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Luiz Inácio Lula da Silva
Pesquisas de opinião e articulação da direita fazem Lula advertir militância petista para a necessidade de revisar a estratégia para as eleições de 2024.| Foto: Sedat Suna/EFE

Os principais líderes do Partido dos Trabalhadores (PT), incluindo a sua maior estrela, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva, mostraram nos últimos dias preocupações em relação ao futuro eleitoral do partido. Nos seus discursos e gestos, ficaram evidentes as apreensões em relação à queda na popularidade de Lula, às perspectivas para as disputas de 2024 e 2026 e à dominância crescente do Legislativo, de maioria conservadora, não só na pauta do Executivo, mas também nos recursos do Orçamento.

Os sinais amarelos acesos destacaram ainda divisões internas dentro do PT e pressões do governo para que a legenda reformule as suas estratégias a tempo. Não por acaso, o Planalto anunciou no fim de semana uma nova campanha institucional sob o slogan “Brasil é um só povo”, buscando destacar políticas sociais e tentar se reconciliar tardiamente com segmentos da população que mais o rejeitam, incluindo jovens empreendedores, evangélicos e produtores rurais.

Mas na Conferência Eleitoral do partido, que ocorreu na última sexta-feira e no sábado (10) em Brasília, véspera da estreia em rede nacional das peças de propaganda com tom conciliador, o próprio Lula chamou a atenção da militância petista para um cenário polarizado nas eleições municipais do próximo ano, no qual os principais protagonistas serão ele próprio e o ex-presidente Jair Bolsonaro (PL).

Lula vê soberba do PT e pede diálogo com o povo

Como líder máximo do PT, o presidente da República puxou a orelha de líderes do partido, denunciou a soberba deles e pediu que sejam evitadas “briguinhas” internas. Ele também aproveitou para cobrar mais diálogo com os evangélicos e mais atenção com a classe média. Neste ponto, o desafio proposto se torna um dilema complexo, uma vez que o discurso de Lula sempre esteve centrado em proporcionar aos menos favorecidos maior acesso a bens e educação.

Como destacou o presidente, “basta esse eleitor melhorar um milímetro a sua renda ou se instruir mais para já não mais querer votar na gente”. Aqui reside uma contradição inerente à estratégia política histórica do PT: promover o avanço material de eleitores sem saber como manter essa base alinhada às suas propostas. Na dúvida, investe-se no público-alvo cativo, com rendimentos mensais de até dois salários-mínimos.

Postada como militante número um do PT, a primeira-dama, Janja da Silva, mostrou postura inversa à proposta pela propaganda de governo voltada à reconciliação nacional. Usou sua fala para pedir combate aos “bolsonaristas”, a quem chamou de “fascistas”. Gerou grande repercussão a sua expectativa de prisão iminente de Bolsonaro, “se tudo der certo”, reforçando a polarização política do país.

Apelo por gastança em ano eleitoral isola Haddad

A gestão da política econômica foi onde o PT mostrou suas maiores divisões, com um nítido movimento para rechaçar a meta fiscal de déficit zero do governo e defendida pelo ministro Fernando Haddad (Fazenda), que ficou praticamente isolado.

A presidente do partido, deputada Gleisi Hoffmann (PR) disse querer o “Estado que gasta” e o líder na Câmara, José Guimarães (CE) fez apelo mais explícito por gastança para “ganhar as eleições”. Gleisi e Haddad só mostraram convergir nas críticas ao Centrão e ao Banco Central.

Noutro sincericídio, a presidente do PT disse que Lula não pode perder mais popularidade para o governo não ser “engolido” pelo Congresso. De certa forma, ela confirma que o presidente não consegue mais se impor como liderança popular perante o Parlamento, ficando sujeito aos caciques do centro e da centro-direita.

A resolução final da conferência eleitoral, repleta de críticas às alianças com partidos de centro e contra a austeridade fiscal, mostra tanto o racha petista quanto temores com o desempenho nas urnas. Isso pode ter repercussões negativas no Congresso, especialmente quando o governo busca aprovar projetos para aumentar a receita fiscal.

Para completar, o documento ainda faz uma abordagem polêmica contrária à reação Israel na guerra contra o Hamas e reconhece a rearticulação da direita após a derrota de 2022.

Dirceu alerta para o risco de "um tranco da direita"

Esse cenário adverso para o partido de Lula foi exposto internamente no mês passado, quando o ex-ministro José Dirceu fez duras advertências ao comando do partido numa reunião da corrente Avante PT. No vídeo vazado do encontro, o outrora mais poderoso líder partidário da legenda avisou que, se erros e movimentações no mundo político não fossem debatidos, o PT iria “tomar um tranco da direita”. Ele avaliou que o partido vacilou em não ter aproveitado o 1º de maio para deflagrar uma mobilização política.

O seu apelo é para que o partido encare temas sensíveis e reconheça a necessidade de adaptar a sua estratégia. Uma preocupação de Dirceu está na perspectiva de uma maior “ocupação” do ministério pelo Centrão. “Logo eles vão pegar mais um naco do governo”, previu.

A urgência em acumular munição para enfrentar o já iniciado avanço eleitoral de movimentos de conservadores e de direita, em contraste com a propaganda oficial pró-pacificação, foi detalhada pelas palavras do ministro que chefia a Secretaria de Comunicação (Secom), Paulo Pimenta, que conta com R$ 647 milhões para gastar em publicidade em 2024.

Na mais recente edição do podcast Conversa com o Presidente, Lula pediu às famílias brasileiras que “esqueçam as divergências políticas e vamos outra vez ser felizes”. “É o momento da união do povo brasileiro”, completou Pimenta.

Um dia antes, contudo, em reunião na Embaixada do Brasil em Berlim, ele mostrou uma fala bem diferente e mais realista, admitindo que o resultado das últimas eleições trouxe desafios para o PT. Com o eleitorado de Lula concentrado nos estados do Norte e Nordeste e na população de menor escolaridade, além de um Congresso de maioria conservadora, o partido precisa ter importante inflexão em 2024 para não se inviabilizar em 2026.

“Precisamos eleger candidatos que sejam contra o Bolsonaro. Não estamos mais na época de construir nomes, temos de ganhar a eleição e derrotar o bolsonarismo. Porque 2026 já está em jogo”, disse.

Lula e Bolsonaro serão os cabos eleitorais de 2024

Pesquisas de opinião indicam resiliência da polarização de esquerda (Lula) e direita (Bolsonaro), fenômeno ainda relacionado às redes sociais. Segundo analistas, é aí justamente onde a direita tem obtido mais sucesso e o PT começa a reconhecer suas falhas nesse terreno. Além disso, a direita tem colocado em debate temas como o papel do Estado na economia e, sobretudo, valores e costumes. A esquerda, por sua vez, intensifica a questão identitária como se fosse assunto de maior interesse na sociedade.

Depois de consagrar 2023 como um ano dedicado à agenda internacional, que consumiu quase um terço do ano em viagens, Lula promete “percorrer todo o país” em 2024 e ser o melhor “cabo eleitoral” para seu partido. Nesse papel desde que voltou do exílio de três meses nos Estados Unidos, Bolsonaro e a ex-primeira-dama Michelle, vêm preparando o PL e siglas aliadas para o pleito municipal. O ex-presidente faz questão de provocar seu arquirrival, o desafiando a percorrer as ruas e colher as mesmas recepções numerosas e calorosas que tem registrado, até mesmo em Buenos Aires.

A vitória do presidente argentino Javier Milei, inclusive, derrotando os esquerdistas no poder, mostrou uma tendência internacional que preocupa o PT.

As pressões da ala do Planalto e do PT para que o governo coloque o pé no acelerador dos gastos para produzir resultados eleitorais levaram Lula a derrubar a meta fiscal de déficit zero em 2024, para depois recuar diante das ponderações feitas por Haddad. Esse dilema deve voltar ao centro do governo conforme variarem os números de pesquisas de intenção de voto e de avaliação do governo. O contexto também pressiona o governo a fazer uma reforma ministerial em janeiro para estabilizar sua governança e reorientar seus atores nas articulações políticas.

Lula poderá levar Gleisi Hoffmann para a Esplanada, mas tem dúvidas de como ficará o comando do PT diante de uma campanha eleitoral sabidamente difícil no ano que vem. Entre os cotados para substituir a deputada paranaense à frente da legenda está, por exemplo, Edinho Silva, prefeito de Araraquara (SP), um dos petistas mais próximos do presidente da República. Em recente entrevista ao Correio Braziliense, Edinho admitiu que o PT não tem “plano B” para as eleições presidenciais de 2026 e precisa de Lula para continuar no Planalto.

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