Avenida Prudente de Morais, em Belo Horizonte, tomada pela lama trazida pelos alagamentos: cidade é castigada toda vez que chove.| Foto: Adão de Souza/Prefeitura de BH
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A chuva não está dando trégua em Minas Gerais: no começo deste mês, o Instituto Nacional de Meteorologia (Inmet) divulgou um boletim com previsão de retorno das fortes chuvas do dia 3 até 15 de fevereiro. A pluviosidade total pode se aproximar da chuva recorde de janeiro, colocando toda a região em alerta, em um momento em que os reparos da destruição causada pelos temporais ainda estão em fase inicial.

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Em Belo Horizonte, as preocupações vão além de chorar os mortos e reconstruir a cidade: a tragédia mostrou os defeitos da urbanização da capital mineira e a incapacidade de enfrentar o clima adverso. Canalização excessiva, poucas áreas verdes e falta de bacias de contenção potencializaram os problemas.

É fato que a força das águas que caíram sobre Belo Horizonte foi brutal: entre 24 de janeiro e 2 de fevereiro, a estação meteorológica local registrou acumulado de 491 mm, sendo que a média climatológica para todo o mês de janeiro é de 329 mm. Foram 13 mortes decorrentes das enchentes e alagamentos na capital, de um total de 58 em Minas Gerais. No boletim mais recente da Defesa Civil, divulgado na sexta-feira (7), foram listadas 45 mil pessoas desalojadas, 8,1 mil desabrigados e 68 feridos.

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As tempestades estavam nos radares meteorológicos: no dia 22, o Inmet havia alertado para tempestades em Minas Gerais e estados contíguos, chamando atenção para os índices, que podiam chegar de 150 mm a 400 mm. Agora, o instituto diz que entre os dias 3 e 10 de fevereiro os acumulados de chuva em Minas Gerais, Rio de Janeiro e São Paulo podem chegar a 200 mm. Na semana seguinte, de 9 a 15, o acumulado em Minas Gerais pode ser superior a 100 mm.

Canalização cobra seu preço

Entretanto, o clima não pode ser considerado o “vilão” desta história. Há muitos anos especialistas vem apontando como os gargalos do processo histórico de desenvolvimento urbano de Belo Horizonte causam enchentes e alagamentos.

Um desses pesquisadores é o geógrafo Alessandro Borsagli, autor de livros sobre o tema, como Rios Invisíveis da Metrópole Mineira, publicado em 2018, e de um blog na internet que já divulgava essas informações em 2010. Com a tragédia de janeiro, os estudos de Borsagli ganharam visibilidade nacional. “Nesse último mês o negócio tomou uma dimensão que nunca imaginei na minha vida. Mas é bom para a população se conscientizar. Essa era minha ideia, de divulgar para o público, para o pessoal vislumbrar que há outras possibilidades e que é possível deixar essa ideia de canalização de lado”, conta.

Belo Horizonte foi uma cidade planejada, mas os impactos da urbanização não foram bem estimados, aponta o pesquisador. “No fim do século XIX foi escolhido um sítio para a construção da capital mineira, e a rede hidrográfica ali existente foi de grande importância para a escolha do lugar do município, como um atrativo. Mas nesse período de concepção, já houve o rompimento com a rede hidrográfica. Com exceção do Ribeirão Arrudas, os demais foram desconsiderados e com o decorrer da evolução urbana, foram retificados e canalizados para vias que se encontravam mais próximas. A partir dessa inserção da rede hidrográfica no tecido geométrico da capital, os transbordamentos passaram a ocorrer de maneira mais regular. A canalização potencializou os alagamentos”, resumiu Borsagli à Gazeta do Povo.

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A canalização dos rios era uma opção urbanística difundida no Brasil. Com o crescimento acelerado das cidades em meados do século passado, os rios recebiam uma carga imensa de dejetos, transformando-se em esgotos a céu aberto. As administrações então decidiam canalizar e fechar os cursos d'água. A chuva, então, passou a castigar a cidade.

Segundo Borsagli, o Córrego do Leitão, em Belo Horizonte, foi um dos que seguiu esse roteiro: nos anos 1970, foi fechado e coberto pela Avenida Prudente de Morais, construída para melhorar o fluxo viário na região, que se expandia a passos largos. Essa foi uma das avenidas destruídas em janeiro: a força das águas e o alto índice de impermeabilização (muito asfalto e concreto) foi uma combinação explosiva.

Após chuva, novo plano diretor é apresentado

Foi preciso uma tragédia provocada pela chuva para o poder público se conscientizar do que pesquisadores já apontavam há anos. Na quarta-feira (5), entrou em vigor o novo Plano Diretor de Belo Horizonte, que traça diretrizes sobre o desenvolvimento urbano e proíbe, a partir de agora, a canalização de córregos.

A secretária de Política Urbana, Maria Caldas, disse que intervenções em rios já canalizados só seria permitida com estudo comprovando a viabilidade técnica e econômica, já que “uma intervenção nesse sentido implicará na desocupação de toda a área de inundação, o que acarreta, por exemplo, na desapropriação de imóveis”, segundo texto divulgado pela prefeitura. A capital mineira também passa a exigir a implantação de caixa de captação em todos os terrenos.

Para Borsagli, entretanto, é possível modificar a cidade. “Precisamos procurar uma reinserção desses cursos de água com o meio urbano, para a cidade conviver de forma mais ou menos harmoniosa com eles. Ainda é possível”, afirma.

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Outro projeto previsto no Plano Diretor visa corrigir mais um erro do planejamento urbano de Belo Horizonte: a falta de áreas verdes. Segundo Maria Caldas, serão criadas “conexões verdes que formam uma rede de 930 km de corredores arborizados ao longo da cidade, aumentando o número de pontos drenantes e criando medidas para a proteção e manutenção de cursos d’água e nascentes”.

Conforme dados do projeto de Mapeamento Anual da Cobertura e Uso do Solo no Brasil (MapBiomas), apenas 7,18% do território de Belo Horizonte é composto de florestas, contra 27,7% de São Paulo, e 14,7% em Curitiba.

Borsagli destaca que além da extensão das áreas verdes, importa a localização delas. “Quando há muitas praças e parques próximos aos cursos d’água, contribui muito para o escoamento”, pontua. Outro “problema” de Belo Horizonte é a alta declividade: em média, há 600 metros de diferença entre o ponto mais alto e o ponto mais baixo da cidade.