“Se você não tem a capacidade de convencer as pessoas, como vai fazer democracia?”. Esta pergunta foi feita pelo ex-presidente Fernando Henrique Cardoso, que participou do painel ‘Democracia? Crise ou Amadurecimento' na Brazil Conference, em Boston, nos Estados Unidos.
O evento acontece anualmente e está na 5ª edição. Participam diversos nomes de peso da política nacional e é promovido por estudantes da Universidade de Harvard e do MIT.
FHC, que também foi ministro da Fazenda entre 93 e 94, questionou a postura agressiva na reunião de quarta-feira na Comissão de Constituição e Justiça (CCJ) entre o ministro da Economia, Paulo Guedes, e parlamentares.
“Os dois lados estavam muito agressivos, mas o ministro estava muito mais reativo. Essa incapacidade de tocar naquilo que é sensível para o povo e para os parlamenteares é um problema. E ele vai precisar entender isso”.
FHC participou do painel por quase duas horas e abordou diversos temas atuais da política nacional. Entre eles, a dificuldade que o governo Bolsonaro está encontrando em negociar com o Congresso. “Para governar na democracia, precisa de apoio dos partidos. Precisa de uma coalizão. Essa coalizão implica numa distribuição de poder. Essa distribuição de poder é sempre transmitida pela opinião pública como algo suspeito, cheia de interesses escusos”.
Segundo o ex-presidente, há motivos para que os eleitores suspeitem das negociações por apoio. “A Lava Jato mostrou é que o sistema político brasileiro está baseado na corrupção”, disse.
Crítico do Governo Bolsonaro, FHC expõe polarização e golpe militar
O ex-presidente tem sido um crítico da atual gestão. Recentemente, em entrevista à BBC Brasil, Fernando Henrique afirmou que o Governo Bolsonaro é pior do que ele imaginava.
Durante o painel em Boston, evitou fazer duras críticas ao atual presidente, apesar de ter se referido a Bolsonaro ao falar do Golpe de 64. “Agora não pode dizer golpe, porque o atual presidente disse que não foi. Não foi porque ele não estava lá”, arrancado risos do público no auditório.
Além de FHC, participaram do painel Carlos Pereira, professor de Ciências Políticas da Fundação Getúlio Vargas, Steven Levitsky, professor de Governo da Universidade de Harvard, e Frances Hagopian, cientista política também de Harvard.
Dois temas foram bastante debatidos. Um deles foi a polarização da política brasileira e o impeachment da ex-presidente Dilma Rousseff. “Alguma coisa vai mal. Nós tivemos poucos presidentes eleitos pelo povo. O primeiro foi o Collor, e sofreu impeachment. O segundo fui eu, escapei. Depois foi o presidente Lula, não sofreu impeachment, mas está na cadeia. Veio a presidente Dilma que sofreu impeachment, e agora tem o presidente Bolsonaro.”
O professor Steven Levistsky fez uma dura crítica a polarização atual da política nacional. “A polarização matou a democracia no Chile e na Venezuela. Nos últimos 5 anos as pessoas no Brasil não aceitam a opinião dos outros. As pessoas de esquerda chamam os de direita de fascistas e golpistas. Já os de direita dizem que o Governo PT é mais perigoso que o governo da Venezuela”.
Por outro lado, Levitsky elogiou as instituições democráticas do Brasil, dizendo que são fortes e independentes, e que o país já vive uma democracia madura, o que não impede de que haja crises de confiança causadas principalmente pela corrupção. “A confiança da população nos políticos no Brasil está no nível mais baixo possível, o que fez o país escolher um líder autoritário. Isso não significa que é a morte da democracia, mas é um risco.” E citou a Venezuela como exemplo. “Na época em que Chávez chegou ao poder, a Venezuela era uma democracia madura”.
Um possível novo governo militar também esteve em debate, mas para o ex-presidente Fernando Henrique Cardoso a atual situação do país é diferente da de 64. “A imprensa está livre, há liberdade. Não existe ameaça organizada das Forças Armadas. Nós temos muitos militares no poder, é verdade, mas da reserva. Não existe a corporação militar querendo mandar, como em 64. Não há uma ideologia, uma concepção dos militares. Eu até diria o contrário. O que nos falta é um projeto, um rumo pra esse país”.
Quem vai participar da Brazil Conference
A conferência sobre política brasileira ainda conta com a participação de nomes como o vice-presidente Hamilton Mourão; os ministros do STF Luis Roberto Barroso e Dias Tóffoli; os candidatos à presidência na última eleição Ciro Gomes, Geraldo Alckmin, Henrique Meirelles e Guilherme Boulos; o presidente do BNDES Joaquim Levy; o ex-presidente Fenando Henrique Cardoso; e também contará com a presença de Tite, técnico da Seleção que substitui Pelé, que precisou se ausentar por problemas de saúde. Mais cedo, Luciano Huck também participou. A 5.ª edição da Brazil Conference irá até domingo (7).