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A Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) do Abuso de Autoridade, proposta para apurar excessos praticados pelo Judiciário está encontrando resistência no processo de obtenção apoio de lideranças políticas na Câmara dos Deputados. Ela corre o risco de não ser instalada novamente, assim como ocorreu já ocorreu no final do ano passado.
O deputado Marcel van Hattem (Novo-RS), autor do requerimento para criação da CPI, disse à Gazeta do Povo que corre contra o tempo para conseguir as 27 assinaturas de parlamentares que faltam para completar as 171 exigidas pelo Regimento Interno da Câmara e a Constituição Federal (1/3 do total de deputados na legislatura). O deputado afirmou que não está conseguindo convencer muitos colegas da importância da CPI.
De acordo com o deputado Marcel, ao contrário do que ocorreu na legislatura passada, quando o pedido da CPI encontrou amplo apoio dos parlamentares, batendo 181 assinaturas em apenas 48 horas, desta vez o convencimento está mais complicado. “Tem sido um pouco mais difícil, teve a prioridade da CPMI do 8 de janeiro, até pela ampla repercussão que o caso gerou, mas estamos conseguindo aos poucos, à medida que novos fatos surgem”, acrescentou o deputado.
Um desses fatos novos foi o mandado de busca e apreensão concedido pelo ministro do STF Alexandre de Moraes contra o senador Marcos do Val (Podemos-ES) na última quinta-feira. O Senado é hoje praticamente a única instituição que poderia conter eventuais abusos do STF.
Para Van Hattem, a operação da Polícia Federal, desta vez contra um senador da República “foi mais um absurdo cometido pelo Judiciário, e que mostra a urgência de se investigar esses atos”.
Para a deputada Adriana Ventura (Novo-SP), muitos até concordam com a CPI do Abuso de Autoridade, mas têm medo. “Medo de represália, seja do Executivo, Judiciário ou do próprio líder partidário”.
Marcel van Hattem lembra que no ano passado o requerimento atendia a todas as exigências para instalação da CPI – assinatura de 1/3 dos parlamentares, fato determinado e prazo. Mas o pedido terminou arquivado em função do fim da legislatura parlamentar.
O Regimento Interno da Câmara permite que apenas cinco Comissões Parlamentares de Inquérito (CPIs) funcionem ao mesmo tempo. Atualmente, quatro outras comissões estão já instaladas na Câmara, além da Comissão Parlamentar Mista de Inquérito (CPMI) do 8 de janeiro, que por incluir deputados e senadores não impede a quinta comissão apenas de deputados.
Oposição também cogita comissão mista para investigar abusos da Justiça
O presidente da Câmara, Arthur Lira (PL-AL) chegou a justificar o arquivamento da CPI do Abuso de Poder em 2022 alegando falta de tempo. Lira sugeriu ainda que ao invés de uma CPI da Câmara, os partidos de oposição e independentes buscassem assinaturas para instalação de uma CPMI, com a participação de deputados e senadores, que encontraria menos entraves para instalação e maior efetividade.
A alternativa não está descartada pelo deputado Marcel van Hattem. “Há aqueles que entendem que seria melhor uma Comissão Parlamentar Mista de Inquérito (CPMI), e caso seja realizada assinarão o requerimento”, disse o deputado à Gazeta do Povo.
Segundo Van Hattem, há um movimento nesse sentido, mas para considerar essa alternativa seria preciso garantir também 27 assinaturas no Senado Federal.
Deputados que já apoiaram CPI hoje se mostram indecisos
O deputado Fábio Schiochet (União-SC) é um exemplo de parlamentar que assinou o requerimento de instalação da CPI do Abuso de Autoridade no ano passado, mas ainda não se decidiu nessa legislatura.
Para ele, “vai ser uma CPI natimorta”. Schiochet disse que ainda está analisando a questão, mas considera que o Senado tem maior autonomia em relação ao Judiciário.
Ele lembra que o Senado é o responsável por sabatinar ministros indicados ao Supremo Tribunal Federal, como acontece agora com a indicação do advogado de Lula, Cristiano Zanin, à Suprema Corte.
Já o deputado Nelsi Coguetto Maria, oVermelho, (PL-PR) disse ter dúvidas sobre a efetividade de uma Comissão Parlamentar Mista de Inquérito para investigar os abusos cometidos pelo Judiciário. “A CPMI do 8 de janeiro não está dando resultado”, disse. Ele ainda avalia se vai assinar o requerimento da CPI, como fez na legislatura passada.
O deputado Carlos Chiodini (MDB-SC) já decidiu que não assinará o requerimento. “Virou uma farra de CPIs, o Brasil já tem cinco comissões funcionando, não precisa de mais". O parlamentar disse acreditar que o Congresso precisa debater temas que, segundo ele, são "mais importantes", como a Reforma Tributária.
Câmara pode entender que abusos devem ser debatidos na esfera da Justiça
Para o cientista político Cristiano Noronha, da Arko Advice, dificilmente a CPI do Abuso de Autoridade será instalada agora. “De um lado você tem o governo, e de outro o próprio Lira e também o Pacheco adotam uma postura de mais cautela em relação aos poderes”, diz ele. “Não vejo ambiente político e institucional para que essa CPI prospere, não é a intenção da maioria dos parlamentares”, completa.
Noronha afirmou que na atual composição da Câmara dos Deputados há uma “relação mais pacífica” entre os poderes da República. “Você não tem como antes críticas tão contundentes, tão vorazes”. Além disso, o analista disse que muitos que fizeram questionamentos mais duros ao Judiciário hoje respondem a processos.
O deputado Otoni de Paula (MDB-RJ), por exemplo, é alvo de denúncia por injúria e difamação contra Alexandre de Moraes. Em junho de 2020, em resposta à quebra de seu sigilo bancário pelo ministro do STF e presidente do TSE, no inquérito dos atos antidemocráticos, o deputado disse, numa transmissão ao vivo nas redes sociais, que, com a medida, Moraes “enoja ainda mais a sociedade”.
Ele passou então a ser alvo de processo por insinuar que Moraes não agiria de forma isenta e imparcial.
“Eu não tenho o que temer. Não tenho o rabo preso, não sou bandido. Agora eu não sei se o sigilo bancário do ministro Alexandre de Moraes for quebrado se ele pode ter a mesma paz que eu estou tendo agora", disse o deputado na época.
Outro alvo recente da justiça foi o presidente da CPI do MST, deputado Tenente Coronel Zucco (Republicanos-RS). No mês passado o ministro Alexandre de Moraes determinou à Polícia Federal que investigasse Zucco por suposto “patrocínio e incentivo a atos antidemocráticos” no Rio Grande do Sul. No fim do ano passado, o deputado postou frases de apoio às manifestações contra a eleição de Luiz Inácio Lula da Silva (PT) em suas redes sociais.
Na avaliação de Noronha, o analista Arko Advice, mesmo que consiga as 171 assinaturas necessárias para criação, a CPI do Abuso de Autoridade pode esbarrar numa questão jurídica. “Há um entendimento que decisões da Justiça devem ser contestadas no devido processo legal”. Ainda segundo Noronha, existe a possibilidade da Mesa da Câmara não admitir a CPI.
Van Hattem aposta em abaixo-assinado para criar pressão popular e aprovar CPI
Enquanto tenta convencer os parlamentares da importância da CPI do Abuso de Autoridade, Van Hattem também busca o apoio dos eleitores. O Partido Novo criou um abaixo-assinado para fazer com que a população pressione os deputados que ainda não se manifestaram sobre a CPI.
Segundo o deputado Van Hattem, já são mais de 500 mil assinaturas coletadas, o que mostra como a sociedade enxerga as decisões tomadas pelo STF e TSE.
“O que a gente está vendo aí é uma mobilização sem precedentes contra os abusos, como nós vimos em Porto Alegre e Curitiba. Eu acredito que essa mobilização não tardará a chegar na Câmara dos Deputados”, disse ele, se referindo às manifestações de apoio a Deltan Dallagnol. O ex-procurador da Lava Jato teve o registro de candidatura cassado pelo Tribunal Superior Eleitoral, o que levou à perda do mandato na Câmara dos Deputados.
O TSE entendeu que Dallagnol teria desrespeitado a Lei da Ficha Limpa por pedir exoneração do cargo de procurador para evitar possíveis Processos Administrativos Disciplinares, sem que houvesse nenhum processo em análise, e por isso a decisão chegou a ser questionada por juristas. Ives Gandra Martins disse que o Judiciário invadiu a competência do Legislativo.
O deputado Dallagnol, em sua defesa, também acrescentou que o TSE criou uma "inelegibilidade imaginária" ao supor que poderia haver inquéritos contra ele no futuro, e disse que a decisão da justiça eleitoral foi "perseguição política".
Articulação de comissão tem que andar rápido pois Câmara só pode ter mais uma CPI
Para ser instalada como a quinta Comissão Parlamentar de Inquérito da Câmara, a CPI do Abuso de Autoridade precisa atender os requisitos legais e ainda sair na frente de outro possível pedido para criação de comissão.
A consultora legislativa Deborah Wajngarten atua na área de Direito Penal, Direito Processual Penal e Procedimentos Investigatórios Parlamentares da Câmara dos Deputados. Ela explica que todo pedido de CPI a ser instalado na Casa deve ter prazo certo de 120 dias prorrogáveis por mais até 60 dias; assinatura de 1/3 dos seus membros, e fato determinado - acontecimento de relevante interesse para a vida pública e a ordem constitucional, legal, econômica e social do país.
Ela poderá ser instalada se esses requisitos forem preenchidos e se a capacidade máxima de funcionamento de cinco CPIs simultâneas na Câmara não tiver sido alcançada.
A consultora explica que “cabe à Mesa, após a leitura do requerimento em Plenário, a instalação de uma CPI". Mas não há uma regra para determinar qual CPI deve ser instalada primeiro.
Mas, quando uma CPI termina, outra pode ser instalada na mesma legislatura, desde que o número de comissões simultâneas não passe de cinco. A limitação visa manter o funcionamento correto das demais comissões permanentes e temporárias da Casa e remanejar servidores.
Atualmente, estão em funcionamento na Câmara A CPI do MST, para investigar a atuação do Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST) e seus financiadores, a CPI das Americanas, para investigar as inconsistências de R$ 20 bilhões nos balanços contábeis das Lojas Americanas; a CPI do Futebol, para investigar denúncias de manipulação de resultados em partidas realizadas no futebol profissional no Brasil, instaladas em 17 de maio; e por último a CPI das Pirâmides Financeiras, para investigar indícios de fraudes na operação de empresas para obter lucros com Criptomoedas, instalada no dia 13 de junho.