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Como Bolsonaro, Lula e as eleições ameaçam o teto de gastos
O presidente Jair Bolsonaro e o ministro do Desenvolvimento Regional, Rogério Marinho, inauguram obra em trecho do Rio São Francisco, no Ceará: mudança no teto de gastos interessa a boa parte do Congresso, ao governo e também a Lula.| Foto: Alan Santos

Aprovada pelo Congresso em 2016, durante o governo do ex-presidente Michel Temer (MDB), a Emenda Constitucional do Teto dos Gastos (EC 95) entrou em vigor no ano seguinte e tem como objetivo controlar o déficit nas contas públicas. A emenda tem validade por 20 anos e pode ser revista a partir de 2027. Mas declarações e iniciativas dos dois principais candidatos ao Planalto em 2022 – o presidente Jair Bolsonaro (sem partido) e o ex-presidente Lula (PT) – mostram que eles podem afrouxar as regras antes da data prevista para a revisão da emenda.

A regra do teto de gastos determina que as despesas da União não podem ultrapassar o valor gasto no exercício (ano) anterior, corrigido pela inflação. Estão sujeitos ao teto gastos dos três poderes no âmbito federal, além do Ministério Público e da Defensoria Pública da União.

Como Bolsonaro ameaça o teto de gastos

Desde o começo do governo Bolsonaro, o teto de gastos vem sendo empecilho para ampliação de gastos em áreas como obras públicas e programas sociais como o Bolsa Família. Parte dos aliados do governo defende que, com a ampliação das despesas, seria possível acelerar a retomada da economia e consequentemente melhorar a popularidade do presidente.

Entretanto, o ministro da Economia, Paulo Guedes, é um dos principais defensores do limitador de gastos dentro do Executivo. Apesar disso, o próprio presidente Bolsonaro já chegou a criticar publicamente a regra em 2019.

“Tem as despesas obrigatórias. Elas estão subindo, tá? Eu acho que daqui a 2, 3 anos vai zerar a despesa discricionária”, disse ele ao responder a uma pergunta de jornalistas sobre a possibilidade de rever o teto. Mais tarde, no mesmo dia, publicou no Twitter uma defesa da manutenção da emenda constitucional.

Em agosto do ano passado, o presidente admitiu em live que o governo discutiu a possibilidade de desrespeitar o limite constitucional. "Então a ideia de furar teto existe, o pessoal debate, qual o problema?", disse. Dias depois, no entanto, ele foi a público defender a regra e também a responsabilidade fiscal.

Com os partidos do Centrão na base de apoio ao governo de Bolsonaro, a pressão por mudanças se intensificou e a necessidade de respeitar a regra acabou atrasando a sanção do Orçamento de 2021.

O imbróglio começou quando o Congresso aprovou mais de R$ 30 bilhões em emendas parlamentares que seriam destinadas principalmente para obras públicas, por meio do Ministério do Desenvolvimento Regional (MDR).

A crise acabou gerando um desgaste entre o Planalto e congressistas. E, após pressão do ministro Paulo Guedes e de seus auxiliares, Bolsonaro sancionou a peça com um veto de quase R$ 20 bilhões e com bloqueio de outros R$ 9 bilhões. De acordo com o Ministério da Economia, com os cortes o governo cumpre a regra do teto, evitando, assim, ser enquadrado em crime de responsabilidade – que é motivo para impeachment.

De olho nas eleições de 2022, aliados do governo admitem reservadamente que uma revisão no teto de gastos poderia beneficiar Bolsonaro na corrida eleitoral. Segundo esses integrantes do Centrão, a ampliação dos gastos seria fundamental para a retomada da economia no pós-pandemia.

Entretanto, não existe um consenso da maioria para essa revisão no momento. Enquanto isso, Paulo Guedes tem se movimentado para que a manutenção da regra do teto de gastos seja mantida. "Temem que enlouqueçamos no fiscal por causa da eleição. Nunca faremos isso. Podemos enlouquecer nas privatizações”, disse o ministro durante evento promovido pelo Bradesco BBI no começo de junho.

Pressão é por aumento de gastos antes da eleição

Com planos de concorrer à reeleição, o presidente Jair Bolsonaro tem defendido a ampliação do valor do Bolsa Família para cerca de R$ 300 por mês. Atualmente o programa social paga em média R$ 190 por família beneficiada.

"A ideia é dar um aumento de 50% para ele [o Bolsa Família] em dezembro, para sair de média de R$ 190 (...) para R$ 300. É isso que está praticamente acertado aqui”, disse Bolsonaro recentemente  em uma entrevista à SIC TV, afiliada da TV Record em Rondônia.

A ampliação do valor deve ter um custo adicional de pelo menos R$ 20 bilhões para os cofres públicos. Além disso, o presidente sinalizou que pode reajustar o salário de servidores federais em 5%, o que ampliaria os gastos em mais R$ 15 bilhões.

A soma das duas promessas ultrapassa os R$ 25 bilhões que o próprio governo estima em receitas extras para o próximo ano. Entretanto, aliados de Guedes já se movimentam para controlar as expectativas e conter a sede por gastos em ano eleitoral.

Paralelamente, o Supremo Tribunal Federal (STF) colocou uma nova pressão sobre o governo ao determinar que a Lei 10.835/2004, que institui a renda básica de cidadania, seja regulamentada. De autoria do ex-senador Eduardo Suplicy, ela foi sancionada há 17 anos, mas nunca colocada em prática. O STF entendeu que a lei não pode ter efeitos meramente simbólicos.

Técnicos do Ministério da Economia admitem reservadamente que a determinação ampliou a pressão sobre o governo, pois, a partir do ano que vem, não será mais possível que pessoas elegíveis ao programa social sejam colocadas em espera por falta de Orçamento. Hoje cerca de 1,4 milhão de famílias estariam aptos a ingressar no programa.

Na última terça-feira (29), a equipe econômica reforçou publicamente a defesa do teto. Em nota, a Secretaria de Política Econômica (SPE) do Ministério da Economia afirmou que "em 2022, o teto continuará sendo cumprido".

"Não haverá aumento de gastos acima do que o teto permite. O que poderá haver é um maior espaço para alocação do gasto público conforme as prioridades da gestão, caso o INPC [índice de inflação que corrige o salário mínimo] convirja mais rápido para valores mais baixos até o final deste ano", escreveram os técnicos.

Hoje a SPE vê um espaço de R$ 25 bilhões para aumento de gastos em 2022 sem violar o teto. Essa margem fiscal pode aumentar, caso a inflação desacelere mais rápido que o previsto neste segundo semestre. Mas, se os índices de preços avançarem além do esperado, essa folga vai diminuir, alerta a SPE. Na prática, crise hídrica e cotações do dólar devem ser determinantes para a evolução da inflação e, consequentemente, a definição do tamanho das "bondades" que serão concedidas no ano eleitoral.

Como Lula ameaça o teto dos gastos

De volta ao jogo político de 2022, o ex-presidente Lula sinalizou que pode propor o fim do teto de gastos se for eleito. Na visão do petista, a emenda que pretende impedir o descontrole das contas públicas acaba engessando os investimentos do governo em programas sociais.

“A quem interessa o teto de gastos? Aos banqueiros? Ao sistema financeiro? Gasto é quando você investe um dinheiro que não tem retorno. Quando você dá 1 bilhão pra rico é investimento e quando você dá R$ 300 pro pobre é gasto?! Nós vamos revogar esse teto de gastos”, escreveu Lula em uma rede social.

Estreitando os laços com o petista, o ex-presidente da Câmara Rodrigo Maia (ex-DEM-RJ), que se diz defensor do teto, sinalizou que o mercado não precisa se assustar com a declaração de Lula. Segundo o deputado, o ministro Paulo Guedes já tinha feito pior que romper com a regra fiscal.

“A proposta do Lula não precisa assustar o mercado. O próprio [ministro da Economia] Paulo Guedes fez pior do que revogar o teto de gastos: ele descumpriu e desmoralizou o teto em troca da reeleição do [presidente Jair] Bolsonaro”, afirmou Maia.

Atual secretário de Fazenda do estado de São Paulo, Henrique Meirelles foi o idealizado da PEC do teto de gastos quando era ministro do governo Temer. Segundo ele, Lula está mal informado sobre a emenda constitucional.

“O teto não impede políticas sociais; ao contrário: cria condições para o crescimento e para o país gastar melhor com as pessoas”, disse Meirelles ao site Poder360. Na sua avaliação, a medida foi fundamental para a retomada econômica depois da crise que atingiu o Brasil de 2015 a 2016.

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