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Covas sendo abertas em cemitério de Manaus.
Covas sendo abertas em cemitério de Manaus.| Foto: Michael Dantas/AFP

No primeiro semestre de 2020, quando a pandemia do novo coronavírus começava a se instalar no Brasil, Manaus, capital do Amazonas, foi a primeira cidade do país a ter um colapso no sistema de saúde por conta da Covid-19. Menos de um ano depois, a capital está de volta ao cenário, mas em uma situação ainda pior: nesta semana, médicos e pesquisadores denunciaram a falta de oxigênio nos hospitais. O número de doentes em situação grave é tamanho que, na terça-feira (12), a demanda diária por oxigênio era onze vezes maior do que a média. "Há relatos de uma ala inteira de pacientes que morreu sem ar", disse o pesquisador Jesem Orellana, da Fiocruz-Amazônia, à Folha de S. Paulo.

Profissionais de saúde de hospitais manauaras relatam que, em muitos casos, os médicos tentaram manter pacientes vivos por ventilação mecânica – mas que muitos morreram asfixiados. "A vontade que dá é de chorar o tempo inteiro. Você vê o paciente morrendo na sua frente e não pode fazer nada. É como se ver numa guerra e não ter armas para lutar", relatou uma profissional ao jornal O Estado de S. Paulo.

Os médicos também denunciam a falta de leitos. Alguns pacientes nem chegam aos hospitais, e morrem em casa. "Todos os dias recebo pedido de leitos. Às vezes há um disponível e, quando ligo para a família, descubro que o paciente já morreu. Como posso julgar quem salvar, quem merece viver? É uma sensação de impotência", disse um médico ao jornal O Globo.

Outros incontáveis testemunhos apontam para a situação caótica e dramática de Manaus. Isso não significa, porém, que o cenário seja inesperado: pesquisadores da região vêm alertando, há meses, para a possibilidade de uma nova onda de casos na cidade.

Veja, em 4 pontos, tudo o que se sabe sobre a tragédia da Covid-19 em Manaus:

1. Como Manaus chegou ao seu segundo colapso em menos de um ano?

A situação na capital amazonense parece um déjà-vu – só que pior. Em abril do ano passado, Manaus foi a primeira cidade do país a ver seu sistema de saúde colapsar diante dos casos infecção pelo novo coronavírus. À época, o número de óbitos cresceu tanto que corpos tiveram de ser mantidos em containers refrigerados, aguardando sepultamento. A explosão de mortes levou a prefeitura a abrir valas comuns, onde caixões eram empilhados diante da perplexidade de familiares.

Valas comuns sendo abertas em cemitério em Manaus, em abril de 2020. Foto: Michael Dantas/AFP
Valas comuns sendo abertas em cemitério em Manaus, em abril de 2020. Foto: Michael Dantas/AFP| MICHAEL DANTAS / AFP

Após o pico de casos, o número de infectados começou a diminuir. Um grupo de pesquisadores, inclusive, chegou a publicar um artigo afirmando que a cidade havia atingido a chamada imunidade de rebanho. "Fizemos um comentário técnico do artigo apontando os erros, mas ele nunca foi retratado. Isso circulou pelo meio político, nas mesas de bar", disse Jesem Orellana, da Fiocruz-Amazônia, em entrevista ao jornal O Estado de S. Paulo.

A informação de que a cidade estaria imunizada contra a Covid-19, segundo o pesquisador, contribuiu para o relaxamento das medidas de proteção. Desde agosto, porém, ele e outros colegas vêm apontando para a inversão na curva epidêmica em Manaus, quando o número de casos voltou a subir. Orellana afirma que os pesquisadores fizeram vários alertas ao governo federal, à comissão mista da Covid-19 no Congresso e à Secretaria de Saúde.

Nessa semana, a detecção de uma nova cepa do novo coronavírus incluiu mais um ingrediente ao cenário. A variante foi identificada, inicialmente, por pesquisadores japoneses, que analisaram o vírus que infectou pessoas que estiveram em Manaus. A hipótese dos pesquisadores é de que a nova variante, somada ao relaxamento das medidas de proteção, esteja associada ao aumento rápido de casos.

2. A nova cepa do coronavírus, encontrada em Manaus, é mais agressiva?

A variante do coronavírus encontrada em Manaus ainda está sendo estudada por pesquisadores. Há indícios, porém, de que a cepa é mais transmissível do que a anterior. "Apesar de todo esse contexto de relaxamento da população em relação aos cuidados, acreditamos que esta nova cepa é a explicação mais plausível para um crescimento tão explosivo considerando o histórico de Manaus. Porque esse tipo de crescimento tão explosivo a gente normalmente aceita quando toda a população é considerada suscetível ao novo vírus. Mas essa disseminação que estamos vendo num contexto em que pelo menos 30% a 40% da população já tinha sido exposta ao coronavírus só pode ser porque essa nova cepa se programa muito mais rapidamente que todas as 11 variantes que circularam antes na região", afirmou o pesquisador da Fiocruz-Amazônia na entrevista ao Estadão.

Outras variantes do novo coronavírus também se mostraram mais transmissíveis, como as encontradas no Reino Unido e na África do Sul. Essas duas últimas, que já foram analisadas com mais pormenor pelos cientistas, não parecem ser mais agressivas. A questão é que, como se transmitem com mais facilidade, as novas cepas acabam infectando um número maior de pessoas ao mesmo tempo. Com isso, mais pessoas desenvolvem, simultaneamente, formas graves da Covid-19, que demandam assistência médica – o que pode ajudar a explicar o caos em Manaus.

O aparecimento da nova variante em solo brasileiro já acendeu o alerta na comunidade científica internacional, e pode provocar a restrição da entrada de brasileiros em outros países. Segundo especialistas, o desenvolvimento de novas cepas tem maiores chances de acontecer quando há maior circulação do vírus. Por isso, enquanto não houver uma cobertura vacinal ampla da população, a orientação é para que os cuidados de prevenção – uso de máscara, higienização das mãos e distanciamento social – continuem sendo seguidos.

3. O que está sendo feito?

Para tentar minimizar a contaminação, o estado do Amazonas instituiu, a partir desta sexta-feira (15), um toque de recolher, com vigência inicial de 10 dias. Pela regra, ninguém pode sair de casa entre as 19h e as 6h.

No início da semana, além disso, o governador do Amazonas, Wilson Lima (PSC), já havia enviado um ofício a governadores de todo o país por conta da "iminência de sofrer desabastecimento de oxigênio". "Em face dessa realidade e lastreado no princípio da mútua cooperação que deve existir entre os entes federados, vimos por meio desta solicitar a disponibilização de estoque de oxigênio de uso hospitalar dessa unidade da Federação para que o Amazonas possa mitigar os efeitos da pandemia e com isso salvar vidas", dizia o documento, obtido pelo G1.

O governo federal enviou cilindros de oxigênio para hospitais manauaras na madrugada desta sexta-feira (15). A carga foi transportada em dois aviões da Força Aérea Brasileira (FAB). No total, foram enviados 386 cilindros, com mais de 18 toneladas. O governo da Venezuela também informou que irá disponibilizar oxigênio para atender os hospitais do estado.

Outra medida tomada foi a transferência de pacientes para outros estados. Na manhã desta sexta (15), 235 pacientes começaram a ser transportados para outras cidades em aviões da FAB.

O ministro da Saúde, Eduardo Pazuello, esteve em Manaus na última segunda-feira (11). Na ocasião, Pazuello anunciou um "plano de contingência para o Amazonas", que incluía a reorganização do atendimento, a abertura de leitos de UTI e o envio de equipamentos, insumos e medicamentos. Na mesma solenidade, o ministro recomendou o uso de tratamento precoce para a Covid-19, com a administração de medicamentos como cloroquina, hidroxicloroquina, ivermectina, azitromicina, corticoide, nitazoxanida, zinco, vitaminas, anticoagulante, ozônio por via retal e dióxido de cloro.

Já o prefeito da capital, David Almeida (Avante), afirmou que pretende agilizar a distribuição desses medicamentos, chamados de "kit Covid".

Apesar de não ter a eficácia cientificamente comprovada, grupos de médicos no Brasil e no mundo vêm receitando medicamentos como a cloroquina e a ivermectina com base em estudos empíricos.

4. O pior já passou?

De acordo com especialistas, a situação pode ficar ainda pior nos próximos dias. Isso porque as internações de agora são reflexo das contaminações de, ao menos, 15 dias atrás. A tendência, portanto, é de que os casos continuem aumentando. "Pelos próximos dias, as infecções das últimas semanas vão continuar aumentando a demanda dos hospitais. E vai precisar de muito oxigênio", afirmou o pesquisador Jesem Orellana ao Estadão.

Orellana destaca, ainda, que os pacientes que tiveram privação de oxigênio e sobreviveram tiveram evolução negativa do quadro, ou seja, devem precisar de ainda mais oxigênio. Há, ainda, a possibilidade de que esses pacientes desenvolvam sequelas.

Por fim, com a transferência dos pacientes, é possível que a nova cepa se espalhe para outras regiões do país, o que pode agravar a situação – já crítica – da pandemia no país.

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