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O governo e Centrão enxergam na redução de penas uma alternativa ao PL da anistia e podem acabar inviabilizando uma saída para os condenados do 8 de janeiro no caso de alterações nas leis utilizadas no processo que tramita no Supremo Tribunal Federal (STF). A medida seria uma forma de impedir que o projeto avance na Câmara, já que o pedido de urgência da matéria conquistou as 257 assinaturas necessárias para ser pautado.
Parlamentares desses grupos avaliam, inicialmente, que qualquer mudança em relação às penas caberia ao Judiciário, mas a alteração via Parlamento também é aventada. O relator da matéria, o ministro Alexandre de Moraes, argumenta que os condenados infringiram artigos da Lei 13.260/16, que trata sobre atos terroristas, e artigos do Código Penal -- associação criminosa (288), abolição violenta do Estado Democrático de Direito (359-L), golpe de Estado (359-M), ameaça (147), perseguição (147-A) e incitação ao crime (286).
Com base nesses artigos, o Supremo tem estipulado condenações entre 12 e 17 anos de prisão, o que é visto por juristas como penas exageradas. Na avaliação do advogado criminalista André Viana, uma eventual mudança na dosimetria das penas por meio do Congresso seria possível do ponto de vista jurídico, mas extremamente demorada devido à gravidade dos temas, bem como ao próprio trâmite legislativo.
“O Congresso até poderia rever essa situação [das penas], mas, na minha opinião, teria que ser via alteração legislativa. O trâmite é um pouco burocrático, mesmo para um Legislativo pressionado por parlamentares. As mudanças, por exemplo, precisariam respeitar o quórum necessário dentro da Câmara – maioria absoluta (257 votos) – e serem aprovadas na Comissão de Constituição e Justiça (CCJ)”, explica o advogado. Depois dessas etapas, as mudanças ainda teriam que ser aprovadas no plenário da Câmara.
Para o ex-presidente Michel Temer (MDB), responsável pela indicação do ministro Alexandre de Moraes ao STF, a discussão sobre a anistia é legítima. No entanto, ele avalia que a melhor saída para o assunto seria a própria Corte reduzir a pena dos condenados.
"O Congresso tem o direito de editar uma lei referente à anistia, não se pode negar isso, mas talvez, para não criar nenhum mal-estar com o STF, o melhor seria que o próprio STF fizesse uma nova dosagem das penas", disse Temer em entrevista ao jornal O Globo.
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Governo e Judiciário sinalizam abertura para discutir penas, mas rejeitam anistia ampla
Da parte do governo, a ministra Gleisi Hoffmann, das Relações Institucionais, chegou a dizer que a anistia, a mediação ou redução de penas poderia ser discutida no Congresso. “Talvez a gente até tenha que fazer essa discussão mesmo no Congresso. Agora, o que não pode acontecer é uma anistia a aqueles que conduziram o processo do golpe no país”, disse Gleisi.
Após a repercussão, a ministra recuou e afirmou que eventuais revisões de pena aos réus do 8 de janeiro cabem única e exclusivamente ao Supremo Tribunal Federal.
A ponderação inicial da ministra segue a esteira de opiniões formuladas pela alta cúpula do Legislativo, bem como do Judiciário. No último dia 7, o presidente da Câmara, Hugo Motta (Republicanos-PB), disse que defende a redução de penas para os acusados dos atos, argumentando que a medida corrigiria “algum exagero que vem acontecendo com relação a quem não merece receber uma punição”. No entanto, afirmou que o projeto de lei defendido pela direita pode aumentar “uma crise institucional”.
Já na terça-feira (8), Gilmar Mendes disse que houve a aplicação correta da lei e que aquele dia não foi "um passeio no parque". Por outro lado, defendeu que o relator do caso, o ministro Alexandre de Moraes, possa rever a pena caso a caso. "A progressão pode se dar de maneira extremamente rápida a partir da própria avaliação do relator", afirmou.
As sinalizações ocorrem após a manifestação organizada por Bolsonaro, em 6 de abril, na Avenida Paulista, em São Paulo. Além disso, estão inseridas em um contexto onde o Centrão estuda articular uma alternativa com o Partido Liberal para construir um meio termo em relação à anistia. As conversas formais ainda não se iniciaram, mas segundo um interlocutor da oposição, a expectativa é de que isso possa ocorrer na semana que vem. Até o momento, porém, a bancada do PL tem rejeitado qualquer acordo sobre o tema.
Além disso, o ex-presidente Jair Bolsonaro já manifestou publicamente sua contrariedade à proposta. “A modulação de penas não nos interessa. Redução de penas não nos interessa. Nós queremos a anistia ampla, geral e irrestrita”, disse Bolsonaro no começo do mês, ao destacar que as pessoas que acabaram presas foram “atraídas para uma emboscada”.
A ideia de revisão das penas começou a ser aventada após o ministro Luís Fux pedir vista e assim suspender o julgamento de Débora Rodrigues dos Santos, a mulher que pichou a estátua “A Justiça” com batom. O magistrado afirmou que iria avaliar o contexto da prisão e sinalizou rever a sentença de 14 anos de prisão.
“Eu quero analisar o contexto em que se encontrava essa senhora”, declarou o ministro. Após o pedido de vista de Fux, a Procuradoria-Geral da República (PGR) encaminhou um parecer favorável à prisão domiciliar de Débora, o que foi aceito por Moraes. Além dela, outras 11 pessoas deixaram a prisão em 28 de março.
Para o advogado constitucionalista André Marsiglia, a aprovação da anistia no Congresso pode ser o caminho mais viável tanto do ponto de vista jurídico quanto político. Ele avalia que esse movimento legislativo pode funcionar como uma forma de pressão sobre os demais poderes, abrindo espaço para negociações futuras.
“O Legislativo, o caminho que ele tem é a anistia. Esse é o grande caminho. Ou a possibilidade de pressionar os demais poderes, que também é uma das funções legislativas”, afirmou.
Segundo Marsiglia, essa pressão pode ser usada para o “reequilíbrio, a harmonia entre os poderes”, e a proposta de anistia pode ser parte de uma estratégia mais ampla: “O que pode estar acontecendo é um combinado dessas duas coisas”.
Parte da esquerda e da direita querem debater revisão das penas como alternativa; PL é contra
À Gazeta do Povo, deputados de direita e de esquerda comentaram que a revisão das penas pode ser um caminho de consenso para resolver a situação dos presos. O líder do PSB na Câmara, Pedro Campos (PSB-PE), se posicionou contra o projeto de lei apoiado pela oposição, e alega que a “anistia é um instrumento que deve ser utilizado em situações extremas, quando há agressão mútua entre partes”. Entretanto, disse que a dosimetria das penas pode ser discutida no Judiciário e no Executivo.
“O Legislativo possui o instrumento da anistia, mas ele não é adequado para esse caso. O que pode ser discutido, ainda, é a dosimetria das penas, tanto no Judiciário, onde há pedidos de revisão, quanto por meio do indulto presidencial, que é um instrumento que trata da dosimetria das penas, mas sem conceder um perdão amplo ou um esquecimento, como faz a anistia”, afirmou Campos.
Apesar de seguir o entendimento oficial da oposição acerca da anistia, o deputado Marcel van Hattem (Novo-RS) pondera que qualquer medida que reduza as penas é um alívio para quem está preso. “Obviamente, as pessoas que hoje cumprem penas de 14 anos e descobrem que terão uma redução vão sentir um certo alívio”, afirmou.
No entanto, para ele, o problema vai além da dosimetria e envolve injustiças no próprio processo judicial. “A questão não é apenas a pena, mas a falta de devido processo legal, os abusos de autoridade e a ausência de individualização das condutas”, criticou.
“Há pessoas que sequer estavam no local no momento dos eventos e, mesmo assim, foram presas. Isso não deveria ser tratado como anistia, porque anistia é para quem cometeu crimes. O que estamos vendo, em grande parte, são pessoas sofrendo injustamente”, destacou.
Extensão do debate sobre anistia beneficia interesses do governo
A articulação de alternativas à anistia, como o perdão presidencial ou a redução das penas, tem potencial para atender a diferentes interesses dentro do Congresso. O cientista político Juan Carlos Arruda, CEO do Ranking dos Políticos, avalia que essa movimentação pode beneficiar governo, Centrão e oposição, ainda que por razões distintas.
“O governo evita embates maiores no STF e mostra sensibilidade com parte da base do Congresso; o Centrão se coloca como articulador de uma "solução política" e ganha protagonismo; e a oposição pode apresentar isso como uma vitória para sua narrativa, especialmente junto à sua base”, analisou.
Para Arruda, a ventilação dessas alternativas demonstra que o alívio para os condenados dos atos de 8 de janeiro se tornou um tema incontornável. “A simples articulação de propostas como perdão presidencial ou redução das penas mostra que o tema deixou de ser tabu. Mesmo com resistências, o debate avançou a ponto de a reversão total ou parcial das punições se tornar uma possibilidade concreta, se não inevitável, ao menos difícil de ignorar”, avaliou.
Apesar disso, a falta de acordo entre governo, Centrão e oposição impede o avanço da matéria. Com a breve obstrução feita pela oposição, que demanda a votação do requerimento de urgência, a Câmara experimentou diversas intervenções de deputados do PL na tribuna e longas coletivas de imprensa.
O movimento precisou ser interrompido em votações consideradas importantes para o Congresso, como a aprovação da reciprocidade do Brasil ao “tarifaço” anunciado pelo presidente americano, Donald Trump.
Oposição busca revisão de penas no Judiciário enquanto anistia trava na Câmara
Em meio às tratativas para pautar a anistia na Câmara, a oposição vem buscando o Judiciário para reverter as penas, com base no precedente aberto no caso de Débora. A primeira tentativa foi pedir um habeas corpus coletivo, que acabou sendo negado pelo ministro Cristiano Zanin, presidente da 1ª Turma do STF.
Em 9 de abril, o deputado Luciano Zucco (PL-RS), líder da oposição na Câmara, protocolou um pedido junto a Moraes para que os efeitos aplicados à cabeleireira sejam estendidos a outros presos que possuam alguma vulnerabilidade, como doença ou filhos menores de idade.
O pedido argumenta que a decisão todos os outros presos em situação similar sejam colocados em liberdade devido à “extrema necessidade de que direitos humanos fundamentais sejam resguardados, e com o intuito de preservar a dignidade da pessoa humana. O pedido ainda está em tramitação no Supremo.