento das medidas de isolamento social será necessário prorrogar o benefício por mais tempo, mesmo que em outro modelo.
E já há também uma pressão de parte dos parlamentares e da ala política do governo para tornar o auxílio uma política pública permanente. Oficialmente, eles argumentam que as medidas de isolamento social prejudicarão a renda dos profissionais liberais por muito tempo.
Porém, também há um claro interesse político por trás do pedido. O auxílio emergencial traz capital político aos envolvidos, pois é um programa de transferência de renda que tem atingido um quarto da população brasileira e um em cada três adultos. Tanto que, na fase da sua implementação, o presidente Jair Bolsonaro e o Congresso disputaram para ver quem oferecia o maior valor.
Governo vai prorrogar, mas é contra tornar o auxílio permanente
Diante das pressões, o governo cedeu à prorrogação. O secretário especial de Fazenda do Ministério da Economia, Waldery Rodrigues, confirmou que o auxílio vai seguir, mas em um outro desenho e em outro valor. O próprio presidente Bolsonaro confirmou isso em entrevista à Jovem Pan nesta sexta-feira (22), após a divulgação do polêmico vídeo da reunião ministerial.
Rodrigues deu a entender que o novo valor ficará próximo da média paga ao beneficiários do Bolsa Família, que é cerca de R$ 200. Sobre duração, não entrou em detalhes. "Chegaremos a uma solução intermediária, não com o mesmo perfil de hoje e com o referencial o valor trazido pelo Bolsa Família", explicou em coletiva de imprensa na quinta-feira (21). "Nós estamos atentos para que o auxílio emergencial siga, mas de uma forma adequada a cada momento, atendendo os mais vulneráveis e respeitando as restrições fiscais que temos", completou.
O ministro da Economia, Paulo Guedes, falou em extensão por mais até três meses, no valor de R$ 200. “O que a sociedade prefere, um mês de R$ 600 ou três de R$ 200? É esse tipo de conta que estamos fazendo", disse Guedes em reunião com empresários do setor de serviços na terça-feira (19), segundo o jornal Folha de S.Paulo.
Ele explicou que é contra prorrogar por mais tempo, pois pode incentivar as pessoas a não trabalhar. "Se falarmos que vai ter mais três meses, mais três meses, mais três meses, aí ninguém trabalha. Ninguém sai de casa e o isolamento vai ser de oito anos porque a vida está boa, está tudo tranquilo. E aí vamos morrer de fome do outro lado. É o meu pavor, a prateleira vazia."
Sobre tornar o auxílio emergencial permanente, a equipe econômica é contra, pois diz que o programa é muito caro e mal focalizado, ou seja, não se concentra em transferir renda para a parcela mais pobre da população.
“O auxílio emergencial chega a custar 2% do PIB em três meses (cerca de R$ 120 bilhões), se for prorrogado [para todo o ano no valor de R$ 600] pode chegar a 8% do PIB, fica impossível fiscalmente prorrogar", afirmou o secretário do Tesouro, Mansueto Almeida. "Teria que elevar brutalmente a carga tributária", alertou, sobre a ideia de tornar o programa permanente.
Por isso, os técnicos alegam que o ideal é reformular outras políticas públicas mais baratas que têm maior potencial de combater a pobreza, como o Bolsa Família (BF).
"O que a gente tem que tornar permanente são políticas voltadas para as pessoas de baixa renda, como o Bolsa Família. O Bolsa Família é um programa que tem mais de 15 anos e sempre foi bem avaliado, é um programa que custa R$ 30 bilhões por ano, é um programa muito barato”, defendeu Mansueto.
Auxílio foi “salvação” durante a pandemia...
Especialistas em políticas públicas consultados pela Gazeta do Povo afirmam que a criação do auxílio emergencial foi uma espécie de salvação em meio à pandemia do coronavírus, pois garantiu aos beneficiados uma renda mensal equivalente a três ou até seis vezes o valor médio que uma família recebe no BF.
“O programa foi muito importante para evitar uma tragédia social. Ele foi implementado de forma até rápida e está conseguindo evitar que as pessoas tenham graves problemas econômicos. Ele também está reduzindo a pobreza em relação a que permanecia antes do coronavírus, porque atinge número maior de pessoas e tem valor maior”, diz Naercio Aquino Menezes Filho, coordenador do Centro de Políticas Públicas do Insper e professor da USP.
...mas é caro e mal focalizado
Por outro lado, os especialistas alegam que o programa é mal focalizado. Têm acesso ao auxílio emergencial pessoas sem emprego formal e que não recebem outro benefício do governo (com exceção do Bolsa Família) e que tenham renda familiar mensal per capita de até R$ 522,50 ou renda familiar mensal total de até R$ 3.135,00.
Até o momento, 54,8 milhões de brasileiros já receberam a ajuda, ou seja, um em cada três adultos. O número pode ficar ainda maior, já que há milhões de pessoas na fila de análise do cadastro.
Para efeito de comparação, o Bolsa Família beneficia somente famílias em situação de pobreza (renda por pessoa entre R$ 89,01 a R$ 178,00) ou extrema pobreza (renda por pessoa de até R$ 89,00 por mês) e que tenham mães que amamentam, crianças ou adolescentes entre 0 e 17 anos. São, no momento, 13,9 milhões de famílias atendidas pelo Bolsa Família.
“O auxílio emergencial não é um programa muito elaborado em termos de tentar diferenciar as situações, como beneficiar quem tem menos renda. Ele é relativamente uniforme, ao contrário do Bolsa Família. Não importa se a pessoa tem muita ou pouca renda, se ela se enquadrar nos critérios vai receber R$ 600 ou R$ 1.200. O valor do Bolsa Família é maior se a família é mais pobre, se tem mais filhos em idade escolar”, explica Marcelo Neri, diretor do FGV Social.
Menezes Filho também acredita que o auxílio está cobrindo um número muito grande de pessoas, mais do que necessário para reduzir a pobreza. “Na verdade, você precisaria atender um número menor de pessoas, mas é difícil de controlar”, explica, lembrando que o programa permitiu que brasileiros fora de cadastros sociais tivessem acesso ao benefício.
Auxílio custa 4 vezes o orçamento anual do Bolsa Família
Os especialistas dizem, ainda, que o auxílio emergencial é caro. Enquanto no Bolsa Família as famílias recebem, em média, R$ 190 por mês, o auxílio emergencial é de R$ 600 – ou até R$ 1.200, para as mães solteiras. Segundo o Tesouro Nacional, o governo deve gastar R$ 123,9 bilhões com o pagamento das três parcelas do auxílio. O orçamento anual atualizado do Bolsa Família para todo o ano de 2020 é de R$ 32 bilhões.
“O seu maior problema é justamente o seu elevado custo. Ele [o auxílio emergencial] custa quase 20 vezes mais que o Bolsa Família por mês. Para ser financiado de forma sustentável, exigiria não somente uma adequação dos valores da linha de pobreza e dos benefícios, como também cortes em outras despesas e aumento da carga tributária”, diz Pedro Nery, economista e consultor do Senado Federal.
Vinícius Botelho, especialista em políticas públicas e ex-secretário do Ministério da Cidadania, também concorda que o auxílio emergencial é uma política que custa muito caro na comparação com programas já existentes. “São R$ 40 bilhões por mês de despesa com o pagamento do auxílio, isso é mais do que o Orçamento corrente do Bolsa Família por ano”, lembra.
Se virar permanente, programa pode custar R$ 600 bilhões por ano
“Imaginando que o benefício possa chegar a 70 milhões de beneficiários, o valor da despesa chega rapidamente a R$ 50 bilhões por mês, R$ 600 bilhões por ano [caso vire um programa permanente]”, completa Botelho. Hoje, a maior despesa do governo federal são os benefícios previdenciários. A expectativa é gastar R$ 682,7 bilhões, o que representa 46,1% do Orçamento previsto para o ano antes da pandemia e do Orçamento de Guerra.
Para Nery, perenizar o auxílio emergencial demandaria uma reforma estrutural do Estado brasileiro. “Reveríamos outros benefícios, a folha de salários dos servidores, as renúncias de impostos, a subtributação dos mais ricos. Portanto, manter o auxílio emergencial de forma sustentável diz respeito não apenas aos economistas, porque é uma disputa política.”
Qual seria a saída permanente, segundo os especialistas
O diretor do FGV Social, Marcelo Neri, acredita que a melhor saída permanente para o governo é aprimorar o Bolsa Família. “O Brasil está numa situação fiscal delicada, não temos recursos. Uma extensão do Bolsa Família seria algo numa direção melhor, como ampliar o escopo do programa e estabelecer novas condicionalidades.”
Vinícius Botelho também diz que aprimorar um programa bem-sucedido como o Bolsa Família faria mais sentido para combater a pobreza. “Já temos programas que têm sucesso na focalização de usuários, como o Bolsa Família e o BPC (Benefício de Prestação Continuada). Poderíamos apostar numa reestruturação do Bolsa Família, fortalecendo marginalmente o programa. É algo que faria mais sentido do que a gente tentar reduzir enormemente o auxílio emergencial [para tentar mantê-lo].”
Pedro Nery é mais um especialista que endossa o aperfeiçoamento do Bolsa Família, sugerindo a criação de um programa que seja um meio termo entre o BF e o auxílio emergencial. “O caminho mais sustentável, econômica e politicamente, está provavelmente entre o atual auxílio emergencial e o antigo Bolsa Família. De certa forma, o auxílio emergencial já é um aumento temporário do Bolsa Família, porque a lógica e a operação são bastante parecidas, com a diferença notável dos valores.”
Ele afirma que o valor pago hoje às famílias beneficiárias do Bolsa Família é baixo diante do Orçamento total da União. “Se no auxílio emergencial paga-se R$ 600 para quem vive com menos de meio salário mínimo, no Bolsa paga-se R$ 89 para quem vive com menos de 89. Se houver criança ou grávida, pode receber quem vive com menos de R$ 178 por mês, e o benefício é de R$ 41 por criança. Então é claro que é muito pouco, especialmente diante de uma despesa total de quase R$ 1 trilhão e 500 bilhões”, explica Nery.
Menezes Filho acredita que o governo deveria reformular o auxílio emergencial para torná-lo permanente. O especialista é a favor de manter o valor de R$ 600 por mês, mas reduzindo o número de beneficiários e o critério de renda.
“Manter no programa [do auxílio emergencial] quem já está no Bolsa Família e no Cadastro Único e mais as pessoas que se tornaram pobres por conta da crise, ou seja, aquelas que não têm outra fonte de renda. E mudar a renda familiar, que hoje está alta. Tem que ser o critério de renda do Bolsa Família”, diz o coordenador do Centro de Políticas Públicas do Insper.
Ele afirma, ainda, que o valor de R$ 600 deveria ser pago por família, e não por pessoa, e que não precisaria pagar R$ 1.200 por mês para mães monoparentais. “Mesmo assim, o custo seria elevado”, admite. Ele defende, então, um aumento de impostos para pagar o benefício.
“Nesse período de crise, muitos continuam com seu emprego e ganhando sua renda formal. Poderia aumentar alíquota de Imposto de Renda, tributar heranças, aumentar imposto sobre juros e dividendos. Quem tem condições de ajudar a financiar os gastos têm que fazer”, diz Menezes Filho.
Renda básica universal
Os especialistas consultados pela Gazeta do Povo são contra a ideia de criar uma renda básica universal. Eles explicam que o Brasil ainda tem uma parcela considerável da população em situação de pobreza e extrema pobreza, por isso os programas de transferência de renda devem focar em diminuir essa desigualdade social. Na renda universal não há linha de pobreza e todos recebem o benefício.
“Por mais que a renda básica universal tenha aspectos positivos, tem que considerar a realidade que o país está inserido e a nossa capacidade de financiamento”, diz Vinícius Botelho. “Uma possibilidade seria uma renda universal que fosse progressiva, maior para os mais pobres, e acompanhada de cortes em outras transferências aos mais ricos, como deduções do Imposto de Renda, isenção de distribuição de lucros e dividendos”, afirma Pedro Nery.
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