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O obuseiro Atmos, produzido pela empresa israelense Elbit Systems, é considerado um dos melhores sistemas de artilharia autopropulsada do mercado. Mesmo assim, o governo do presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) vetou a compra de 36 unidades do Atmos para o Exército Brasileiro. A aquisição desse equipamento militar representaria mais um avanço na promessa de modernização do arsenal das Forças Armadas, que há muito tempo necessita de renovação.
No início deste mês, o ministro da Defesa, José Múcio Monteiro Filho, afirmou que a compra do equipamento foi barrada por questões ideológicas. Membros do PT e do governo federal entendem que a negociação poderia financiar de maneira indireta a guerra no Oriente Médio e colaborar com Israel no conflito que trava contra os terroristas do Hamas na Faixa de Gaza. (Leia mais sobre a questão no fim da matéria.)
O Atmos faz disparos de granadas de artilharia (balas de canhão, no jargão popular) a longa distância e com maior precisão. Ele possui um obuseiro (o "lançador") de calibre 155 mm e sua grande vantagem em relação aos obuseiros que o Brasil já possui é o fato de a artilharia conseguir se mover sem a necessidade de ser rebocada, o que a torna mais rápida e moderna.
A grande vulnerabilidade de um sistema de artilharia é que, depois que faz os primeiros disparos, é detectada e vira alvo para o inimigo. Por isso a necessidade de deixar o local rapidamente. Como o Atmos já é instalado sobre um veículo, isso ocorre de maneira mais fácil.
A empresa Elbit venceu a licitação internacional aberta pelo Exército e superou modelos de companhias de outros três países. "O Atmos 6x6 atendeu a todos os requisitos absolutos estabelecidos pelo Exército Brasileiro. Ele é considerado um dos melhores sistemas do mundo para a sua categoria de obuseiros", informou a força após a conclusão do certame. A artilharia se destacou tanto pelo desempenho superior quanto pelo melhor custo-benefício. O resultado do processo foi bem avaliado por especialistas.
Elbit já fornece equipamentos para o Exército através de subsidiárias no Brasil
Henrique Alvarez, doutor em políticas públicas, estratégia e desenvolvimento pela Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), explica que entre as vantagens que o Atmos trouxe em relação aos demais concorrentes está a possibilidade de integração a equipamentos que o Exército brasileiro já possui.
"O Atmos vai poder utilizar os caminhões da Tatra, uma empresa Tcheca, que produz os caminhões da Avibras. Além disso, o fato de a Elbit já fornecer uma série de armamentos ao Brasil e de possuir empresas aqui - que já são grandes fornecedores tanto do Exército, quanto da Aeronáutica - traz uma série de vantagens", explica o especialista.
A AEL Sistemas, uma empresa subsidiária da Elbit, possui sede no Rio Grande do Sul e fornece às Forças Armadas uma série de equipamentos. Como, por exemplo, o cockpit e sistemas de eletrônica do caça Gripen brasileiro, do cargueiro KC-390 e do caça Super-Tucano, aeronaves da Força Área Brasileira (FAB). A AEL também fornece o RDS (Rádio Definido por Software) que as Forças utilizam para comunicação e pode ser utilizado no Atmos.
Alvarez relembra ainda que a Ares, outra empresa do grupo Elbit e que possui sede em Duque de Caxias, no Rio de Janeiro, produz as torres de metralhadora Remax e a UT-30 do veículo blindado Guarani. De acordo com o analista, essas empresas estariam envolvidas no projeto de desenvolvimento do Atmos no Brasil.
"[Sendo assim,] já existiria toda uma questão logística que facilitaria no caso dessas empresas [do grupo Elbit fecharem o novo acordo com o Exército], por já haver contato de fornecimento e estarem trabalhando com sistemas que vão ser anexados a esse equipamento autopropulsado", analisa Henrique Alvarez.
Além disso, o obuseiro da Elbit tem a possibilidade de utilizar todos os tipos de munição qualificadas pela Organização do Tratado do Atlântico Norte (OTAN), inclusive munições inteligentes ou mais antigas, como o projétil M107, de alto explosivo (HE), que o Exército brasileiro ainda utiliza.
Na avaliação do cientista político e diretor de projetos do Centro de Estratégia, Inteligência e Relações Internacionais, Marcelo Suano, essas possibilidades, especialmente a utilização dos chassis do Astros, eram vantagens para a escolha do Atmos, além de trazer economia agilidade para a Força.
"A jogada é que a Elbit já tinha a possibilidade de montar esses obuseiros nos chassis da viatura do Astros, que já temos aqui. Isso traria economia, agilidade, capacidade estratégica e tática. Além de que a Elbit é uma empresa israelense que tem confiança, credibilidade e produtos de alta qualidade. As empresas israelenses cumprem contrato", salienta.
Mais modernidade e agilidade para o Exército
Apesar de o Exército já possuir obuseiros em seu arsenal, a tecnologia do Atmos seria uma novidade. O equipamento da Elbit, como explicaram os especialistas, combina rapidez, alcance de disparo e facilidade de operação, o que o torna ideal para cenários de guerra modernos, nos quais a mobilidade e a precisão se tornam cruciais.
O Brasil tem, em sua maioria, obuseiros de origem norte-americana: os M101, M114 e M109A5, sendo esse último já modernizado em solo nacional. Há ainda o francês LG-1 e o italiano Oto Melara Mod 56. O destaque do arsenal brasileiro fica com o M109A5, considerado o principal obuseiro que o Exército possui hoje. Nenhum deles, contudo, é superior ao Atmos.
Apesar do M109A5 ser uma artilharia autopropulsada, o chassi pelo qual ele se locomove está sobre lagartas (esteiras metálicas), o que deixa o veículo mais lento e, consequentemente, um alvo mais fácil em terreno hostil. Por sinal, esse ponto torna os demais obuseiros do arsenal do Exército brasileiro, que são do tipo rebocado - quando a artilharia não possui propulsão própria e por isso precisa ser puxada por um outro veículo -, ainda mais obsoletos em relação ao Atmos.
"O Exército tem esse tipo de equipamento e os fuzileiros navais também, mas que já são mais obsoletos, pois demoram mais para montagem e para executar tiros. E tem também a questão da fuga: depois de realizar os disparos, essa artilharia [rebocada] se torna um alvo. Então até rebocar de novo no caminhão para sair dali, ela virou um alvo fácil", explica Henrique Alvarez.
No caso dos obuseiros rebocados, como dependem de um outro veículo para locomoção, um caminhão os transporta até o ponto necessário para realizar os disparos. Então eles são posicionados e, após efetivar os lançamentos, precisam ser novamente rebocados para um novo ponto, explica Alvarez.
Mas, no caso do Atmos, ele já possui um motor próprio para realizar essa locomoção e está posicionado em um veículo sobre rodas, o que torna sua mobilidade ainda mais ágil.
"[O Atmos] tem toda uma questão de mobilidade que acaba sendo superior e facilita muito para o exército que está atacando. Ele é muito móvel, tem capacidade de atirar, realizar salvas de tiro e sair do local muito rapidamente, com maior eficácia. Portanto, estrategicamente, do ponto de vista tático, é uma vantagem muito grande e que, cada vez mais nos nos cenários de combate e conflitos atuais, vem se mostrando eficaz", pontua Alvarez.
Além disso, o Atmos conta com sistemas de controle de fogo automatizados e modernos, facilitando a precisão, rapidez e integração com sistemas de comando. A artilharia possui ainda um alcance de até 40 km e oferece maior cobertura e eficácia no campo de batalha.
Licitação para compra de Obuseiro durou mais de um ano
O Exército abriu um edital licitatório internacional em 2023 para a aquisição de 36 obuseiros autopropulsados de 155 mm sobre rodas. Em abril, o processo foi encerrado e a força informou que a Elbit era a vencedora do certame. Além da empresa israelense, obuseiros de companhias de outros três países chegaram à fase final do processo.
Em segundo lugar ficou o Zuzana 2, da Excalibur International, uma empresa da República Tcheca; em terceiro lugar, o Caesar, da empresa francesa KNOS France; e, em quarto lugar, o SH15, da empresa chinesa Norinco (China North Industries Corporation).
A negociação vencida pela companhia israelense envolvia a entrega de dois obuseiros do “lote de amostra” em até um ano e os demais entregues em lotes anuais até 2034. O valor total da negociação foi R$ 1 bilhão. Apesar das dúvidas levantadas acerca da licitação, analistas explicam que esses processos são rigidamente burocráticos e técnicos.
A expectativa era de que o Exército e representantes da Elbit assinassem o contrato de intenção em maio deste ano, dando início ao acordo entre as partes. Essa primeira etapa autorizava a companhia enviar as duas viaturas do lote de amostra, previstas no contrato para serem testadas pelo Exército e servirem para capacitação de agentes da força. Mas isso não aconteceu e desde então as negociações estão paralisadas.
Negociações com a Elbit estão paralisadas
As tratativas com a Elbit foram paralisadas depois que membros do Partido dos Trabalhadores (PT) e da alta cúpula do governo, entre eles o assessor para assuntos especiais da presidência, Celso Amorim, se opuseram à compra. Para eles, há o entendimento de que a negociação poderia financiar de maneira indireta a guerra que o país enfrenta contra os terroristas do Hamas na Faixa de Gaza.
O ministro da Defesa, José Múcio Monteiro Filho, afirmou que as negociações foram interrompidas por "questões ideológicas". O presidente Lula tem sido um crítico constante da guerra no Oriente Médio entre Israel e os terroristas do Hamas.
O petista já acusou o governo de Israel de promover um "genocídio" contra a população palestina que vive em Gaza e chamou de "chacina" a contraofensiva israelense no conflito.
A paralisação nas negociações com a Elbit Systems levou o Ministério da Defesa a solicitar uma análise do Tribunal de Contas da União (TCU) sobre o caso, questionando se havia impedimento na lei brasileira para aquisição de equipamentos militares de um país em guerra. Em relatório, o órgão concluiu que não há qualquer impedimento nesse tipo de negociações em leis internas e nem em acordos internacionais do qual o Brasil é signatário.
No documento, o TCU concluiu que "não há restrição relativa a fornecedor que tenha sua sede em país em situação de conflito armado, seja quanto à sua participação em licitação, seja quanto à celebração ou a manutenção de contrato".
As negociações, contudo, seguem paralisadas e sem indicações de quando poderão ser retomadas ou se a licitação será suspensa.