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Na esteira da decisão da Primeira Turma do Supremo Tribunal Federal (STF), que tornou réu Jair Bolsonaro e outros sete aliados na suposta tentativa de golpe de Estado, o ex-presidente busca agora fortalecer sua base de aliados. Nessa movimentação, parlamentares da oposição vão seguir em busca de alternativas no campo político para fazer frente ao Judiciário. Entre as opções estão: pressionar pela aprovação de uma anistia dentro do Congresso Nacional, acabar com o foro privilegiado para políticos ou alterar a Lei da Ficha Limpa.
Na quarta-feira (26), Bolsonaro acompanhou a conclusão do julgamento diretamente do gabinete do senador Flávio Bolsonaro (PL-SP), onde recebeu diversos aliados como o líder da oposição, Zucco (PL-RS), a senadora Damares Alves (Republicanos-DF), o deputado federal Rodolfo Nogueira (PL-MS) e o ex-ministro do Turismo Gilson Machado. Ao deixar o local, o ex-presidente afirmou que o caso em análise pelo STF é a “maior perseguição político-judicial da história do Brasil”.
Ainda de acordo com ele, o julgamento seria motivado por “claros interesses políticos de impedir sua participação na eleição presidencial de 2026″. Bolsonaro tem sinalizado que pretende concorrer no ano que vem, apesar de atualmente estar inelegível por decisão do Tribunal Superior Eleitoral (TSE).
Por causa disso, parlamentares da oposição trabalham dentro do Congresso para tentar encontrar uma saída para a situação de Bolsonaro ou ao menos fortalecê-lo enquanto corre o processo do suposto golpe no STF.
O principal esforço é manter a mobilização para tentar aprovar o projeto da anistia aos presos do 8 de janeiro de 2023. Em teoria, a nova norma, se promulgada e aplicada, poderia livrar os presos nas manifestações, Bolsonaro e seus aliados das acusações de tentativa de golpe de Estado, de abolição do Estado Democrático de Direito, organização criminosa, dano ao patrimônio da União e deterioração de bens públicos tombados. Mas o perdão ao ex-presidente ainda dependeria de o Supremo não considerar a lei inconstitucional.
Líderes de partidos favoráveis à anistia devem se reunir com o presidente da Câmara, Hugo Motta, na próxima terça-feira (1) para tentar costurar um acordo para ser levado a uma reunião com todos os líderes na quinta-feira (3). O líder do PL na Câmara, o deputado Sóstenes Cavalcante (RJ), já havia anunciado que o PL está usando a estratégia da obstrução de matérias na Câmara.
A manobra regimental tem o objetivo de atrasar a votação de outros itens da pauta, enquanto o interesse do grupo não for negociado. Mas sua efetividade depende muito dos assuntos que são colocados em pauta. Matérias favoráveis à direita acabam sendo votadas apesar da obstrução. A obstrução seria mais efetiva contra projetos que sejam de interesse particular do governo.
Os mecanismos usados, geralmente, são pronunciamentos, pedidos de adiamento da discussão e da votação e saída de parlamentares do plenário para evitar formação de quórum nas sessões da Casa. A expectativa é de que o grupo mantenha a mobilização até a próxima semana.
“Nós só estamos começando, brasileiros e brasileiras, essa batalha. Hoje (quarta-feira, 26), arbitrariamente tornaram o presidente Bolsonaro e mais sete réus nesse processo. Mas queremos dizer que se pensaram que a gente ia baixar a cabeça, nós hoje já começamos a obstruir aqui na Câmara. Hoje aqui na Câmara ninguém vai fazer nada. Não teve Ordem do Dia. E nós vamos continuar nessa trincheira da luta”, disse Sóstenes o dia do julgamento.
Um dos pleitos da oposição é de que Hugo Motta delibere sobre os próximos passos do projeto da anistia. Os aliados de Bolsonaro chegaram a defender a votação de um requerimento de urgência para que o projeto vá direto ao plenário, mas existe ainda a possibilidade de o presidente da Câmara determinar a instalação de uma comissão especial.
“Ele [Motta] vai botar em pauta. Ele falou que o que a maioria dos líderes desejarem, ele vai fazer. Anistia é perdão, é passar borracha, é fazer o Brasil voltar a sua normalidade”, disse o ex-presidente Bolsonaro. Já membros do governo vêm defendendo que Motta não pautará o projeto, por supostamente ser apenas um assunto de interesse do PL.
O colegiado teria 40 sessões para analisar o mérito do projeto, antes de enviá-lo para votação no plenário. A criação da comissão foi uma manobra usada no ano passado pelo então presidente da Câmara, Arthur Lira (PP-AL), em meio às negociações para eleger o seu sucessor, mas ela não foi adiante. Agora, a instalação do colegiado cabe a Hugo Motta.
“Se ele criar a comissão especial, nos atende também. A decisão é dele. Eu quero resolver o problema da anistia, seja na comissão especial ou no plenário. Essa decisão não é minha, é do presidente Hugo Motta, mas isso tem que ser resolvido, pra gente não ter o desprazer de entrar em obstrução”, disse Sóstenes Cavalcante.
PEC do Foro Privilegiado é plano paralelo da oposição
Outro plano cogitado pelos aliados de Jair Bolsonaro é investir na tramitação da PEC do Foro. A ideia é que autoridades investigadas por supostos crimes sejam julgadas em primeira instância, no tribunal do estado onde o alegado crime tenha ocorrido - exceto no caso de presidentes, vice-presidentes e chefes dos poderes Legislativo e Judiciário.
O projeto era do senador Álvaro Dias (Podemos-PR) e começou a tramitar em 2017. Ela já passou pelo Senado e pela Comissão de Constituição e Justiça (CCJ) e por uma Comissão Especial na Câmara. Em tese, estaria pronta para ser votada em plenário.
O julgamento no Supremo foi inicialmente pensado como uma proteção para autoridades de influências políticas locais. Mas a percepção mais atual é a de que o início do processo em primeira instância oferece maiores possibilidades de recurso e o prolongamento do processo no tempo, por isso grande parte dos políticos é favorável a ela.
No último dia 11, o STF decidiu ainda ampliar o foro privilegiado, para que continue válido mesmo após o fim do mandato das autoridades investigadas. Bolsonaro disse, à época, que a decisão tinha o objetivo específico de julgá-lo.
"Meu foro foi mudado há poucas semanas. Eu era primeira instância. Há poucas semanas, talvez um mês e pouco, mudaram. Eu acho que interessa pra muita gente aí essa PEC [no Congresso]", disse Bolsonaro.
Durante a fase de recebimento da denúncia do suposto golpe, o ministro do STF Luiz Fux divergiu dos colegas e entendeu que Supremo não é o foro adequado para julgar Bolsonaro, pois ele não tem foro privilegiado. A divergência pode dar margem para uma futura anulação do julgamento.
Aliados de Bolsonaro cogitam defender mudanças na Lei da Ficha Limpa
Numa ofensiva para aprovar mudanças sobre o prazo de inelegibilidade, o que poderia reabilitar os direitos políticos do ex-presidente, seus aliados cogitam mudar a Lei da Ficha Limpa. Um dos projetos foi apresentado pelo deputado Bibo Nunes (PL-RS), que esvazia a lei, reduzindo o tempo de inelegibilidade de oito para apenas dois anos.
Mas a ideia enfrenta resistência dentro do próprio PL, pois não garante que Bolsonaro recupere seus direitos políticos e pode abrir as portas para que políticos que cometeram atos de corrupção sejam reabilitados.
Apesar das incertezas sobre esses projetos, Bolsonaro continua afirmando que será candidato em 2026.
"Não vai ser o Jair, é isso que você quer dizer? [O candidato] vai ser o Messias. Você quer um terceiro nome? Seria o Bolsonaro. É Jair, Messias ou Bolsonaro. Se você me comprovar que eu fui justamente condenado a inelegibilidade, eu respondo para você", afirmou ao ex-presidente ao ser questionado por jornalistas em Brasília.
A estratégia do ex-presidente tem como pano de fundo uma movimentação para se fortalecer politicamente em meio ao processo em julgamento no STF. A expectativa é de que o caso seja concluído pelo Judiciário ainda neste ano e, além da defesa jurídica, Bolsonaro tem buscado reforçar seu apoio junto a sua base de apoiadores.
“Eu não estou morto ainda, vou andar o Brasil ainda. Vocês vão ver na Paulista, ainda dia 6 de abril, o que vai acontecer lá. O povo gosta de mim”, disse o ex-presidente.
Base de Lula monitora apoio à anistia e tenta polarizar com Bolsonaro
A mobilização de Bolsonaro e de seus aliados para aprovar a anistia dentro do Congresso acendeu um alerta dentro da base do presidente Luiz Inácio Lula da Silva. Líder do PT na Câmara, o deputado Lindberg Farias (RJ), admitiu que o partido tem feito mapeamento de votos para tentar barrar a aprovação do texto.
“A próxima semana vai ser uma confusão em cima disso. Eu já estou fazendo um mapa voto a voto. Está muito preocupante. Eu estou vendo estado por estado. O cara vota de acordo com o voto dele. Então, o cara que é eleito com o discurso mais Bolsonaro, ele vai nisso”, declarou o petista.
São necessários, no mínimo, 257 votos para aprovação do projeto na Câmara e, segundo estimativas da oposição, o grupo conta atualmente com cerca de 230 votos. O próprio ex-presidente Bolsonaro procurou líderes de partidos do Centrão nas últimas semanas no intuito de tentar ampliar a adesão ao texto entre os deputados.
"Eu entendo que o PL vive um drama. No colégio de líderes, eu fiz uma fala que eu entendo o que eles estão passando. Agora, eles não podem pedir para a Casa entrar nesse drama, entrando numa crise institucional entre o Parlamento e o Judiciário", completou o líder petista.
Escalada por Lula para conduzir a Secretaria de Relações Institucionais, pasta responsável pela interlocução com o Congresso, a ministra Gleisi Hoffmann criticou a atuação da oposição. A expectativa é de que a petista atue junto aos líderes partidários para tentar reduzir o crescimento do apoio ao projeto da anistia junto aos parlamentares.
“Como disse o ministro [Alexandre de Moraes], não se viam bíblias na Praça, mas cenas de violência extrema que os golpistas e seu comandante tentam apagar. Não foi um ataque com batom, foi uma tentativa violenta de golpe de Estado. Não cabe anistia antes, durante ou depois do julgamento. Cabe a responsabilização, dentro do devido processo legal, de todos os criminosos, em defesa do estado de direito que tentaram abolir”, defendeu Hoffmann.
Durante o encerramento de sua visita ao Japão nesta semana, o presidente Lula também comentou a decisão da Primeira Turma do STF contra Bolsonaro. Segundo o petista, "é visível que o ex-presidente tentou dar um golpe no país".
"Não é o homem Bolsonaro que está sendo julgado, é um golpe de Estado que está sendo julgado. Ao invés de chorar, caia na realidade e saiba que você cometeu um atentado contra a soberania desse país. Não adianta ficar pedindo anistia antes do julgamento. Quando ele pede anistia, ele está dizendo que ele foi culpado", seguiu Lula.




